A IGREJA CATÓLICA QUER VIRAR PÁGINA
''Como
Jesus, vou usar o bastão contra os padres pedófilos.''
Entrevista com Papa Francisco
Eugenio
Scalfari
La Repubblica (Roma – Itália)
13-07-2014
"A pedofilia é
uma lepra que há na Igreja e também afeta os bispos e os cardeais. Alguns
sacerdotes passam por cima do fenômeno mafioso: a denúncia pública é
rara".
Papa Francisco |
São
as 17 horas da quinta-feira, 10 de julho, e é a terceira vez que eu encontro o Papa
Francisco para conversar com ele. Sobre o quê? Sobre o seu
pontificado, que começou há pouco mais de um ano e que, em tão pouco tempo, já
começou a revolucionar a Igreja; sobre as relações entre os fiéis e o papa que
vem do outro lado do mundo; sobre o Concílio Vaticano II concluído
há 50 anos e apenas parcialmente implementado nas suas conclusões; sobre o
mundo moderno e a tradição cristã e, sobretudo, sobre a figura de Jesus
de Nazaré.
Finalmente, sobre a nossa vida, sobre os seus afãs e as suas
alegrias, sobre os seus desafios e o seu destino, sobre o que nos espera em um
esperado além ou sobre o nada que a morte traz consigo.
Esses nossos encontros foram desejados pelo Papa
Francisco, porque, entre as tantas pessoas de todas as condições sociais,
de todas as fés, de todas as idades que ele encontra no seu apostolado
cotidiano, ele também desejava trocar
ideias e sentimentos com um não crente.
E eu o sou; um não crente que ama a figura humana de Jesus,
a sua pregação, a sua lenda, o mito que ele representa aos olhos de quem
reconhece uma humanidade de excepcional densidade, mas nenhuma divindade.
O papa considera que
uma conversa com um não crente do gênero é reciprocamente estimulante e, por isso, quer continuá-la; digo isso porque foi ele quem
me disse. O fato de eu também ser jornalista não o interessa especificamente;
eu poderia ser engenheiro, professor escolar, operário.
Interessa-lhe falar com quem não acredita, mas gostaria que
o amor ao próximo professado há 2.000 anos pelo filho de Maria e
de José fosse o principal conteúdo da nossa espécie, enquanto,
infelizmente, isso acontece muito raramente, dominado pelos egoísmos, por
aquilo que Francisco chama de "cobiça de poder e desejo de posse".
Ele definiu isso em uma nossa conversa anterior como "o
verdadeiro pecado do mundo, do qual todos somos afetados", e representa a
outra forma da nossa humanidade, e é a dinâmica entre esses dois sentimentos
que constrói, para o bem ou para o mal, a história do mundo.
Ela está presente em todos, e, além disso, na tradição cristã, Lúcifer era
o anjo predileto de Deus, portador de luz até que se rebelou contra o seu
Senhor, tentado a tomar o seu lugar, e o seu Deus o precipitou nas trevas e no
fogo dos condenados.
Falamos dessas coisas, mas também das intervenções do papa
nas estruturas da Igreja, das adversidades que ele encontra. Devo dizer que,
para além do extremo interesse dessas conversas, nasceu em mim um sentimento de
afetuosa amizade que não modifica em nada o meu modo de pensar, mas de sentir,
isso sim. Não sei se é correspondido, mas a espontaneidade desse muito estranho
sucessor de Pedro me faz pensar que sim.
Agora, estou esperando-o há alguns minutos na pequena sala
no piso térreo de Santa Marta, onde o papa recebe os amigos e os
colaboradores. Ele chega pontualíssimo, sem ninguém que o acompanhe. Ele sabe
que eu tive nos últimos dias alguns problemas de saúde e, de fato, logo me pede
notícias a respeito. Coloca a sua mão sobre a cabeça, uma espécie de bênção, e
depois me abraça. Fecha a porta, ajeita a sua cadeira na frente da minha e
começamos.
* * *
* * * * * *
Pedofilia e máfia são os
dois temas sobre os quais Francisco falou nos últimos dias e
que levantaram uma onda de sentimentos e também de polêmicas dentro e fora da
Igreja. O papa é muito sensível tanto em relação a um quanto ao outro assunto e
já tinha falado, em várias ocasiões, mas ainda não os tinha tomado tão a peito,
sobretudo sobre os pontos referentes ao comportamento de uma parte do clero.
