«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 29 de março de 2015

COMO ENFRENTAR TANTA CORRUPÇÃO? - PROPOSTAS

O problema é o processo

Sérgio Fernando Moro e Antônio Cesar Bochenek*

Ou mudamos o sistema de Justiça Criminal ou afundaremos em esquemas criminosos

A denominada Operação Lava Jato revelou provas, ainda pendentes de exame definitivo pelo Judiciário, da aparente existência de um esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro de dimensões gigantescas. Se confirmados os fatos, tratar-se-á do maior escândalo criminal já descoberto no Brasil. As consequências são assustadoras.
Sérgio Fernando Moro - Juiz Federal encarregado, em Curitiba (PR), pelo julgamento dos
denunciados e investigados na "Operação Lava Jato"
Foto: Gil Ferreira / Agência Brasil
A Petrobrás sofreu danos econômicos severos, ilustrados pelo pagamento de propinas milionárias a antigos dirigentes e pelo superfaturamento bilionário de obras. Além dos danos imediatos, a empresa sofreu grave impacto em sua credibilidade. A própria economia brasileira, carente de investimentos, sofre consequências, com várias empresas fornecedoras da Petrobras envolvidas no esquema criminoso.

Mais preocupante ainda a possibilidade de que o esquema criminoso tenha servido ao financiamento de agentes e partidos políticos, colocando sob suspeição o funcionamento do regime democrático. Embora se acredite que, com o apoio das instituições democráticas e da população em geral, tais problemas restem ao final superados, inclusive com o fortalecimento da democracia e da economia brasileiras, a grande questão a ser colocada é como se chegou a esse ponto de deterioração, no qual a descoberta e a repressão de crimes de corrupção geraram tantos efeitos colaterais negativos?

Uma das respostas é que o sistema de Justiça Criminal, aqui incluído Polícia, Ministério Público e Judiciário, não tem sido suficientemente eficiente contra crimes desta natureza. Como resultado, os problemas tendem a crescer, tornando a sua resolução, pelo acúmulo, cada vez mais custosa.

A ineficiência é ilustrada pela perpetuação na vida pública de agentes que se sucedem nos mais diversos escândalos criminais. Não deveria ser tão difícil condená-los ao ostracismo. Parte da solução passa pelo incremento da eficiência da Justiça criminal. Sem dúvida com o respeito aos direitos fundamentais dos investigados e acusados, mas é necessário um choque para que os bons exemplos de eficiência não fiquem dependentes de voluntariedade e circunstâncias.

Sem embargo de propostas de alterações do Direito Penal, o problema principal é óbvio e reside no processo. Não adianta ter boas leis penais se a sua aplicação é deficiente, morosa e errática. No Brasil, contam-se como exceções processos contra crimes de corrupção e lavagem que alcançaram bons resultados. Em regra, os processos duram décadas para ao final ser reconhecida alguma nulidade arcana ou a prescrição pelo excesso de tempo transcorrido. Nesse contexto, qualquer proposta de mudança deve incluir medida para reparar a demora excessiva do processo penal.

A melhor solução é a de atribuir à sentença condenatória, para crimes graves em concreto, como grandes desvios de dinheiro público, uma eficácia imediata, independente do cabimento de recursos. A proposição não viola a presunção de inocência. Esta, um escudo contra punições prematuras, impede a imposição da prisão, salvo excepcionalmente, antes do julgamento. Mas não é esse o caso da proposta que ora se defende, de que, para crimes graves em concreto, seja imposta a prisão como regra a partir do primeiro julgamento, ainda que cabíveis recursos. Nos Estados Unidos e na República francesa, dois dos berços históricos da presunção de inocência, a regra, após o primeiro julgamento, é a prisão, sendo a liberdade na fase de recurso excepcional.

