NO PAÍS DA MARACUTAIA NEM TEMPLO EVANGÉLICO ESCAPA
Megatemplo da Igreja
Universal foi construído com “alvará de reforma”
DIEGO ZANCHETTA e BRUNO RIBEIRO
Obra
recebeu autorização da Prefeitura que livrou Igreja Universal de pagar R$ 35
milhões em contrapartidas para a cidade
"Templo de Salomão" da Igreja Universal do Reino de Deus em fase final de construção |
O Templo de Salomão, no Brás, região
central de São Paulo, foi construído com autorização de um alvará de reforma
expedido em outubro de 2008, o que livrou a Igreja Universal do Reino de Deus
de pagar 5% do valor da obra, de R$ 680 milhões, em contrapartidas e melhorias
para o viário do entorno – ou seja, cerca de R$ 35 milhões. Para uma obra com
mais de 5 mil metros quadrados e 499 vagas de estacionamento, o alvará
solicitado deveria ser o de nova obra, conforme determina a lei dos polos
geradores de tráfego, de 2010.
Mas a
Igreja Universal conseguiu autorização para fazer uma “reforma” com área
adicional de 64.519 metros quadrados, em um terreno que tinha área construída
de 2.687,32 m². A autorização foi emitida pelo setor Aprov 5, da Secretaria
Municipal de Habitação, à época comandado pelo ex-diretor Hussein Aref Saab,
demitido em 2012 sob suspeita de enriquecimento ilícito.
O setor
de Aref também renovou o alvará de reforma da igreja no dia 11 de dezembro de
2010, quando a nova lei dos polos geradores de tráfego já estava em vigor. À
luz da nova legislação, as contrapartidas do templo deveriam somar 5% do valor
da obra. Mas, segundo a Prefeitura informou na semana passada, as melhorias
exigidas do templo se limitam ao rebaixamento de cinco guias de cruzamentos,
instalação de um conjunto de sete semáforos e o plantio de 25 mudas de árvores.
O
Ministério Público Estadual abriu inquérito para apurar a construção irregular
do megatemplo. Ao todo, o templo terá capacidade para 10 mil pessoas sentadas e
1,2 mil vagas de estacionamento. A Promotoria de Habitação também quer saber se
houve mesmo uma reforma ou se trata de obra nova.
Na
inauguração, amanhã, são esperadas as presenças da presidente Dilma Rousseff
(PT) e do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Os 55 vereadores paulistanos
também foram convidados para o evento. O templo passa a ser o maior espaço
religioso do País – é quatro vezes maior que a Basílica de Aparecida.
Edir Macedo, líder da IURD, ao lado do, então, prefeito de S. Paulo Gilberto Kassab em visita às obras do "Templo de Salomão" (01/09/2010) |
SEM LICENÇA
Questionada
pelo MP [Ministério Público] sobre a situação das licenças para o funcionamento do templo, a
Secretaria de Licenciamento informou que um projeto modificativo de alvará de
reforma foi apresentado pela igreja em 2011 e acabou indeferido no dia 3 de
setembro.
O atual
pedido de reconsideração do indeferimento está em análise na mesma pasta,
segundo informou ao MP, no dia 7 deste mês, a coordenadora de Edificação de
Serviços e Uso Institucional da Prefeitura, Rosane Cristina Gomes. Portanto,
apesar de ter obtido a certidão de diretrizes da CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] necessária para a
inauguração, o templo ainda não tem o alvará definitivo para abrir as portas
amanhã.
Já o
relatório de impacto da vizinhança, outro documento necessário à abertura do
templo, foi feito por uma empresa de engenharia contratada pela própria Igreja
Universal em 2011. O documento também se encontra em análise na Secretaria
Municipal de Licenciamento, sem aprovação. A informação foi prestada ao MP no
dia 14 deste mês pela servidora Lúcia Elena Pizzotti.
A
Igreja Universal informou ter as licenças necessárias e desconhece qualquer
investigação do MP. Já o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) informou que “a
Prefeitura foi rigorosa no cumprimento de requisitos para aprovação de
projetos”.
A
gestão atual, que na semana passada havia informado que a obra estava regular,
ontem admitiu que existe um “projeto modificativo de alvará de reforma” em
análise no governo. No dia 19 deste mês, porém, a gestão do prefeito Fernando
Haddad (PT) emitiu uma “autorização para evento” para a Igreja Universal. De
qualquer forma, o alvará necessário para a igreja funcionar (alvará de
conclusão de obra) ainda não foi emitido pela Prefeitura.