"A corrupção de
uma criança", diz, "é o que de mais terrível e imundo se possa imaginar,
especialmente quando, como indicam os dados que eu pude examinar diretamente,
grande parte desses fatos abomináveis ocorrem dentro das famílias ou mesmo de
uma comunidade de velhas amizades. A família deveria ser o sacrário onde a
criança e depois o menino e o adolescente são amorosamente educados ao bem,
encorajados no crescimento estimulado a construir a própria personalidade e a
se encontrar com a dos seus coetâneos. Brincar juntos, estudar juntos, conhecer
o mundo e a vida juntos. Isso com os coetâneos, mas, com os parentes que os
colocaram no mundo ou que os viram entrar no mundo, a relação é como o de
cultivar uma flor, um canteiro de flores, cuidando-o do mau tempo,
desinfetando-a dos parasitas, contando-lhes as fábulas de vida e, enquanto o
tempo passa, a sua realidade. Essa é ou deveria ser a educação que a escola
completa e a religião coloca no plano mais alto do pensar e do crer no
sentimento divino que se assoma às nossas almas. Muitas vezes, transforma-se em
fé, mas, mesmo assim, deixa uma semente que, de algum modo, fecunda aquela alma
e a volta para o bem."
Enquanto fala e diz essas verdades, o papa se aproxima de
mim ainda mais. Fala comigo, mas é como se refletisse consigo mesmo, desenhando
o quadro da sua esperança que coincide com a de todas as pessoas de boa
vontade.
Provavelmente – digo eu – isso é uma grande parte do que
acontece. Ele me olha com olhos diferentes, que de repente se tornaram duros e
tristes. "Não, infelizmente não é
assim. A educação como nós a entendemos parece quase ter desertado as famílias.
Cada um é tomado pelas próprias incumbências pessoais, muitas vezes para
assegurar à família um padrão de vida suportável, às vezes para buscar o seu
próprio sucesso pessoal, outras vezes por amizades e amores alternativos. A educação como tarefa principal em relação
aos filhos parece ter fugido das casas. Esse fenômeno é uma gravíssima
omissão, mas ainda não estamos no mal absoluto. Não apenas a educação
inexistente, mas também a corrupção, o
vício, as práticas torpes impostas à criança e, depois, praticadas e
atualizadas cada vez mais gravemente, assim que ela cresce e se torna moço e,
depois, adolescente. Essa situação é frequente nas famílias, praticada por
parentes, avós, tios, amigos da família. Muitas vezes, os outros membros da
família estão conscientes disso, mas não intervêm, enredados por interesse ou
por outras formas de corrupção".
Eugenio Scalfari - jornalista italiano - diretor do "La Repubblica" |
Eis a entrevista.
Para o senhor, Santidade, o fenômeno é frequente e
generalizado?
Papa Francisco: "Infelizmente, é e é acompanhado por outros vícios,
como a disseminação das drogas."
E a Igreja? O que a Igreja faz em tudo isso?
Papa Francisco: "A Igreja luta para que o vício seja debelado e a
educação, recuperada. Mas nós também temos essa lepra em casa."
Um fenômeno muito generalizado?
Papa Francisco: “Muitos dos meus colaboradores que lutam comigo me
tranquilizam com dados confiáveis que avaliam a pedofilia dentro da Igreja em
nível de 2%. Esse dado deveria me tranquilizar, mas devo lhe dizer que
realmente não me tranquiliza. Ao contrário, eu o considero gravíssimo. Os 2% de pedófilos são sacerdotes e até
bispos e cardeais. E outros, ainda mais numerosos, sabem, mas se calam,
punem, mas sem dizer o motivo. Eu acho insustentável esse estado de coisas, e a
minha intenção é enfrentá-lo com a severidade que exige.”
* * *
* * * * * *
Lembro ao papa que, na nossa conversa anterior, ele me disse
que Jesus era o exemplo da doçura e da mansidão, mas, às vezes, pegava o bastão
para derrubá-lo nas costas dos velhacos que sujavam o Templo moralmente.
"Eu vejo você se lembra muito bem das minhas palavras.
