CONFLITOS: O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM O MUNDO?
O que sobrou do céu
Entrevista com Stephen
M. Walt*
Juliana
Sayuri
“A
tragédia do avião da Malaysia pede novos esforços das potências ocidentais para
restituir a integridade territorial da Ucrânia”,
afirma
professor de Harvard
A
Duas
histórias intrincadas marcaram a quinta-feira, 17 de julho. Uma, altamente
inesperada: um Boeing 777 da Malaysia Airlines (sim, a mesma companhia que viu
sumir outro Boeing nos céus de 8 de março), no trajeto Amsterdã-Kuala Lumpur,
foi derrubado nos arredores de Donetsk, cidade-chave ucraniana dominada por
rebeldes pró-Rússia. Outra, infelizmente esperada: cumprindo ordens do premiê
Binyamin Netanyahu, o Exército israelense iniciou uma nova invasão ao
território palestino de Gaza - sem previsão para terminar -, elevando a 299 o
número de palestinos mortos, incluindo um bebê de 5 meses, nos últimos 11 dias.
Dois soldados israelenses morreram.
Enquanto
o conflito árabe-israelense implode, o conflito ucraniano explode em danos
colaterais: 298 mortes no voo MH17 (15 tripulantes malaios e 283 passageiros de
11 nacionalidades - entre eles, estima-se, 80 crianças e cerca de 100
cientistas, como Joep Lange, um dos maiores especialistas em aids do mundo), o
sétimo maior desastre da história da aviação. A quem atribuir a culpa dessas mortes?
Para as autoridades americanas, a um míssil. Para a Ucrânia, a um ato
terrorista dos rebeldes pró-Rússia. Para a Rússia, a uma tragédia provocada
pelo governo ucraniano.
Para
Stephen M. Walt, cientista político norte-americano, colunista da revista
Foreign Policy e professor de relações internacionais no Belfer Center for
Science and International Affairs, de Harvard, diante da investigação
internacional a caminhar, trata-se do mais provável: o Boeing foi derrubado por
rebeldes ucranianos, confundido com um avião militar. “Não acredito que o
ataque tenha sido um ato deliberado de terrorismo. Supondo que os rebeldes
separatistas foram os responsáveis, trata-se provavelmente de um trágico erro -
um erro que deveria levar a novos esforços para estabilizar a situação e
restabelecer a integridade territorial e a neutralidade geopolítica na
Ucrânia”, diz.
Autor
de Taming American Power: The Global
Response to US Primacy (2005) e coautor de The Israel Lobby and US Foreign Policy (2007), com John Mearsheimer,
Walt vê outro erro se desenrolar nas trincheiras orientais: “Enquanto Israel
continuar a ocupar e manter Gaza como uma grande prisão ao ar livre, o conflito
continuará. As únicas respostas possíveis: ou uma solução de dois Estados (cada
vez mais improvável) ou Israel garantir direitos políticos totais para as
pessoas que estão sob seu domínio (também muito improvável no presente)”,
analisa.
Fora do
jogo das probabilidades, Walt pede uma cartada mais humana para os presentes
conflitos: “Os seres humanos sempre podem escolher caminhos diferentes, mas é
preciso imaginação e coragem para tanto. E ajuda dos outros”, diz. “Ajudaria
muito se os EUA e outras democracias tomassem uma posição mais imparcial,
pressionando as diferentes partes para respeitar os direitos humanos e a lei
internacional”, pondera. “Se EUA e UE [União Europeia] tivessem tentado mais energicamente, a
tragédia dessa quinta-feira poderia ter sido evitada.”
A derrubada do Boieng-777 da Malaysia
Airlines fez estremecer o território ucraniano já fragilizado. Para os
americanos, um míssil. Para Petro Poroshenko, um ato terrorista dos rebeldes
separatistas. Para Vladimir Putin, a culpa é do governo ucraniano. O que
aconteceu pode nos levar de volta a uma atmosfera de 11 de Setembro?
Stephen M. Walt: Apesar
de os culpados continuarem desconhecidos, é mais provável que o avião tenha
sido derrubado por rebeldes ucranianos que, provavelmente, teriam confundido o
Boeing com um avião militar. Além da tragédia humana, temo que esse
acontecimento possa agravar ainda mais a crise na Ucrânia, dificultando
possíveis soluções. Muitos vão querer mais ajuda dos EUA e da Otan ao governo
ucraniano - e isso poderia tornar ainda mais provável um confronto direto com
Moscou. Se isso acontecer, o estrago para a Ucrânia será expressivo.
Entretanto, não acredito que essa derrubada possa nos levar a um clima de 11 de
Setembro, pois não acredito que o ataque tenha sido um ato deliberado de
terrorismo. Supondo que os rebeldes separatistas foram os responsáveis,
trata-se provavelmente de um erro. Os rebeldes não tinham motivo para derrubar
um avião civil propositalmente pois isso só aumentaria a ajuda para o governo
de Kiev e a compreensão ocidental com ele. Foi provavelmente um trágico erro -
um erro que deveria levar a novos esforços para estabilizar a situação e
restabelecer a integridade territorial e a neutralidade geopolítica na Ucrânia.
No Twitter, o sr. criticou: “A Rússia
e/ou os rebeldes da Ucrânia podem ser responsáveis por esse ato abominável e
trágico, mas a política dos Estados Unidos e da União Europeia foram tolas e
impotentes”. É hora de dividir a responsabilidade?