Hussein Aref Saab - diretor do Setor Aprov 5 - Secretaria Municipal de Habitação |
MANOBRA NA CÂMARA
MUNICIPAL BENEFICIOU TEMPLO
O novo
Plano Diretor de São Paulo, que ainda aguarda sanção do prefeito Fernando
Haddad – o que só deve ocorrer no próximo mês –, também vai beneficiar templos.
O texto regulariza de pequenas a grandes igrejas evangélicas, incluindo o
Templo de Salomão, erguido pela Igreja Universal do Reino de Deus no Brás, como
mostrou o [jornal] O Estado de S. Paulo no dia 27 de junho.
O
projeto altera a classificação do lote onde foi construído o templo. Hoje, a
área é uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis) do tipo 3, que indica
terrenos subutilizados ou abandonados, mas em locais com boa infraestrutura
urbana, ou seja, apropriados para receber moradias populares. Com 74 mil metros
quadrados de área construída e 10 mil lugares, o templo e o terreno vizinho
comprado pela Universal para servir de estacionamento estão irregulares, pelas
normas do Plano Diretor em vigor.
Segundo
o relator do novo projeto, vereador Nabil Bonduki (PT), a mudança foi feita
porque a Prefeitura já havia permitido a construção no local. A Comissão de
Habitação da Prefeitura desclassificou a Zeis e aprovou a reforma, que acabou
resultando no Templo de Salomão.
Edir Macedo
quer
“Garantir sua
posição no ranking da fé”
Entrevista com Ricardo
Bitun
Morris Kachani*
Um
templo que é 4 vezes maior que o Santuário de Aparecida, equivalendo a 5 campos
de futebol.
Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus na inauguração do "Templo de Salomão" São Paulo (Brás), 31 de julho de 2014 |
De
Hebron, na Terra Santa, foram trazidos 40 mil metros quadrados de pedras. Doze
oliveiras foram importadas do Uruguai para reproduzir o Monte das Oliveiras.
Nas paredes, grandes menorás – candelabros de sete braços. E Edir Macedo
orando, de barba branca, vestido com uma indumentária judaica – o kipá, o talit
(xale utilizado pelos hebreus nas preces - veja foto acima).
Estamos
no Templo de Salomão, da igreja Universal, em São Paulo, que acaba de ser
inaugurado, a um custo de R$ 680 milhões e capacidade para 10 mil pessoas.
Os
últimos números apresentados IBGE dão conta de que a Universal tem perdido
fiéis e espaço para as concorrentes. No último censo a igreja fundada pelo
bispo Edir Macedo perdeu 229 mil adeptos, passando de 2,102 milhões para 1,873
milhão. Já a Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago, ganhou 315
mil seguidores.
De
acordo com Ricardo Bitun, professor do departamento de pós graduação de
ciências da religião do Mackenzie, a construção do templo marca uma nova fase
da Universal. “Pelos comerciais que estão sendo veiculados na TV Record, muito
bem feitos por sinal, se projeta um novo perfil para o fiel da Universal: bem
sucedido, bom cidadão, classe média, um homem de família, o famoso bordão: ‘Eu
sou Universal’. Ali você tem uma dentista muito bonita, um médico, um
advogado”.
“Existe
uma transformação em curso. A Universal captou a ascensão de uma nova classe
social e passou a trabalhar de outra forma”.
“A
Universal, veio pra ficar, criar raízes e disputar fiéis no interior do campo
religioso brasileiro, bem diferente de seu início modesto, quando realizava
seus cultos em velhos barracões alugados”.
Eis a
entrevista.
O que
significa a construção do Templo de Salomão no contexto religioso brasileiro
atual?
Ricardo Bitun: Penso
que de alguma forma ao construir o Templo de Salomão, a Universal ganha capital
simbólico, ou seja, até então grandes catedrais (que representam capital
simbólico) eram monopolizadas pela igreja Católica romana. Por exemplo o marco
zero da cidade de São Paulo – Catedral da Sé -, ou na cidade de Aparecida do
Norte, localizada entre duas grandes metrópoles, onde temos a maior catedral do
Brasil, e assim por diante.
Em toda
grande capital, você é capaz de vislumbrar uma grande catedral católica romana
encravada no meio da cidade, com suas torres e sinos, dando visibilidade à
religião e simbolizando a força da mesma na cidade.
