Estudo mostra que quatro grandes grupos econômicos brasileiros são subordinados ao capital internacional
Luiz Sugimoto
Jornal da Unicamp
23 de junho de 2014 a 03 de agosto de 2014
Recentemente
ressurgiu a discussão sobre um tema efervescente dos anos 1950 aos 70: que o
Brasil, como naquela época, estaria passando por um novo momento
desenvolvimentista, buscando uma autonomia relativa e ganhando base material
para colocar o capitalismo a serviço de um projeto nacional, mais democrático e
socialmente justo. A observação é do economista Artur Monte Cardoso, cuja
dissertação de mestrado, porém, aponta para um processo de reversão das bases
do desenvolvimento brasileiro ou, mais que isso, de reversão neocolonial.
“Burguesia brasileira nos anos 2000 – Um estudo de grupos industriais
brasileiros selecionados” é o título do trabalho orientado pelo professor
Plínio Soares de Arruda Sampaio Junior e apresentado no Instituto de Economia
(IE) da Unicamp.
Feito
um estudo qualitativo da organização empresarial de uma parcela representativa
da burguesia brasileira, o autor da pesquisa optou por estudar quatro grandes
grupos econômicos que cresceram enormemente neste início de século, tendo se
internacionalizado e figurado entre os chamados “campeões nacionais”: Vale
(mineração), Gerdau (siderurgia), Cosan (sucroalcooleiro) e JBS (carnes).
Cada
grupo teve mapeado seu mercado, base produtiva, base financeira, vínculos com o
Estado e estratégia adotada no período de estudo. “Fiz a escolha a partir do
anuário Valor Grandes Grupos, que publica uma lista dos maiores grupos
econômicos, dentre os quais extraí os maiores brasileiros privados do setor
produtivo – excluí, portanto, a Petrobrás e empresas dos setores de serviço,
comércio e finanças.”
Das
conclusões da dissertação, Artur Cardoso antecipa a de que a força demonstrada
pelos quatro grupos em seus setores está limitada por ocuparem uma posição
subordinada ao capital internacional e dependente do socorro do Estado, não
apenas para obter financiamentos, mas para gerar mercados e negócios em geral;
e que esta dependência os condiciona a explorar a base de que dispõem: recursos
naturais (terras, minas) e mão de obra barata. “Trata-se de uma burguesia capaz
de fazer grandes negócios, mas cujo crescimento contribui pouco para o
desenvolvimento do país. Dentro de um processo que podemos chamar de reversão
neocolonial, esta classe tende a se tornar mais pragmática, especulativa e
rentista: uma burguesia dos negócios.”
Cardoso
atenta que os grupos estudados são incapazes de controlar variáveis
estratégicas da acumulação, ficando vulneráveis às oscilações internacionais.
“O impulso que conseguiram em seus mercados foi resultado direto do ciclo
econômico internacional, via elevação da demanda e dos preços, ou indireto,
através do surto de crescimento interno. Sua base produtiva está em segmentos
de tecnologia simples, livre e com baixos encadeamentos. Sua base financeira
foi o capital internacional, assim como o Estado, que ainda dinamizou mercados
(como o de aço) com projetos de infraestrutura. Quanto à estratégia de
crescimento dos grupos, inclusive de internacionalização, deveu-se
principalmente ao processo de aquisição de concorrentes e não de construção de
capacidade produtiva, chegando ao caso extremo de associação direta com o
capital estrangeiro.”
Balanço histórico
O autor
da pesquisa recorda que entre os anos 50 e 70 havia um grande debate sobre as
transformações em curso no país, à medida que se incrementava a industrialização,
alimentando a ideia de nação. “O golpe militar e a entrada de empresas
transnacionais colocaram uma nova problemática, a da maior dependência externa.
Eu me baseio em autores como Florestan Fernandes, Celso Furtado e Caio Prado
Junior, todos críticos deste processo. Eles consideravam que apesar da
industrialização e do milagre econômico, o Brasil apresentava enormes
dificuldades para construir bases nacionais que permitissem conciliar um
capitalismo relativamente autônomo e colocar nas mãos do Estado a capacidade
política de construir um país de verdade.”