Eu citava as passagens dos Evangelhos de Marcos e de Mateus. Jesus amava
a todos, até mesmo os pecadores que ele queria redimir, dispensando o perdão e
a misericórdia, mas, quando usava o bastão, empunhava-o para expulsar o demônio
que tinha se apossado daquela alma."
As almas – isso também o senhor me disse no nosso encontro
anterior – podem se arrepender depois de uma vida de pecados, mesmo no último
momento da sua existência, e a misericórdia estará com elas.
Papa Francisco: "É verdade, essa é a nossa doutrina, e esse é o
caminho que Cristo nos indicou."
Mas pode ocorrer que alguns arrependimentos no último minuto
de vida sejam interessados. Talvez inconscientemente, mas interessados em se
garantir um possível além. Nesse caso, a misericórdia corre o risco de acabar
em uma armadilha.
Papa Francisco: "Nós não julgamos, mas o Senhor sabe e julga. A sua
misericórdia é infinita, mas nunca cairá em uma armadilha. Se o arrependimento
não é autêntico, a misericórdia não pode exercer o seu papel de redenção."
O senhor, Santo Padre, no entanto, lembrou várias vezes que
Deus nos dotou com o livre arbítrio. O senhor sabe bem que, se escolhermos o
mal, a nossa religião não exerce misericórdia para conosco. Mas há um ponto que
eu gostaria de destacar: a nossa consciência é livre e autônoma. Pode, em
perfeita boa fé, fazer o mal convencida, porém, de que, a partir desse mal,
nascerá um bem. Qual é, diante de casos desse tipo, que são muito frequentes, a
atitude dos cristãos?
Papa Francisco: "A consciência é livre. Se escolher o mal, porque está
segura de que dele derivará um bem do alto dos céus, essas intenções e as suas
consequências serão avaliadas. Nós não podemos dizer mais, porque não sabemos
mais. A lei do Senhor é o Senhor que estabelece, e não as criaturas. Nós
sabemos somente porque foi Cristo que nos disse que o Pai conhece as criaturas
que criou, e nada para ele é misterioso. Além disso, o livro de Jó examina
a fundo esse tema. Recorda-se que falamos disso? Seria preciso examinar a fundo
os livros sapienciais da Bíblia e o Evangelho quando
fala de Judas Iscariotes. São temas de fundo da nossa teologia
subjacente."
E também da cultura moderna que vocês querem compreender a
fundo e com a qual querem debater.
Papa Francisco: "É verdade, é um ponto capital do Vaticano II, e
devemos enfrentá-lo o mais rápido possível."
Santidade, ainda é preciso falar sobre o tema da máfia. O
senhor tem tempo?
Papa Francisco: "Estamos aqui para isso."
* * *
* * * * * *
Papa Francisco: "Não conheço a fundo o problema das máfias. Sei,
infelizmente, o que elas fazem, os crimes que são cometidos, os enormes lucros
que as máfias administram. Mas me escapa o modo de pensar dos mafiosos, os
chefes, os gregários. Na Argentina, como em todos os lugares, há os
delinquentes, os ladrões, os assassinos, mas não as máfias. É esse aspecto que
eu gostaria de examinar, e vou fazer isso lendo os tantos livros que foram
escritos a respeito e os muitos testemunhos. Você é de origem calabresa, talvez
possa me ajudar a entender."
O pouco que posso dizer é isto: a máfia – seja calabresa,
seja siciliana, seja a camorra napolitana – não são acólitos desviados de
delinquentes, mas são organizações que têm leis próprias, códigos de
comportamento próprios, cânones próprios. Estados no Estado. Que não lhe pareça
paradoxal se eu lhe disser que elas têm uma ética própria. E que não lhe pareça
anormal se eu acrescentar que elas têm um Deus próprio. Existe um Deus mafioso.
Papa Francisco: "Entendo o que você está dizendo: é um fato que a
maior parte das mulheres ligadas à máfia por vínculos de parentesco, as
esposas, as filhas, as irmãs, frequentam assiduamente as igrejas das suas
cidades, onde o prefeito e outras autoridades locais muitas vezes são mafiosos.
Essas mulheres pensam que Deus perdoa os horríveis crimes dos seus
parentes?"