Quem
utiliza este termo capital simbólico é Pierre Bourdieu, sociólogo francês,
ressaltando que a religião é portadora de um “capital religioso”, que por não
ser obrigatoriamente quantificado ou mensurado, pode ser chamado de “capital
simbólico”. Significa dizer que no chamado “campo religioso” há uma disputa por
parte das instituições para disponibilizar e manipular os “bens simbólicos de
salvação” que compõem o capital (areia abençoada, mesa branca energizada, óleo
orado, rosa ungida, entre outros).
Com a
construção do Templo de Salomão o eixo simbólico religioso é no mínimo compartilhado
(ou deslocado) para uma outra religião que mostra sua força e vontade de
competir numérica e simbolicamente com a religião que até então (500 anos)
detinha o monopólio religioso.
Além
disso, mostra por parte da liderança da Universal a firme decisão de querer
estabelecer suas raízes em solo pátrio, não que já não tenha estabelecido, mas
a construção de um templo destas proporções reforça a ideia de que ela,
Universal, veio pra ficar, criar raízes e disputar fiéis no interior do campo
religioso brasileiro, bem diferente de seu início modesto, quando realizava
seus cultos em velhos barracões alugados.
Como a
Universal se inscreve no cenário pentecostal? O número de fiéis cresce ou
diminui? Quem são os principais concorrentes da Universal e quem os apóia?
Ricardo Bitun: A
Universal é descrita por sociólogos e pesquisadores da religião como
pertencente ao chamado neopentecostalismo – pentecostais que se distanciaram da
antiga matriz pentecostal clássica como por exemplo as Assembleias de Deus e
tantas outras. Utilizam a Teologia da Prosperidade - teologia que interpreta os
textos bíblicos a fim de que os fiéis creiam que Deus tem saúde e bênçãos
materiais para entregar ao seu povo -, como sua principal alavanca na conquista
de novos fiéis, prometendo-lhes a riqueza terrena ao invés das futuras riquezas
celestiais. As benesses do céu são para o “aqui e o agora”.
Os
últimos números apresentados pelo IBGE dão conta de que a Universal tem perdido
fiéis e espaço para as concorrentes, também pertencentes ao neopentecostalismo:
Mundial do Poder de Deus, Internacional da Graça de Deus e outras menores.
Qual a
diferença entre o público delas e da Universal?
Ricardo Bitun: Além de
curiosos, pesquisadores e público em geral, penso que o próprio fiel da
Universal terá muito interesse e “orgulho” em estar dentro do templo da sua
igreja. Arrisco a dizer que o imaginário medieval pode aqui muito bem ser
reproduzido na cabeça do fiel moderno (guardada as devidas proporções espaciais
e temporais). Imagine um camponês saindo de sua pequena casa e entrando numa
grande igreja europeia da Idade Média, com afrescos e ouro por todos os lados?
Qual a sensação que passaria por sua cabeça? Poder, riqueza, luxo, etc.? Você poderia me dizer: -“Isto num primeiro momento, mas depois não viria a raiva, o
sentimento de opressão, exploração, etc?”. Provável. Mas, também o de
construção de algo que lhe dê orgulho, grandeza, etc.
Penso
que o mesmo acontece, (numa análise bem simples e informal) com o fiel da
Universal, aquela é a sua “casa”, a “sua” igreja.
No que
o público da Universal se diferencia das outras neopentecostais?
Ricardo Bitun: O
público é também das classes menos favorecidas, mas não só. Você vê pelas
propagandas na TV. Nas outras o poder aquisitivo dos fieis é mais baixo, de
forma geral.
Por
exemplo, Valdemiro Santiago, da Mundial, dá mais ênfase para a cura divina, e a
Universal vem se distanciando disso. A tendência está em buscar a nova classe
média. Talvez a Universal tenha mais apelo com ela, sem esquecer o pessoal lá
de baixo.
Os
cultos e a mitologia da Universal mudaram ao longo do tempo ou continuam os
mesmos? Tem alguma ideia ou projeção de quanto a igreja arrecada em termos de
dízimos?
Ricardo Bitun: A
ênfase da Universal em seu começo (1977) foi o exorcismo, a “guerra santa”
contra os poderes diabólicos, encarnados principalmente nas religiões afro.
Possuía até então um forte viés maniqueísta vendo o mundo como o palco de uma
luta constante entre Deus e o Diabo, dividindo assim todas as suas estratégias
e atividades.
Na
década de 80 e 90 eles mudam sua ênfase, migrando para a teologia da
prosperidade como seu principal foco. Isto é facilmente verificável através do
chamados “testemunhos” via TV (Record). Antes era o “eu era pobre,
desempregado, miserável…”, agora é “tenho dois carros do ano, casa própria e uma
próspera empresa”. Este é o rosto da Universal pós década de 80 e 90.