Stephen M. Walt: Quem
disparou o míssil certamente carrega a maior culpa, pois vidas foram perdidas.
No entanto, os EUA e a UE ajudaram a agravar a crise ao tentar levar a Ucrânia
para a “esfera de influência” do Ocidente, tanto econômica quanto política. A
Rússia vê a Ucrânia com um interesse vital - e Putin deixou claro que não
mediria esforços para manter o país a seu lado, impedindo-o de se alinhar à
Otan e às potências ocidentais. Nos últimos seis meses, suas ações, incluindo a
anexação da Crimeia, mostram que ele não estava blefando. Seria melhor para os
EUA, e no fim das contas para os próprios ucranianos, se a Ucrânia se
mantivesse como um Estado-tampão (um país situado entre duas grandes potências
previsivelmente hostis) neutro entre o ocidente e a Rússia. Os EUA e a UE
deveriam ter se esforçado para isso desde o início da crise. Se eles tivessem
tentado mais energicamente, a tragédia dessa quinta-feira poderia ter sido
evitada.
A imprensa russa disse que o alvo do
ataque seria o presidente Vladimir Putin, que estava retornando do encontro dos
Brics no Brasil. O sr. considera essa hipótese?
Stephen M. Walt: Não. O
único grupo que teria interesse em constranger Vladimir Putin seria o governo
ucraniano. Não há sinais de que ele estaria envolvido nisso. A menos que
apareçam novas evidências, continuo acreditando que os grupos rebeldes foram os
responsáveis.
Outro conflito a marcar os últimos
dias foi a invasão israelense em Gaza. Que há de novo nesse confronto? Ou seria
“só mais um” confronto?
Stephen M. Walt: Os
últimos rounds em Gaza não têm sentido, assim como os últimos confrontos,
incluindo a Operação Cast Lead (ofensiva israelense entre dezembro de 2008 e
janeiro de 2009), que culminou na morte de 1.300 palestinos. Não tem sentido.
Enquanto Israel continuar a ocupar e manter Gaza como uma grande prisão ao ar
livre, o conflito continuará. As únicas respostas possíveis: ou uma genuína
solução de dois Estados (que é cada vez mais improvável), ou Israel garantir
direitos políticos totais para as pessoas que estão sob seu domínio (o que
também é muito improvável no presente). Como as maiores potências não parecem
ter poder - ou vontade - para adotar uma visão diferente sobre o conflito, o
sofrimento continuará. Mais pessoas vão morrer - e o futuro político de Israel
também será prejudicado.
Stephen M. Walt - cientista político |
É possível (ou provável) um final
feliz para os dois lados no conflito Israel-Palestina?
Stephen M. Walt: Os
seres humanos sempre podem escolher caminhos diferentes, mas é preciso
imaginação e coragem para tanto. E ajuda dos outros. Ajudaria muito se os EUA e
outras democracias tomassem uma posição ainda mais imparcial nesses assuntos, e
começassem a pressionar as diferentes partes para respeitar os direitos humanos
e a lei internacional. Em particular, os EUA deveriam reconsiderar sua atual
“relação especial” com Israel, privilegiando uma relação, digamos, “normal”. Em
outras palavras, em vez de dar a Israel generoso apoio diplomático, econômico e
militar não importa o que os israelenses façam, os EUA deveriam tratar o país
da mesma forma como tratam outras democracias. Os EUA deveriam apoiar a
independência de Israel - e apoiar quando o país age coerentemente com valores
democráticos. Mas, se age contrariamente - por exemplo, construindo
assentamentos ou matando civis inocentes -, os EUA deveriam se distanciar e
convencer o país a mudar suas direções. É isso que verdadeiros amigos fazem:
quando você vê um aliado agindo de uma maneira tola ou perigosa, tenta
convencê-lo a mudar.
Considerando o mapa-múndi atual, os
EUA ainda têm um papel central nas relações internacionais? Por quê?
Stephen M. Walt: Sim,
os EUA ainda são o ator mais poderoso e influente no tabuleiro das relações
internacionais. O que Washington decide fazer - ou não fazer - invariavelmente
tem um grande impacto em diferentes acontecimentos, em diferentes partes do
mundo. Entretanto, seu poder e sua influência não lhe permitem controlar tudo,
especialmente quando tenta administrar a política interna de países
profundamente divididos, como Afeganistão, Iraque, Nigéria, Ucrânia e Síria.
Para o futuro, os EUA precisam trabalhar melhor e montar uma estratégia clara
de prioridades, compreendendo que seu poder pode vencer determinados pontos -
mas também tem limites. Acredito que os americanos ainda possam ter um papel
estabilizador em áreas-chave, mas deveriam reduzir sua pegada militar no
Oriente Médio e evitar intervenções militares diretas em outros países. Os
americanos são bons em impedir ou reverter agressões quando seus interesses
vitais estão em jogo, mas não são muito bons em liderar outras sociedades,
especialmente quando essas sociedades são muito diferentes e fortemente opostas
à intervenção externa. Espero que os EUA continuem ativamente engajados em
questões internacionais, mas de uma maneira mais restrita e inteligente.
* Stephen M. Walt é
professor de Relações Internacionais na Universidade de Harvard.
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