Santidade, os mesmos parentes muitas vezes frequentam as
igrejas, as missas, os casamentos, os funerais. Não acredito que se confessem,
mas muitas vezes comungam e batizam os recém-nascidos. Esse é o fenômeno.
Papa Francisco: "O que você diz é claro, e, além disso, não faltam
livros, pesquisas, documentações. Devo acrescentar que alguns sacerdotes tendem
a passar por cima do fenômeno mafioso. Naturalmente, condenam os crimes
individuais, honram as vítimas, ajudam como podem as suas famílias, mas a
denúncia pública e constante das máfias é rara. O primeiro grande papa que a
fez, justamente falando nestas terras, foi Wojtyla. Devo dizer que o seu
discurso foi aplaudido por uma multidão imensa."
O senhor pensa que nessa multidão que aplaudia não havia
mafiosos? Pelo que eu saiba, havia muitos. O mafioso, repito, aplica um código
próprio e uma ética própria: os traidores devem ser mortos, os desobedientes
devem ser punidos, às vezes o exemplo é dado com o homicídio de crianças ou de
mulheres. Mas esses, para o mafioso, não são pecados, são as suas leis. Deus
não tem nada a ver, muito menos os santos padroeiros. O senhor viu a procissão
de Oppido Mamertina?
Papa Francisco: "Eram milhares os participantes. Depois, a estátua de Nossa
Senhora das Graças parou na frente da janela do boss que
está sob custódia em prisão perpétua. Justamente, tudo isso está mudando e vai
mudar. A nossa denúncia das máfias não será feita de vez em quando, mas será
constante. Pedofilia, máfia: a Igreja, o povo de Deus, os sacerdotes, as
comunidades, dentre outras tarefas, terão essas duas questões muito
principais."
* * *
* * * * * *
Passou uma hora, e eu me levanto. O papa me abraça e me
deseja que eu melhore o mais rápido possível. Mas eu lhe faço ainda mais uma
pergunta:
O senhor, Santidade, está trabalhando assiduamente para
integrar a catolicidade com os ortodoxos, com os anglicanos...
Ele me interrompe continuando:
Papa Francisco: "Com os valdenses, que eu considero como religiosos de
primeira ordem, com os pentecostais e, naturalmente, com os nossos irmãos
judeus".
Pois bem, muitos desses sacerdotes ou pastores são
regularmente casados. Quanto esse problema vai crescer com o tempo na Igreja de
Roma?
Papa Francisco: "Talvez você não saiba que o celibato foi
estabelecido no século X, isto é, 900 anos depois da morte de nosso Senhor. A
Igreja católica oriental tem a faculdade, desde já, de que os seus presbíteros
se casem. O problema certamente existe, mas não é de grande entidade. É preciso
tempo, mas as soluções existem, e eu as encontrarei.
* * *
* * * * * *
Já estamos fora do portão de Santa Marta.
Abraçamo-nos de novo. Confesso que me comovi. Francisco acariciou
minha bochecha, e o carro partiu.
Traduzido do italiano
por Moisés Sbardelotto.
Reforma
financeira no Vaticano:
seriedade
no trato do dinheiro
Entrevista com o Cardeal George Pell
Gerard
O'Connell
revista America
11-07-2014
Cardeal George Pell Prefeito da Secretaria da Economia - Vaticano |
O Papa Francisco está
no bom caminho para conseguir uma reforma total e radical das finanças do Vaticano.
Isso ficou abundantemente claro no dia 9 de julho, quando o cardeal australiano George
Pell, o homem que ele nomeou para liderar essa reforma, apresentou o novo
quadro econômico da Santa Sé, em uma lotada coletiva de
imprensa no Vaticano.
Falando
em inglês, ele anunciou uma reestruturação e um downsizing [enxugamento] do escandaloso banco vaticano,
cujo nome próprio é Instituto para as Obras de Religião (IOR),
a substituição de todo o seu conselho de administração e a nomeação de um
executivo francês, Jean-Baptiste de Franssu, como novo presidente
do banco. Uma unidade de gestão de ativos do Vaticano será
estabelecida, disse ele, e o Fundo de Pensões será revisto para garantir um
futuro seguro para os cerca de 5.000 empregados do Vaticano.
O
cardeal Pell, a quem o papa nomeou como prefeito da recém-criada Secretaria
da Economia no início deste ano, também anunciou uma reestruturação da Administração
do Patrimônio da Sé Apostólica, que coloca toda essa operação sob o
controle de sua Secretaria.
