Transmitir a fé na era do efêmero
Cardeal Walter Kasper
L’Osservatore Romano (Vaticano)
30-06-2014
Bruno Forte - Arcebispo de Chieti-Vasto na Itália e Teólogo |
A
transmissão da fé, especialmente às novas gerações, aparece hoje como um
desafio nada fácil: assim começa o novo livro de Bruno Forte, La
trasmissione della fede [A transmissão da fé] (Ed. Queriniana, 2014,
256 páginas). Já existem muitíssimas publicações sobre esse tema, fundamental
para a Igreja e que se tornou particularmente urgente no contexto da nova
evangelização, à qual o próximo Sínodo sobre a família também está dedicado.
Mas o
livro de Bruno Forte oferece uma
contribuição particular. Como teólogo, ele
vai às raízes do problema e apresenta um aprofundamento teológico e
filosófico enriquecido por belíssimos textos literários muito estimulantes.
Porque, para ele, há também o caminho da beleza para a transmissão da fé.
Já na
introdução, o arcebispo explica a situação atual, onde, no contexto cultural, o
fruível e o imediato parecem ser importantes, e a indiferença às grandes
questões é difusa. O efêmero [1] parece
prevalecer sobre o horizonte inteiro, e o eterno, empalidecer diante do
instante que escapa. Como nos tempos do profeta Elias, a verdadeira tentação do homem não é o ateísmo, mas a idolatria.
Assim, a experiência desse profeta de marca arcaica e o seu caminho de fé
tornam-se, por assim dizer, o fio condutor de todo o livro.
No
início, Forte explica a fé como:
- a experiência de um encontro, cuja transmissão é inseparável da kénosis [2] e do esplendor do Espírito.
- Depois, o livro fala da educação à fé,
- a profissão [de fé],
- a celebração [da fé] e
- a vida da fé, em que também fala das mulheres como protagonistas da fé e dos jovens como testemunhas da esperança, da família como âmbito vital da transmissão da fé.
A
riqueza desses capítulos é difícil de resumir. Portanto, referimos apenas
alguns aspectos particularmente interessantes do capítulo dedicado ao diálogo
com quem não crê, um título que lembra imediatamente o famoso título de um
livro do falecido cardeal Carlo Maria
Martini, a quem Bruno Forte sempre se sentiu muito próximo.
Segundo
Forte, a fé nunca é óbvia; o crente
não tem uma compreensão totalizante, luminosa sobre tudo, mas vive em uma espécie de pensamento auroral,
repleto de expectativa. Mas Deus vem ao encontro da criatura, que no mais
profundo do seu ser é desejo de infinito, como Deus que tem tempo para o homem.
O
encontro do andar humano e do vir divino, a aliança do êxodo e do advento, é a
fé. E a fé é luta, agonia, não o repouso
tranquilo de uma certeza possuída. Quem pensa ter fé sem lutar não acredita
mais em nada.
Ao
contrário de qualquer posição ideológica, a
fé é um contínuo converter-se a Deus, um contínuo entregar-lhe o coração,
começando cada dia, de modo novo, a luta por crer, esperar e amar. No
entanto, se o crente é um ateu que, a cada dia, se esforça para começar a
acreditar, não seria talvez o ateu – certamente não o ateu vulgar tolo ou
indiferente – o não crente pensativo, um crente que a cada dia vive a luta
inversa, a luta de começar a não crer?
O
crente responsável vai se sentir estimulado pelo não crente, contanto que não
seja quem, de forma barata, queira viver etsi
Deus non daretur [5], mas quem esteja pronto a arriscar veluti si Deus daretur [6].
"Com
base nesses pressupostos – assim termina o capítulo – o diálogo entre os dois
será um comum serviço à Verdade, que chama a ambos, e, justamente por isso um
testemunho compartilhado da salutar Transcendência pela qual tudo é iluminado,
aos olhos de quem quer buscar com humilde amor, mesmo na noite do mundo."
Neste
contexto, Forte cita São Bernardo de Claraval: "A amargura da Igreja é
amarga quando a Igreja é perseguida, é mais amarga quando a Igreja está
dividida, mas é amarguíssima quando a Igreja está tranquila e em paz com isso".
Talvez essa afirmação seja um conforto para aqueles que caminham atribulados e contaminados
por uma situação pouco pacífica, em que a transmissão da fé especialmente às
novas gerações passa por dificuldades.
Talvez
justamente essa situação seja um kairós,
isto é, uma hora de graça em que
Deus vem ao nosso encontro para purificar e aprofundar a nossa fé muitas vezes
temerosa demais, por ser, paradoxalmente, muitas vezes, segura demais de si
mesma.
Traduzido
do italiano por Moisés Sbardelotto.
NOTAS:
[1] Efêmero:
aquilo que é passageiro, temporário, transitório.
[2] Kénosis: é
um conceito grego na teologia cristã que trata do esvaziamento da vontade
própria de uma pessoa e a aceitação do desejo de Deus. É
encontrado no Novo Testamento como o esvaziamento de Jesus de sua condição
divina para ser um de nós (cf. Flp 2,7).
[3] Lumen
fidei: é uma encíclica de Papa Francisco publicada aos 29 de
junho de 2013. Para lê-la ou baixa-la gratuitamente, clique aqui.
[4] Evangelii
gaudium: é uma exortação apostólica publicada pelo
Papa Francisco aos 24 de novembro de 2013. Para lê-la na íntegra e baixa-la
gratuitamente, clique aqui.
[5] etsi
Deus non daretur: expressão latina que, traduzida livremente,
pode ser entendida como: (viver) como se
Deus não existisse ou mesmo se Deus
não existisse.
[6] veluti
si Deus daretur: expressão latina que, traduzida livremente,
pode significar: (viver) como se Deus
existisse.
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