OLHA AÍ OS NOSSOS CANDIDATOS ...
Novidade faisandée
ROBERTO ROMANO*
Renovação
do carcomido une tanto a “nova” candidatura oficial quanto os “novos”
oposicionistas
Candidatos à Presidência da República do Brasil em 2014 Eduardo Campos (PSB), Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) |
Em
sabatina realizada essa semana um candidato à Presidência da República, que se
apresenta como arauto do novo na política, justificou suas alianças com
políticos regionais retrógrados. Ele afirmou, sem titubear, ser preciso atingir
o domínio do poder central que alimenta os mesmos coronéis para… acabar com os
oligarcas! O enunciado doura a velha pílula distribuída a mancheias em eleições
majoritárias do Brasil. Nada foi dito pelo candidato sobre o preço a ser pago
aos velhos políticos pelo apoio recebido. A fuga, na campanha, de temas
polêmicos em termos éticos, como no caso do aborto, é um verdadeiro lip service [trad. livre: aprovação fingida] aos vetustos [velhos] donos de votos. Modo geral, todos os itens dos debates que exigem
firmeza e competência são afastados pelos candidatos, para não perder nas
urnas. Temos aí o nó górdio [problema insolúvel] do presidencialismo brasileiro. A vagueza dos
programas de governo, requentados e postos ao dispor da Justiça Eleitoral, vem
da ausência de ideologia, doutrina, política consistente, o que gera acertos
esdrúxulos como os defendidos pelo candidato sob a capa do “realismo”. O
exemplo torna evidente a crise de legitimidade que corrói o Estado brasileiro.
A hipertrofia do Executivo federal é paga com trocas de cargos, atraso,
controle dos eleitores, venalidade parlamentar, olhos cegos da Justiça.
Nossa desordem institucional segue a ampla crise do Estado no âmbito planetário. A máquina de governar, firmada nos séculos 16 e 17 na Europa, mostra claros sinais de exaustão. Tomemos os famosos monopólios do Estado expostos por Max Weber. Durante séculos os engenheiros do poder civil tentaram impor aqueles monopólios usando a mentira (a raison d’État) [1], a dissimulação, o segredo, a força desabrida contra os direitos da cidadania. Hoje, mesmo para Estados poderosos, é difícil a imposição legítima da força física (na polícia e na guerra). Finanças predatórias impedem arrecadar o suficiente para manter políticas públicas (saúde, educação, lazer, ciência e tecnologia). Quadrilhas ligadas ao comércio de drogas, tráfico de escravos, prostituição lavam dinheiro e desafiam sistemas penais. Até o Vaticano precisou suspender a nada santa lavanderia nele instalada, como muitos governos laicos [2]. Os monopólios da força física, da norma jurídica e da captação dos impostos são ineficientes para atender às necessidades de uma população planetária que migrou para as grandes cidades.
Nossa desordem institucional segue a ampla crise do Estado no âmbito planetário. A máquina de governar, firmada nos séculos 16 e 17 na Europa, mostra claros sinais de exaustão. Tomemos os famosos monopólios do Estado expostos por Max Weber. Durante séculos os engenheiros do poder civil tentaram impor aqueles monopólios usando a mentira (a raison d’État) [1], a dissimulação, o segredo, a força desabrida contra os direitos da cidadania. Hoje, mesmo para Estados poderosos, é difícil a imposição legítima da força física (na polícia e na guerra). Finanças predatórias impedem arrecadar o suficiente para manter políticas públicas (saúde, educação, lazer, ciência e tecnologia). Quadrilhas ligadas ao comércio de drogas, tráfico de escravos, prostituição lavam dinheiro e desafiam sistemas penais. Até o Vaticano precisou suspender a nada santa lavanderia nele instalada, como muitos governos laicos [2]. Os monopólios da força física, da norma jurídica e da captação dos impostos são ineficientes para atender às necessidades de uma população planetária que migrou para as grandes cidades.