Embora
progressos significativos já tenham sido feitos nas finanças do Vaticano,
eles ainda são um trabalho em andamento. Dessa forma, por exemplo, as contas da Santa
Sé de 2014, como as de 2013, estão sendo preparadas de acordo com as velhas
normas ainda pela Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé, um organismo
que está destinado a desaparecer, enquanto as de 2015 serão feitas pela nova
Secretaria.
Na
coletiva de imprensa, o cardeal também anunciou a criação de um comitê que
estará sob a liderança do lorde britânico Christopher Patten,
ex-presidente do BBC Trust, para propor estratégias para a Comunicação
Social do Vaticano.
Um
dia depois, em 10 de julho, o cardeal Pell concedeu a seguinte
entrevista exclusiva para a revista America, em seu escritório na Torre
de São João na colina do Vaticano. Ele falou livremente
sobre o que já foi alcançado e o que ainda precisa ser feito antes que ele
possa afirmar que a reforma esteja concluída.
Eis
a entrevista.
Ontem o
senhor apresentou o novo quadro econômico para a Santa Sé e falou sobre essas
mudanças de longo prazo como um divisor de águas na história das finanças do
Vaticano. O senhor disse: "A nossa ambição é a de que nos tornemos uma
espécie de modelo de gestão financeira, em vez de ser ocasião de escândalo".
O senhor poderia identificar qual é a verdadeira novidade aqui, onde é a
ruptura com o passado?
George
Pell: Em
primeiro lugar, há um significativo envolvimento leigo, de pessoas de
diferentes países, com alto nível de conhecimento e com direito a voto. Isso é
um novo desenvolvimento muito significativo. Outro objetivo bastante explícito
é ter não apenas pesos e contrapesos, mas vários focos de autoridade. Assim, a Secretaria
da Economia não está mais sob a Secretaria de Estado. Essa é a primeira grande
mudança. O Conselho da Economia está a cargo da Secretaria da Economia, não é
um órgão consultivo. Isso representa uma mudança também. E haverá grupos mistos
significativos de cardeais e leigos responsáveis pelas
diferentes entidades do Vaticano,
e substancialmente não haverá a mesma sobreposição - embora possa haver alguma
sobreposição de pertença -, mas não vão ser as mesmas três ou quatro pessoas
administrando cada instituição diferente. Nem qualquer pessoa em particular!
A criação
da Secretaria da Economia é efetivamente uma mudança estrutural na Cúria
Romana, porque até agora existiam o banco vaticano (IOR), a Administração do
Patrimônio da Sé Apostólica (APSA) e a Prefeitura para Assuntos Econômicos da
Santa Sé.
George
Pell: Sim,
e muito importante também, agora existe o Conselho de Economia, que
tem a supervisão e poderes significativos para agir e dirigir, bem como para
supervisionar por meio da Secretaria da Economia. Isso também faz parte da
mudança estrutural.
O senhor
responde diretamente ao Conselho ou ao papa?
George
Pell: Não,
eu respondo ao Conselho. Eles fazem as recomendações políticas.
É o senhor
quem escolhe as pessoas que são nomeadas para as diferentes comissões?
George
Pell: Eu
dou a minha opinião, mas outras entidades também. A Comissão Pontifícia
para a Organização da Estrutura Econômica-Administrativa da Santa Sé (COSEA,
recentemente dissolvida) deu uma contribuição significativa, a Secretaria de
Estado tem participação significativa, e nas diferentes áreas nós temos
opiniões de especialistas. Assim, por exemplo, na área da previdência, ouvimos
alguns especialistas. Quanto à mídia, nós trabalhamos em estreita colaboração
com o Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais para
organizar o comitê. Então, muitas dessas pessoas eu não conheço pessoalmente.
Jean-Baptiste de Franssu - novo presidente do IOR (Banco do Vaticano) |
Quem dá as
cartas no fim das contas?
George
Pell: Nós
fazemos recomendações ao Santo Padre e, em alguns casos, podemos colocar dois
ou três candidatos alternativos em uma determinada categoria. O Santo Padre
aprova todos eles. Às vezes, ele escolhe um entre as alternativas e, às vezes,
sugere um novo.