Estamos
presenciando agora uma outra fase, que tem seu início, ao que me parece desde a
construção do templo. Pela TV se projeta um novo perfil para o fiel da igreja:
bem sucedido, bom cidadão, classe média, um homem de família, o famoso bordão:
“Eu sou Universal”.
Não
quero dizer com isso que ela abandone as outras fases (exorcismo, prosperidade,
etc), apenas que ela não mais as enfatiza.
Quanto
à arrecadação ninguém nunca soube ao certo e asseguro que nunca saberá, este
segredo é guardado a sete chaves.
Como se
dá a interface entre Universal e Record? Qual o nível de representatividade
política da igreja?
Ricardo Bitun: A
igreja ocupou com muita habilidade o espaço público, principalmente o espaço
político. Hoje presenciamos no Rio de Janeiro Garotinho e Crivella numa disputa
acirrada pelo governo. Crivella, sobrinho de Edir Macedo, foi ministro da pesca
no atual governo. Vereadores, deputados e senadores ligados à igreja são
cuidadosamente eleitos e colocados estrategicamente em postos-chave nas
comissões que interessam à Universal, principalmente as ligadas a rádio e
televisão. Voltando um pouco no tempo, percebemos a importância da Universal no
cenário político quando da derrota eleitoral de Lula representado pela
esquerda, assim como na eleição de Fernando Collor (89) e Fernando Henrique
(94).
O que
sabe sobre o momento atual de Edir Macedo? Na última foto ele aparece vestindo
toda a indumentária religiosa judaica, além da barba branca. Tem um motivo? Ou
ainda, qual seria sua opinião pessoal a respeito disso tudo?
Ricardo Bitun: Sua
indumentária judaica, sua longa barba branca, etc., compõe o cenário “religioso
espetacular” o qual ele, Edir Macedo está pronto a encenar.
Sabe-se
pelo último censo do IBGE que a Universal perdeu fiéis para seus concorrentes
diretos, principalmente a Mundial do Poder de Deus. Um “contra-ataque” se faz
necessário para todo aquele que deseja manter-se na liderança e em pleno
crescimento. Creio que Edir Macedo, como todo empresário bem-sucedido, quer
garantir sua posição no “ranking da fé”.
Por que
a indumentária judaica?
Ricardo Bitun: Não só
a Universal como outras igrejas neopentecostais, resgatam uma tendência
judaizante. Os pentecostais estão muito mais próximos do judaísmo que os
católicos. É uma forma de se diferenciarem do arcabouço católico romano que
formou a nação brasileira nestes primeiros 500 anos.
E o
ritual judaico é riquíssimo, ele dá uma liga. O Antigo Testamento é
extremamente simbólico e afinal, constitui aproximadamente ¾ da Bíblia.
A
Universal utiliza muitos elementos do judaísmo em suas campanhas. Por exemplo,
tem a campanha da Pedrinha de David, na qual o fiel vai lá na frente, faz uma
oferta e ganha uma pedrinha simbolizando David. Esta pedrinha supostamente
serve para ser usada na hora das dúvidas. O fiel é orientado a pegá-la na mão e
orar, em busca de uma solução.
Segundo
a Bíblia David destruiu o inimigo filisteu representado pelo gigante Golias,
com apenas três pedrinhas.
Por que
decidiram chamar este complexo religioso de Templo de Salomão?
Ricardo Bitun: O
cristianismo sai do judaísmo. São muito próximos no começo. Salomão é filho de
David. O Templo de Salomão foi o primeiro grande templo judaico (o Muro das
Lamentações, em Jerusalém, é o que sobrou dele). Segundo a Bíblia no templo
original havia uma arca de aliança toda de ouro com querubins em cima, e dentro
três elementos: as duas tábuas da lei que Moisés recebeu, a vara de Arão (irmão
de Moisés), e o maná – o pão que descia do céu durante a travessia no deserto.
Isso se perdeu, após a destruição do templo. Mas no templo da Universal, vai
ter uma réplica dessa arca.
* Morris Kachani
nasceu em Beirute (Líbano), em 1968. Foi repórter da revista “Veja”, editor da revista “Trip” e publisher do núcleo das revistas
femininas da editora Abril. Há três anos está no jornal Folha de S. Paulo, atuou como editor da revista “Serafina” e
repórter especial do jornal.
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