O
balanço a partir dos 80, segundo Artur Cardoso, foi bastante negativo, com o
país entrando em crise econômica profunda e se obrigando a ajustes para pagar a
dívida externa; nos 90, o mergulho no neoliberalismo, com abertura econômica,
privatizações, entrada de capital estrangeiro em pé de igualdade com o
nacional, financeirização da economia e desindustrialização. “Hoje se vê
claramente as mudanças na base material, com um Estado que depende fortemente
de ciclos internacionais, tanto para exportação de commodities como para afluxo
de capital. Se esses ciclos se tornam desfavoráveis, o Estado perde a
capacidade de fazer política social e a margem fiscal para investimentos.
Apesar da euforia sobre um novo desenvolvimentismo, inclusive por parte do
governo, ao investigar nas raízes vejo um processo acelerado de reversão
neocolonial.”
Escolha das
empresas
Artur
Cardoso justifica a escolha da Vale, Gerdau, JBS e Cosan por serem líderes em
seus setores de atuação, e áreas nas quais o Brasil ocupa papel importante no
mundo. “Na mineração, a Vale, privatizada há mais de dez anos, vem comprando
minas em outros países num processo de internacionalização recente; na
siderurgia, a Gerdau começou a adquirir usinas no exterior nos anos 80 e é
líder das Américas em aços longos (básicos na construção); a JBS, dona da marca
Friboi, tornou-se uma gigante global depois de comprar a Swift americana em
2007; e a Cosan, que tem origem no setor sucroalcooleiro, é uma exceção com
atuação internacional mais pontual, mas que vem se diversificando nos últimos
anos.”
Na
opinião do economista, as características destes grupos espelham o que o Brasil
tem se tornado com a reprimarização [venda de produtos primários: da mineração, da agricultura e pecuária] da pauta de exportações induzida pelo boom
de commodities [grande procura e venda de mercadorias in natura: soja, minérios, açúcar, carne etc.], por causa sobretudo da China. “Fatores alheios ao país fazem
com que estas empresas, que já eram grandes, se tornem ainda mais importantes.
No entanto, elas não controlam a incorporação do progresso técnico para aumento
da produtividade; simplesmente compram os pacotes tecnológicos. A Cosan e a
JBS, grandes exportadores de açúcar e de carne, atuam basicamente no controle
da terra e do trabalho barato, além de exercer influência política local,
regional e mesmo nacional. Um problema é que, embora essas empresas movimentem
muito dinheiro, ficam com uma margem bem menor do que aquela distribuída ao
longo da cadeia.”
Segundo
Artur Cardoso, a dinâmica da Vale e da Gerdau é um pouco diferente, a começar
pela mineradora, que parece assentada sobre uma mina de ouro, no caso, de
minério de ferro da melhor qualidade. “Por conta das variáveis externas, o
preço da tonelada de minério pode dobrar em poucos anos, enquanto o gasto da
Vale com pessoal, maquinário e extração seria o mesmo – há um excedente
econômico gigantesco [lucro]. Este excedente, porém, passou a ser pulverizado após a
privatização, entre milhares de acionistas e alguns controladores privados que
querem aumentar o negócio da mineração independentemente dos custos sociais e
ambientais. Se este excedente estivesse nas mãos do Estado, poderia ser
colocado a serviço do desenvolvimento nacional.”
A
Gerdau, como explica o autor da dissertação, é uma indústria de transformação,
teoricamente capaz de incorporar tecnologia nova e agregar valor ao seu
produto, mas que se insere em projetos de infraestrutura caracterizados por um
padrão de acumulação dependente e subdesenvolvido. “É bom que existam grandes
siderúrgicas no país, pois formam a base do setor industrial. A questão, no
plano mundial, é que a Gerdau disputa um mercado saturado: depois da ascensão
da China e da crise de 2008, há uma grande capacidade ociosa e uma acirrada
concorrência que dita o limite de preços. Ou seja, ao mesmo tempo em que sobe o
preço do minério de ferro, os preços do aço estão contidos pela concorrência.”