É o senhor
quem controla, agora, o orçamento da Secretaria de Estado?
George
Pell: No
fim, seremos nós. A forma como vamos fazer isso é trabalhando com a Secretaria
de Estado e com todos os outros dicastérios (escritórios) no Vaticano.
Eles vão fazer o trabalho básico preliminar, organizando seus orçamentos. Será
um pouco como em um governo, alguém tem que dizer no fim quanto dinheiro
podemos gastar e então vamos distribuir o dinheiro disponível com os diferentes
departamentos. Vamos controlar os gastos dentro do orçamento de cada dicastério
durante o ano, e eles deverão permanecer dentro de seu orçamento.
No passado
- e isso tem sido um ponto de discórdia - nos diversos dicastérios do Vaticano,
havia um prefeito ou um presidente que tinha alguns projetos favoritos e que
podia encontrar alguns bons patrocinadores, fossem eles ligados à Igreja
Católica ou não, e que deram a esses organismos uma certa influência no
Vaticano. Esse tipo de coisa vai continuar?
George
Pell: Vamos
ter que ver isso com muito cuidado. Nós não tomamos nenhuma posição oficial
sobre isso ainda. Estou aberto a que os dicastérios recebam doações, mas
teremos que ter regras para isso e teremos que ter claro que tais doações não
vêm de partes interessadas e não podem ser usadas como um instrumento de influência para projetos ou para quaisquer
outros fins.
Então, as
doações não podem ser usadas para influenciar os projetos, as nomeações ou coisas semelhantes?
George
Pell: Sim,
é isso mesmo.
A seção
ordinária da APSA está agora sob o controle da Secretaria da Economia. O que
exatamente está envolvido aqui?
George
Pell: A
administração do dia a dia da Santa Sé, e não do Governatorato do
Estado da Cidade do Vaticano e das propriedades da Santa
Sé.
Isso
inclui as propriedades da Propaganda Fide (Congregação para a
Evangelização dos Povos)?
George
Pell: Não,
eles agora vão fazer a sua própria administração. Prevejo que vai continuar,
mas eu também antecipo que, assim como com todos os nossos dicastérios, se eles
tiverem investimentos, eles terão que cumprir determinados critérios. E se eles
têm portfólios de propriedades eles deverão trabalhar dentro de certos
parâmetros, e se eles não estão recebendo os aluguéis comerciais reconhecidos
para as propriedades, vamos querer saber o porquê.
A seção
extraordinária da APSA se tornará como um Tesouro. O que isso significa?
George
Pell: Ela
terá algumas das funções de um banco central. Os institutos do Vaticano terão
a sua riqueza com a APSA. Mesmo agora muitas das propriedades dos
institutos já estão com a APSA e não com o IOR.
No que diz
respeito à política de emprego no Vaticano, o senhor estará envolvido no
recrutamento de pessoal?
George
Pell: Não
muito no recrutamento, e em algumas áreas, certamente não. O que quero dizer é
que a Secretaria da Economia não tem competência ou capacidade de dizer quais
os especialistas teológicos ou peritos litúrgicos que deveriam trabalhar nas
diferentes congregações. Mas eu acho que é altamente provável que vamos sugerir
o que seria um número adequado de trabalhadores em uma determinada área, e
também é possível que venhamos a dizer: "Vocês tem um orçamento,
recomendamos este número de trabalhadores, mas se vocês desejam reorganizar os
projetos e dizer, por exemplo, que querem ter um membro a menos na equipe e
liberar os fundos, então, vamos olhar para isso". Dessa forma, tentaremos
através da colaboração e discussão mútua chegar a um acordo sobre o valor adequado
para o ano, e, em seguida, esse dicastério em particular terá de gerir o seu
programa dentro desse montante específico. Então, valha-me Deus, eles não vão
ter que esperar três semanas para comprar uma dúzia de canetas!
O senhor
está introduzindo o que no mundo anglo-saxão seria considerado normal em uma
contabilidade e procedimentos administrativos em todos os escritórios do
Vaticano.
George
Pell: Eu
não gostaria de dizer que são padrões anglo-saxões, prefiro chamá-los de
práticas internacionais de negócios.
O senhor terá
um escritório de Recursos Humanos?