Políticas
públicas exigem grandes recursos humanos e financeiros. Impossível garantir o
controle urbano e dos elementos (solo, água, ar, por exemplo) sem gastos
estratosféricos em formação de pessoas especializadas, laboratórios, máquinas.
A ciência e a técnica precisam mover recursos em escala macrológica para
atingir em parte os objetivos de fornecer água, energia elétrica, comunicação
social, saúde pública, esgotos, vias públicas, empregos. A previdência social
resume todos esses aspectos, pois deve garantir o futuro do idoso em ambiente
urbano, inseguro, ameaçado por epidemias.
Apenas
um exemplo: a Darpa (Defense Advanced Research Projects Agency)
dos EUA recebia há tempos cerca de US$ 3 bilhões para aplicar em pesquisa
universitária sobre pontos vitais, como serviços e investigações médicas. Hoje,
seu orçamento cresceu. Mas o incentivo monetário, naquele país, é bem maior no
campo da defesa: em 1990, apenas em fundos “secretos” (que garantem a
espionagem e outros itens da segurança nacional), o estimado pelos
especialistas era de US$ 30 bilhões. Para manter o caixa em situação precária,
naquele país ocorre uma guerra perene entre Executivo e Legislativo, guerra que
se amplia ao plano da saúde pública, educacional, etc. Mesmo com eficaz
política de taxação, a crise de 2008 abalou a economia e a ordem nacional. Municípios
antes prósperos, como Detroit, encontram-se à beira da falência. Algo similar
ocorre na Europa: a França, a Inglaterra e a Alemanha enfrentam de maneiras
diferentes os desafios de manter políticas públicas estáveis. Outras nações,
como a Espanha, a Itália e a Grécia, sofrem uma tempestade no plano fiscal e
cortam direitos sociais antes garantidos.
Se
voltarmos os olhos ao Brasil, percebemos a fenda aberta diante da sociedade e
dos poderes públicos. Quase atingindo a cifra de 200 milhões de habitantes, não
possuímos meios para lhes garantir as condições básicas de existência moderna.
O gasto nacional em ciência e tecnologia é de 1,74% do Produto Interno Bruto
(PIB), enquanto nos EUA, China e Japão é de 3% a 4%. O sr. Luiz Inácio da Silva
afirmou que, ao final do seu primeiro mandato, a aplicação em ciência e
tecnologia seria de 4% do PIB. A desmesura da promessa mostra que os problemas
mais prementes são tratados com superficialidade pelos partidos e líderes
políticos.
Sem
ciência e técnica proporcionais ao tamanho de nossa população urbana, impossível
propor ações que garantam direitos estáveis à cidadania. Num país em que cerca
de 60% das coletividades não têm água e esgoto dignos do nome, é clara a
camuflagem dos problemas operada pelos programas de governo, não só dos que
habitam hoje os palácios como das oposições.
Daí a
retórica oca que fala em “mais novidade” e do “novo na política” e silencia
sobre os meios e recursos a serem movidos para se estabelecer ou ampliar a
infraestrutura necessária à técnica, à mobilidade urbana, etc. O palavrório da
propaganda, em todos os partidos de grande porte, cala os projetos sérios nas
políticas públicas.
No que
diz respeito à garrulice [tagarelice] sobre o “novo”, Joe Klein, abalizado analista da
propaganda e dos fatos eleitorais nos EUA, mostra que o truque de alardear a
superioridade de uma candidatura surgiu com o gasto e conservador Richard Nixon
em 1968. Como fazer votar numa pessoa que, diziam seus adversários democratas,
não era fiável sequer para garantir a qualidade de um carro usado? Fácil: os
marqueteiros idealizaram um “new Nixon” ["novo Nixon"] ao gosto do mercado. O truque deu
certo, o que levou Daniel Boorstin a escrever (no livro The Image) que líderes
inventados pelo marketing são “uma nova categoria do vazio”. A mágica de
renovar o carcomido, no Brasil de hoje, é usada servilmente e causou a
coincidência entre a “nova” candidatura oficial e as “novas” candidaturas
oposicionistas, que se ocupam em preservar “o que está bom” sem ousar dizer o
quê. Outros exemplos de cópia
canhestra do marketing político norte-americano pela propaganda brasileira
podem ser rastreados no livro de Joe Klein Politics Lost - From RFK to W: How
Politicians Have Become Less Courageous and more Interested in Keeping Power
than in Doing what’s Right for America [3].
