SAÚDE NO BRASIL: UMA VERGONHA
Editorial
O
fechamento do pronto-socorro da Santa
Casa de São Paulo - o maior da maior cidade do País - é a dramática demonstração do desleixo e da irresponsabilidade com que
o poder público, em todos os seus níveis, trata a saúde, setor que dele
recebe sempre muito menos do que precisa para se manter. Esse era o desfecho
mais do que previsível, diante do aprofundamento contínuo da crise que a Santa
Casa enfrenta há vários anos, e por isso soam falsas - para dizer o mínimo - as
queixas dos governos federal, estadual e municipal, de que não foram avisados
da medida extrema.
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Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SP) |
Só não viu o que ia fatalmente
acontecer - e que prejudica as 1,2 mil pessoas que em média procuram
diariamente o pronto-socorro - quem não quis. E o que aconteceu é simples.
Faltaram medicamentos e materiais os mais diversos - itens básicos como
seringas, cateteres e luvas - indispensáveis ao funcionamento da unidade, que
fornecedores deixaram de entregar quando a dívida da Santa Casa com eles chegou
a R$ 50 milhões.
A instituição preferiu assegurar,
com o pequeno estoque de insumos que ainda lhe resta, o atendimento de 700
pacientes internados no setor de emergência e mais 100 que já se encontravam à
espera de atendimento do que aceitar novos pacientes aos quais seria impossível
dar tratamento adequado. É uma atitude que qualquer administrador minimamente
responsável tomaria. O provedor da Santa Casa, Kalil Rocha Abdalla, alega com
razão que a situação se tornou insustentável, porque os repasses recebidos pela
instituição dos governos federal e estadual não cobrem os custos dos
atendimentos do SUS [Sistema Único de Saúde].
Segundo ele, a Santa Casa recebe
hoje R$ 20 milhões mensais, quando seriam necessários cerca de R$ 34 milhões.
"No pronto-socorro central, por exemplo, temos 100 leitos e operamos
sempre com cerca de 60 pacientes a mais, em macas no corredor, pelos quais não
recebemos um centavo", afirma Rocha Abdalla. Não há exagero no que ele
diz. Na terça-feira, depois do anúncio da medida, a reportagem do Estado entrou
no pronto-socorro e viu 46 pacientes sendo atendidos no corredor, um terço dos
quais esperava ali há três dias por um leito regular.
O provedor esclarece que o
fechamento do pronto-socorro não tem ligação com a dívida total da Santa Casa,
de mais de R$ 300 milhões, que está sendo renegociada, mas apenas com a dívida
de R$ 50 milhões com os fornecedores. E que nos últimos meses ligou várias
vezes para os secretários municipal e estadual de Saúde avisando sobre a
situação, "mas parece que ninguém acreditava".
Um dos aspectos mais lamentáveis
dessa triste história é que, quando o inevitável e anunciado aconteceu, os
governos federal e estadual - assustados com a péssima repercussão da medida -
resolveram inverter espertamente as posições, jogando nas costas da Santa Casa
uma responsabilidade que é inteiramente deles. O Ministério da Saúde fala em
atitude "unilateral" e alega que vem repassando recursos extras à
instituição. Pura demagogia.
A Secretaria Estadual da Saúde, por
sua vez, resolveu liberar imediatamente R$ 3 milhões para que a Santa Casa
reabra o pronto-socorro, o que só acontecerá, é claro, se os fornecedores
aceitarem esse ridículo adiantamento de 6% da dívida de R$ 50 milhões. E o
secretário David Uip ainda tem o desplante de exigir em troca uma auditoria nas
contas da Santa Casa. O que lhe cabe, em vez de pôr em dúvida a lisura ou a
competência da instituição, é fazer um mea culpa por não lhe ter dado ajuda
maior, o que é obrigação do governo, já que seus serviços de pronto-socorro não
dão conta do recado sozinhos.
A responsabilidade do governo
federal é ainda maior, porque na raiz da crise das Santas Casas, a começar pela
de São Paulo, e dos hospitais filantrópicos em geral, está - como há muito é
sabido, mas não custa repetir - a defasagem da tabela de procedimentos do SUS,
que cobre apenas 60% dos custos. Com os restantes 40% eles que "se
virem". Essa é a principal causa do endividamento e da crise dessas
instituições, responsáveis por 45% dos atendimentos do SUS.
Tirar as Santas Casas da crise, da
qual o fechamento do pronto-socorro da de São Paulo é apenas o sintoma mais
alarmante, é condição essencial para salvar o próprio sistema de saúde pública.
Fonte:
O Estado de S. Paulo – Notas e Informações – Quinta-feira, 24 de julho
de 2014 – Pg. A3 – Internet: clique aqui.
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