George
Pell: Haverá
um escritório de Recursos Humanos mais adiante. Obviamente, parte de seu
trabalho estará muito relacionado com as finanças.
Vamos
falar sobre o banco vaticano, o IOR. O senhor disse que a fase 1 da reforma foi
alcançada com sucesso.
George
Pell: De
um modo geral, sim.
Por que
foi necessário, então, mudar a cabeça do IOR após apenas 17 meses e trazer um
novo chefe?
George
Pell: Eu
não sabia que era necessário, mas considerou-se adequado, e Ernst Von
Freyberg (o chefe desde fevereiro de 2013) estava totalmente de acordo
com isso. Ele deu dois motivos: um, ele não poderia dedicar-se em tempo
integral ao trabalho e, outro, parte do futuro (do IOR) será tratar da gestão
de ativos, e ele não é um especialista nessa área.
O senhor
quis propor o novo chefe da IOR?
George
Pell: Eu
não sei se eu o havia proposto, mas certamente apoiei sua nomeação. Jean-Baptiste
de Franssu foi recomendado por uma empresa de recrutamento e ele tinha
trabalhado com o COSEA.
Ele estará
envolvido na gestão de ativos. O que isto significa?
George
Pell: Significa
obter o melhor rendimento possível em seus ativos - ou seja, em suas
propriedades, ações e investimentos - de acordo com normas éticas. Dentro
desses princípios gerais, as verbas que pertencem a essas entidades diferentes
serão colocadas todas juntas, porque eu acredito que, com uma soma maior, elas
vão obter um retorno melhor.
No que se
refere às normas éticas, eu entendo que o Vaticano vai garantir que ele não
estará investindo em armas ou em áreas onde o trabalho infantil é utilizado.
George
Pell: É
isso mesmo. Nós já estamos fazendo isso, mas, nessa área, vamos ter certeza de
que tudo estará sendo feito de forma correta.
No
passado, o Vaticano teve um conselho de cardeais e um conselho de leigos que
fiscalizavam o IOR (o banco vaticano), e tivemos muitos desastres. O que será
feito para evitar que essa nova combinação de prelados e leigos vá por essa mesma
estrada?
George
Pell: Ninguém
pode dar garantias absolutas, mas, desde a nomeação de Von Freyberg a
situação tem mudado basicamente bem. A relação exata entre os peritos leigos
internacionais e os cardeais nessa área ainda não foi completamente trabalhada.
Mas podemos ter certeza de duas coisas: um grupo de cardeais com um
conhecimento muito limitado na área bancária não vai estar administrando o
banco, e um grupo exclusivamente de leigos não estará dirigindo a Igreja, de
modo que haverá algumas formas eficazes de cooperação . Estaremos tentando
conceber um sistema de forma a não cair nos velhos modos.
Há outra consideração muito importante
aqui também: é o escritório da Autoridade de Informação Financeira (AIF).
A AIF investiga a fundo todo o clero e os leigos que são nomeados
para cargos financeiros superiores, de modo que ninguém será nomeado se não
conseguir uma autorização da AIF. Esse é um grande seguro contra a
introdução de pessoas como (Roberto) Calvi e (Michele) Sindona (Nota
Editorial: dois banqueiros italianos, cujo envolvimento com o banco do Vaticano levou
a grandes problemas financeiros e escândalo).
Então, é
muito improvável que o caso do Monsenhor Scarano aconteça de novo? (Nota Editorial: Mons. Nunzio Scarano, ex-empregado e contador da APSA,
foi acusado pelas autoridades italianas de lavagem de dinheiro e conspiração de
contrabando de dinheiro para a Itália.)
George
Pell: Quem
sabe? Em qualquer caso, eu estou falando sobre os níveis superiores em termos
de formulação de políticas. A AIF está lá para controlar e garantir
que não haja reciclagem. E com um auditor geral a ambição é que nunca mais
aconteça um caso Scarano.
Qual será
o papel do auditor geral? Ele vai ser como um solucionador de problemas? Como o
senhor o descreveria?
George
Pell: Nós
estamos avaliando uma série de modelos de diferentes países, e entendo que ele
é visto de forma ligeiramente diferente em lugares diferentes. O auditor geral
visitará ou vai se aproximar dos diferentes dicastérios inesperadamente e
auditar o seu trabalho de forma totalmente independente dos auditores normais.