Nossa
história escancara o controle férreo das províncias, depois Estados, pelo poder
central. É como se as regiões, sobretudo as que se levantaram em armas (Rio
Grande do Sul, Pernambuco, Pará, Bahia, São Paulo, para recordar apenas
algumas), fossem submetidas ao butim permanente dos que dirigem o todo
nacional. Resulta que a nossa “federação” concede pouquíssima autonomia aos
Estados e municípios, em todas as políticas públicas. A partir de Brasília,
regras uniformes determinam até os detalhes da ordem nacional. Do Oiapoque ao
Chuí há uma uniformização gigantesca que obriga os poderes regionais a se
pautar pelo tempo longo da enorme burocracia federativa, perdendo tempo
precioso para o experimento e modificações das políticas públicas em plano
local.
Em
outras federações, como a norte-americana, vigoram leis diversas nos setores
penais, educacionais, tecnológicos. No Brasil, a mão de ferro da Presidência
controla, dirige, pune e premia os Estados, segundo sustentem os interesses dos
ocupantes temporários do Planalto. Nesse controle, os vetustos oligarcas
regionais surgem como operadores de face dupla: servem para trazer os planos do
poder central aos Estados e para levar ao mesmo poder as aspirações de Estados
e municípios. O lugar onde ocorrem as negociações entre os dois níveis (central
e estadual) normalmente é o Congresso. Ali, Presidência e ministérios buscam
apoio a seus alvos, inclusive e sobretudo na proposição de leis. É impossível
conseguir recursos orçamentários sem as “negociações”. Assim, os planos de
inclusão social e democratização societária patinam na enorme lama do “grande
Brasil”, enquanto as unidades federadas aguardam as “providências” de uma
burocracia lenta, incapaz de entender os vários ritmos e formas de vida e
pensamento regionais.
No
âmbito fiscal, a concentração de poderes deixa Estados e municípios à míngua.
Verbas provenientes de impostos ou a eles ligadas, como no caso das
exportações, não são repassadas às unidades menores ou não são repassadas em
tempo certo, permanecendo nos ministérios econômicos. Governadores e prefeitos
são reduzidos à mendicância junto ao poder central. É praticamente impossível
democratizar a sociedade sem a efetiva federalização do Brasil. Testemunhamos,
todos os anos, a caminhada de prefeitos do país inteiro rumo ao Congresso para reclamar
recursos, autonomia, modificações em leis eleitorais e de estruturas
burocráticas. Enquanto tal situação permanecer, a fábrica de manobras corruptas
(nas duas pontas, nos municípios e na capital da República) estará em pleno
funcionamento. Uma Presidência limitada no tempo tenta pressionar o Legislativo
para que ele emita leis favoráveis às pretensões do Executivo. De modo
idêntico, vêm as pressões sobre o Judiciário para que reconheça a legitimidade
das mesmas leis.
Os
compromissos com a república dos coronéis diminuem o ímpeto do planejamento
sóbrio, da chamada às competências técnicas, do diálogo efetivo com os
eleitores. As linhas frouxas dos programas partidários tocam superficialmente
nas reformas (outro mantra que se repete há pelo menos 50 anos) necessárias.