Não se ignora, por evidente, a possibilidade do erro judiciário e de eventual reforma do julgado, motivo pelo qual se propõe igualmente que as Cortes recursais possam, como exceção, suspender a eficácia da condenação criminal quando presente, por exemplo, plausibilidade do recurso. Mas a exceção não invalida a proposição. O problema da legislação atual é o de supor como geral o erro judiciário e, como consequência, retirar toda eficácia da sentença judicial, transformando-a em mera opinião, sem força nem vigor. No Brasil, chegou-se ao extremo de também retirar-se a eficácia imediata do acórdão condenatório dos Tribunais, exigindo-se um trânsito em julgado que, pela generosidade de recursos, constitui muitas vezes uma miragem distante. Na prática, isso estimula recursos, quando não se tem razão, eterniza o processo e gera impunidade.
Antônio Cesar Bochenek - Juiz Federal
Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE)
Foto: AJUFE
A AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil apresentará, em breve, proposição nesse sentido ao Congresso Nacional. O projeto de lei foi previamente aprovado pela ENCCLA – Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de dinheiro no ano de 2014, em grupo de trabalho que contou com membros dos três Poderes.

Pelo projeto, o recurso contra a condenação por crimes graves em concreto não impedirá, como regra, a prisão. Permite ainda o projeto que o juiz leve em consideração, para a imposição ou não da prisão, fatos relevantes para a sociedade e para a vítima como ter sido ou não recuperado integralmente o produto do crime ou terem sido ou não reparados os danos dele decorrente. Exige-se ainda alguma cautelaridade para a prisão, mas não como antes do julgamento.

Não se trata aqui de competir com as proposições apresentadas pelo Governo Federal ou pelo Ministério Público, mas contribuir, usando a experiência da magistratura, com a apresentação de projeto que pode mudar significativamente, para melhor, a Justiça.

O Brasil vive momento peculiar. A crise decorrente do escândalo criminal assusta. Traz insegurança e ansiedade. Mas ela também oferece a oportunidade de mudança e de superação. Se a crise nos ensina algo, é que ou mudamos de verdade nosso sistema de Justiça Criminal, para romper com sua crônica ineficiência, ou afundaremos cada vez mais em esquemas criminosos que prejudicam a economia, corrompem a democracia e nos envergonham como País.

* Sergio Fernando Moro, juiz federal responsável pela Operação Lava Jato, e Antônio Cesar Bochenek, juiz federal, Presidente da Associação dos Juízes Federais (AJUFE).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Domingo, 29 de março de 2015 – Pg. A2 – Internet: clique aqui.

Inflação e corrupções

Roberto Romano*

Convenhamos, temos no Brasil a deflação da vergonha na cara
Roberto Romano - Filósofo e Professor da UNICAMP
"A corrupção é senhora idosa que age em toda parte." A frase é verdadeira, mas incompleta. A provecta [experiente] ladrona não age sozinha. Ela foi superada por trêfegas [astutas] meninas que renovam as técnicas de assalto. Se a avozinha subtraía milhões, as netas embolsam bilhões. Ocorre com a rapinagem algo análogo à inflação. Elias Canetti, em Massa e Poder (Inflação e massa), mostra a ruína ética trazida pela moeda apodrecida. As peças metálicas, nas mãos dos trabalhadores, davam um sentimento dignificador. Se o corpo é gratificado, a alma sente segurança. Na confiabilidade da moeda reside a sua marca principal.

Editora:
Companhia das Letras (2005)
As notas impressas diminuem o peso do dinheiro. A inflação humilha quem vive de salário. Com ela "nada mais é seguro, nada permanece no mesmo local durante uma hora; mas em virtude da inflação o homem diminui. Ele mesmo, ou o que ele foi, é nada; o milhão, que ele sempre desejou ter, também é nada. Todos o possuem. Mas cada um é nada". Milhões não compram pão, empregos somem, o ressentimento exaspera. Conclusão de Canetti: os nazistas agiram contra os judeus como num processo inflacionário. "Primeiro eles (os judeus) foram atacados como maus e perigosos, inimigos; depois foram cada vez mais desvalorizados; como já não se tinha judeus em número suficiente, eles foram coletados nos países vencidos; e, no final, eles eram vistos literalmente como insetos que podiam ser exterminados aos milhões." Os fanáticos de Goebbels "dificilmente poderiam ter chegado tão longe, se poucos anos antes não tivessem passado por uma inflação na qual o marco valia um bilionésimo do valor original. E foi esta inflação como fenômeno de massa que eles descarregaram sobre os judeus".