Se eu ou o Conselho da Economia ou um membro do pessoal sentir que algo está
seriamente errado em um dicastério, então podemos ir ao auditor geral, e se ele
descobrir que há um caso prima-facie, então, ele irá investigar e,
se necessário, denunciar às autoridades judiciais.
O auditor
geral estará vinculado ao senhor?
George
Pell: Não!
O auditor geral será uma figura independente e não estará vinculado ao
Secretário de Estado ou a mim, mas vai ter a capacidade de ir diretamente para
o Santo Padre.
O senhor
nomeou uma comissão para estudar o Fundo de Pensões. Por quê?
George
Pell: O
Conselho reconheceu que as pensões em pagamento hoje e aquelas da próxima
geração estão garantidas, mas é preciso garantir que haja fundos suficientes
para as gerações futuras em um ambiente econômico em mudança. E isso terá
consequências financeiras.
Lord Christopher Patten |
O senhor
trouxe Lord Christopher Patten para dirigir uma comissão para propor
reformas para a mídia do Vaticano. Mas o senhor originalmente tinha recebido um
relatório de consultoria da COSEA sobre esse assunto. Por que o relatório não
foi suficiente?
George
Pell: Bem,
suponho eu, porque foi patrocinado e envolveu a COSEA. Eu não tenho
certeza de quanta informação inicial havia do Vaticano e dos
diferentes organismos nesse relatório, e, além disso, qualquer relatório que
vai adiante tem de gerar um nível de apoio. Uma coisa é ter um relatório de um
grupo de negócios, mas uma coisa bem diferente é ter um conjunto de propostas
de altos empregados do Vaticano e um organismo internacional de especialistas
que tem peso real. É muito mais difícil ignorar propostas de tal corpo.
A
Comissão, liderada por Lord Patten, foi convidada a desenvolver um plano de
reforma para os meios de comunicação do Vaticano dentro de 12 meses, tendo em
conta o relatório da COSEA. Seu objetivo é adaptar os meios de comunicação da
Santa Sé às mudanças nas tendências de consumo de mídia, melhorar a coordenação
e obter, de forma progressiva e com sensibilidade, substanciais economias
financeiras.
George
Pell: Sim.
O objetivo é manter e melhorar a cobertura, coordenar melhor a mídia do
Vaticano, assegurar que sejam colocados recursos suficientes nas novas
mídias digitais e também de forma gradual, com sensibilidade, economizar
dinheiro e reduzir despesas. No momento, na minha humilde opinião, uma
quantidade desproporcional de dinheiro está indo para formas de mídia que estão
sendo usadas por um número decrescente de pessoas.
Onde o
senhor espera estar em dois ou três anos?
George
Pell: Bem,
espero que em dois ou três anos tenhamos a nossa organização básica no lugar na
área financeira, com certeza, e espero que na área da comunicação também.
Espero que até lá estejamos gerando não apenas eficiência e coordenação, mas
também transparência e seguindo as melhores práticas de normas internacionais
em nossa administração.
Muitas
pessoas me disseram: é ótimo que tenhamos essa reforma, mas sem identificar os
erros do passado, e que pode ser uma operação dolorosa. Como podemos ter
confiança de que esses erros não vão se repetir?
George
Pell: Bem,
dois "erros" muito graves são indicados no relatório do IOR:
os investimentos do Lux Vide e do Optimum ad majorem (200
milhões de euros). Eles estão lá no relatório. A outra coisa a ser dita é que a AIF está
investigando cerca de 200 infrações. Isso deve proporcionar uma segurança
significativa de que nós estamos levando o trabalho a sério.
Quão de
perto o Papa Francisco está rastreando tudo isso?
George
Pell: Ele
está muito interessado nessas reformas. Ele está comprometido com as melhores
práticas. Ele explicitamente aprovou o pacote de reformas e quer que eu as
implemente. Sei que temos o seu apoio total. Eu o vejo uma vez a cada 15 dias.
Eu posso abordá-lo a qualquer hora que eu precisar. Eu acho que ele tem uma boa
compreensão de economia e acho que a sua atividade com os bancos em Buenos
Aires mostra que ele sabe qual caminho é o melhor.
Traduzido
do inglês por Claudia Sbardelotto.
Comentários
Postar um comentário