Criação de mercados
Cardoso
atenta para o fato de que, diante da pequena margem de manobra, estes grupos
econômicos dependem de financiamentos e da criação de mercado pelo governo
brasileiro. “Para conseguir comprar a Swift americana, a JBS recebeu um aporte
fenomenal do BNDES, sem que víssemos a empresa investir em tecnologia ou obter
ganho em escala [ao elevar o volume de produção, o custo para fazer cada item diminui] para a diversificação, como em melhoramento genético ou
vacinas. O BNDES, a propósito, é sócio da Vale e acionista da Gerdau e da JBS,
além de ter concedido empréstimo subsidiado à Cosan. E a contrapartida desses
grupos para o conjunto da economia brasileira é baixíssima.”
A
dependência destas empresas do capital internacional também é frisada pelo
economista, que acusa casos de financiamento obtidos diretamente nos EUA,
lançando títulos de dívida. “O interesse dos investidores estrangeiros nestes
setores é que, apesar da margem pequena, ainda são lucrativos. A dependência
faz com que as empresas criem vínculos não só em termos de endividamento, mas
também em associações: as quatro, associadas a outras empresas, mantêm
operações no exterior. No fundo, elas não atuam como capital nacional e sim
como capital internacional, sem compromisso com o crescimento do mercado
interno e vendendo cada vez mais para o mercado externo.”
Na
opinião de Artur Cardoso, um caso exemplar de associação é da Cosan que, tendo
se tornado a maior usina do mundo, dela se esperava que procurasse dominar o
mercado do etanol, controlando também a sua comercialização. “De fato, a Cosan
comprou os ativos da Esso (que deixou o Brasil) e, com a rede de postos,
diminuiu o problema da pequena margem na produção do etanol. Mas, dois anos
depois, selou associação com a Shell, formando a Raízen – uma joint venture [ significa a união de duas ou mais empresas já existentes com o objetivo de iniciar ou realizar uma atividade econômica comum, por um determinado período de tempo] com
50% de capital de cada parte. Nos termos do acordo, a sócia anglo-holandesa
terá opção de compra da Raízen após dez anos, e mesmo diante de uma recusa da
Cosan, poderá assumir o controle adquirindo mais 25%; e, passados mais cinco
anos, garantirá a opção de compra total. Cito no trabalho a observação de um
analista financeiro de que isso mais parece uma operação de venda que de
associação.”
Megaoperação de especulação
Outra
conclusão do economista é que estas operações vão revelando a lógica
profundamente especulativa e rentista pelo menos dos grupos estudados – “não me
atrevo a extrapolar para outros setores” –, que reproduzem relações históricas
da economia brasileira. “Se tomarmos uma empresa como a Cosan e um senhor de
engenho, o padrão de relacionamento é idêntico: o senhor de engenho tinha um
negócio mundial, exportando para os mercados mais dinâmicos da época (a Europa
crescente); era financiado por capitais estrangeiros fortes, como dos
holandeses; detinha uma tecnologia então de ponta para produção de açúcar em
grande escala; e, embora ficasse com uma margem de lucro pequena, detinha o
controle de terra e do trabalho escravo.”
Para
Artur Cardoso, o que estamos assistindo nas últimas décadas é a desestruturação
da base material que permitiria algum progresso econômico, com mais empregos e
de melhor qualidade, maiores salários, incremento do mercado interno,
arrecadação tributária para políticas sociais e respeito ao meio ambiente.
“Todos esses aspectos do desenvolvimento estarão em xeque enquanto dependermos
de uma burguesia como a retratada no estudo, constituída por empresas que não
estejam correspondendo a um projeto de nação. Na verdade, é uma burguesia de
negócios. As burguesias do mundo inteiro fazem negócios, mas também fazem um
Estado forte, inovação tecnológica, competição. No Brasil, ao que parece, só
fazem negócios, qualquer negócio.”
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