A nossa política está em via de unir dois sistemas inflacionários. O primeiro é a degradação da moeda. Quem tem mais de 30 anos recorda os anos Sarney e Collor. O Brasil namorou o fascismo, persistente em suas entranhas históricas. Recordo os "fiscais do Sarney" que invadiam supermercados com bandeiras do País, prendiam gerentes, ameaçavam funcionários. Tais linchamentos surgiram com o descontrole monetário. Agora vem a inflação do mercado corrupto. Muitos líderes políticos estão unidos aos assaltos, antes cifrados em milhões. Atingimos o patamar dos bilhões. Humilhação e desespero, trazidos pela crise da moeda, surgem em plano profundo. O ressentimento contra as instituições representativas e democráticas, a desvalorização experimentada pela cidadania ante os corruptos, conduz a massa aos primitivos desejos de um ditador que salve a Pátria, um benefactor.

Milhões de pessoas, no golpe de 1964, apoiaram o veto à subversão e à corrupção. Os pretensos subversivos foram torturados, mortos, exilados, cassados. Mas retornaram à sociedade. Os corruptos continuam nas instituições de Estado porque garantem o acesso dos governos às regiões dominadas. Oligarcas que garantiram os donos do poder continuam no regime civil. Eles dominam a Nova República com José Sarney, visto ao lado da presidente Rousseff quando ela recordava aos manifestantes do 15 de Março sua luta contra a ditadura. Só faltou à chefe de Estado dirigir o dedo indicador rumo ao fidalgo (Lula o considera um "homem incomum") que, na cadeira próxima, tudo ouvia sorrindo. Ele [Sarney] presidiu a Arena, "o maior partido do Ocidente", segundo Francelino Pereira.

Boitempo Editorial (2012)
Mas não somos campeões mundiais de corrupção. Já na França do século 19, diz um autor hoje pouco lido, a pilhagem do Estado se dava em grande e pequena escala. "As relações entre a Câmara dos Deputados e o governo eram multiplicadas sob os tratos entre diferentes administrações e diferentes empresários. (…) A Câmara coloca nas costas do Estado os gastos maiores e garante às aristocracias especuladoras e financeiras o maná de ouro. Todos recordam os escândalos na Câmara dos Deputados quando se descobriu, por acaso, que todos os membros da maioria, inclusive uma parte dos ministros, eram acionistas das empresas, a quem eles conferiam a seguir, como legisladores, a execução das estradas de ferro, tudo por conta do Estado". De te fabula narratur… Mas ainda não atingimos o ponto descrito por Marx em As Lutas de Classes na França.

A reforma política, uma quimera, tem como pressupostos a lei do lobby e a democratização dos partidos. Sem a primeira parlamentares encobrem, com a autoridade do cargo, atos em defesa de anônimos interesses econômicos, sociais, culturais, religiosos. E sem democracia interna nos partidos os corruptos continuam intocados. Na atual forma partidária, dirigentes ficam nos cargos por décadas. Dominam alianças, candidaturas e, last but not least, os cofres. Roberto Macedo escreveu neste espaço, e muito bem, sobre as emendas parlamentares que sugam os cofres públicos. S. Exas. aumentaram de modo pantagruélico o Fundo Partidário. Sem renovação dos dirigentes e controle dos partidos pelos afiliados, sem eleições primárias, a dinheirama oficial reforça a ditadura partidária dos oligarcas.

Ícone Editora (2011...)
Quais são as diferenças entre tiranos e bons governantes? A pergunta é de Jean Bodin em Os Seis Livros da República. "Um busca manter os governados em paz e união; outro os divide para os arruinar e engordar os confiscos. Um aprecia ser visto às vezes e ouvido pelos dirigidos; outro deles se esconde, como inimigos. Um prefere o amor dos governados; outro, o medo. Um só teme pelos liderados; outro tem medo deles. Um pede impostos na quantia mínima e para a necessidade pública; outro chupa o sangue, rói os ossos, suga o tutano dos governados para os enfraquecer. Um procura as melhores pessoas de bem para empregar nos cargos públicos; outro só emprega no governo os piores ladrões, para deles se servir como esponjas."

Pelos critérios clássicos da ética e do direito, não vivemos em democracia plena, mas no tirânico regime em que o poder é benéfico para os que legislam em causa própria. Falei das inflações monetárias e da corrupção. Convenhamos, temos no Brasil a deflação da vergonha na cara.

* Roberto Romano é professor da Unicamp e autor, entre outras obras, de Razão de Estado e outros estados da razão (Editora Perspectiva).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Domingo, 29 de março de 2015 – Pg. A2 – Internet: clique aqui.

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