Fala-se em reforma política sem tocar na atual estrutura dos partidos:
oligarquizada, nada receptiva para com os eleitores da base, pois consultas aos
votantes do partidos deixaram de existir e jamais tivemos eleições primárias
entre nós. O caixa do fundo partidário e os programas televisivos são
propriedade dos dirigentes, ninguém é candidato sem o baciamano [trad.: o beija-mão, ato de pedir favor] e a bênção dos
donos de partido, que permanecem nas direções ad eternum [trad.: para sempre]. Tais posseiros da
política mandam nos partidos, mesmo quando presos por sentença do STF. Falar em
reforma sem democratizar as agremiações é puro escárnio. Para atender os
financiadores de campanha, nenhum problema grave da economia, do urbanismo, dos
transportes é tratado nos programas com rigor e profundidade. Para agradar à
massa, nenhum tema controverso é discutido. A ladainha entoada por todas as
candidaturas importantes vem de Poliana: tudo será róseo, se formos eleitos.
Lembram o Fura-Fila, que ajudou um prefeito complicado a vencer eleições para a
Prefeitura de São Paulo? Agora, o canto das sereias é ainda mais onírico, mais
mentiroso, mais lesivo aos interesses do País.
É
preciso apurar as noções de democracia, de união federal, sociedade livre,
etc., se quisermos pensar o Brasil. Aqui, o modo de unir os Estados tem pouco
de “federalismo”. Segundo a jurista Anna Gamper, “o federalismo combina o
princípio da unidade e da diversidade. As partes constituintes devem ter
poderes próprios e devem ser admitidas a participar do nível federal”. Mas
Brasília controla os Estados, para que sustentem os interesses de quem ocupa a
Presidência. As oligarquias regionais trazem os planos do Executivo nacional
aos Estados e levam ao mesmo poder as pautas das regiões.
Voltemos
às alianças defendidas pelo “novo”candidato à Presidência (ele não é único a
advogar tais acertos com velhos oligarcas): é no mercado entre candidaturas e
coronéis que se evidencia o atraso do Estado brasileiro. Defender estratégias
fundamentadas em acordos com políticos ultrapassados é propor ao eleitor um
oxímoro conhecido, o de uma “novidade faisandée”, que cheira mal. Assim, os
“programas de governo” exalam populismo sem descer aos problemas concretos do
mundo e da nossa terra. Os candidatos e partidos sabem que a urna, por
enquanto, é apenas a licença concedida para o arbítrio. Os príncipes
absolutistas não precisam prestar contas a ninguém. Pior para a saúde, a
educação, a segurança, os bolsos da cidadania.
* Roberto Romando é
filósofo e professor de Ética na Unicamp.
N O T A S :
[1] Raison d’état (razão de estado). O bem-estar do Estado justifica uso de quaisquer meios, o seu interesse está acima de ideologias, religião ou qualquer outra linha de pensamento, ou seja, o Estado está acima de qualquer coisa.
[2] O Vaticano está redimensionando e reorganizando o seu "banco", chamado de IOR (Instituto para Obras de Religião), o qual enfrentou, em tempos recentes, muitas acusações de ter lavado dinheiro sujo, criminoso, inclusive, da máfia.
[3] Tradução livre: Políticas perdidas - De RFK a W: Como os políticos se tornaram menos corajosos e mais interessados em manter o poder do que em fazer o que é certo para a América.
N O T A S :
[1] Raison d’état (razão de estado). O bem-estar do Estado justifica uso de quaisquer meios, o seu interesse está acima de ideologias, religião ou qualquer outra linha de pensamento, ou seja, o Estado está acima de qualquer coisa.
[2] O Vaticano está redimensionando e reorganizando o seu "banco", chamado de IOR (Instituto para Obras de Religião), o qual enfrentou, em tempos recentes, muitas acusações de ter lavado dinheiro sujo, criminoso, inclusive, da máfia.
[3] Tradução livre: Políticas perdidas - De RFK a W: Como os políticos se tornaram menos corajosos e mais interessados em manter o poder do que em fazer o que é certo para a América.
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