«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A palavra do ano de 2016

QUEDA

Luiz Zanin Oricchio*

A que melhor representa uma dúzia de meses de tombos, do ser político
brasileiro à autoestima geral, não poderia ser outra: queda

Com tanto baixo astral, a palavra do ano só poderia ser “queda”.

Caiu uma presidente, caíram ministros de quem a derrubou, caiu o PIB, caiu o nível de emprego, caíram máscaras; caiu para a segunda divisão um dos grandes do futebol brasileiro, o Internacional, e, na maior tragédia aérea do nosso esporte, caiu o avião que transportava jornalistas e o time da Chapecoense para a partida mais importante da sua história. Quedas sobre quedas: que ano! Não à toa os brasileiros chegam ao seu fim caindo pelas tabelas.

A queda é “o ato ou efeito de cair” (Houaiss), do latim “cadere” e implica quase sempre sentido negativo. O último verso do Inferno de Dante, e que tanto encantou Jorge Luis Borges, diz: “E caddi come corpo morto cade” (“E caí como corpo morto cai”). Verso que, provavelmente, inspirou o título em português da obra-prima de Hitchcock, Vertigo: Um Corpo que Cai. Fala-se na “Queda” assim, com maiúscula, para designar a expulsão do Paraíso, quando Adão e Eva desafiaram o Criador ao provar do fruto proibido. Adão foi condenado a ganhar a vida com o suor do rosto e Eva a parir em meio à dor. Esse é o nosso mito fundador, pelo menos da parte ocidental cristã da humanidade. A Queda, o Paraíso Perdido, o Éden que em vão tentamos recuperar no mundo imperfeito dos homens.

De certa forma, o Brasil repete a mitologia e a nega. O imaginário europeu consagrou o País como uma espécie de paraíso na Terra. “Em se plantando tudo dá”, garantiu o primeiro cronista, Pero Vaz de Caminha, encantado com a fertilidade do solo e com a beleza sem pudor dos habitantes originais. A fama se firmou ao longo dos séculos. Aquele era um país pobre, cheio de problemas, mas também povoado por gente feliz e acolhedora, praias maravilhosas, florestas a perder de vista, rios imensos de água pura. Livre do frio e de calores extremos, sem terremotos, sem vulcões, sem grandes conflitos. Um país de povo criativo, músicos geniais, e que celebram a festa coletiva do Carnaval como nenhum outro. Alguns estrangeiros ainda pensam assim. Nós não pensamos mais. Já fazia algum tempo, aliás. Mas 2016 foi o ano da queda definitiva do mito do Homo Brasilis.

Quem se acostumou à ideia ingênua do “Homem Cordial”, leitura superficial de Raízes do Brasil, o livro de Sérgio Buarque de Holanda, com certeza sofreu um choque ao presenciar a carnificina ostentatória:
* nas redes sociais,
* as brigas de trânsito,
* os enfrentamentos renhidos em manifestações de rua.
A nação dividiu-se. Odiou-se. Já estava dividida, mas em 2016 o racha aprofundou-se. Caiu de vez a ideia de que conseguimos administrar nossos conflitos com jeitinho e jogo de cintura, que seríamos o povo da conciliação. O vale-tudo generalizou-se e hoje é tão perigoso sair à rua com a camisa de uma agremiação política como é passear com a camiseta do seu clube em redutos adversários.

A tolerância em relação ao outro fazia parte da nossa autoimagem, enganosa talvez, mas muito agradável de sentir e vender no exterior.

Essa ilusão caiu, junto com outras. Somos tão intolerantes com o diferente como outros povos. Talvez até piores, pois, por tradição acomodatícia, disfarçamos essa intolerância, inclusive a racial. Aqui queimamos os documentos da escravidão para não poluir a nossa História, mas olhamos de esguelha atitudes compensatórias em benefício dos carentes ou injustiçados.

A virtude possível dessa queda das ilusões seria a de colocar tudo à luz do dia, soltar os fantasmas, abrir a caixa de Pandora, vermos a nós mesmos sem os espelhos deformantes da autoilusão. Por exemplo, quem assistiu à sessão de 17/4 da Câmara dos Deputados na abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, não tem qualquer direito de alimentar fantasias a respeito do ser político brasileiro. São aquilo que são. E foram eleitos por nós. A sessão, vale lembrar, foi comandada pelo notório (já na época) Eduardo Cunha, que por fim caiu e hoje está preso. Tudo isso é um imenso e constrangedor espelho que se oferece a nós.

Mas convém não supervalorizar o fim das ilusões como forma de aprendizado. Não à toa, a palavra queda designa também decadência. Um clássico como “The Decline and Fall of the Roman Empire”, de Edward Gibbons, é traduzido entre nós como Declínio e Queda do Império Romano (ótima versão de José Paulo Paes). Assim, os tombos sucessivos de 2016 podem não indicar que atingimos olhar adulto e realista sobre nós mesmos, mas que entramos em processo irreversível de decadência. Uma espécie de envelhecimento prematuro, em que iríamos da infância à senilidade sem passar pela idade adulta.
Luiz Zanin Oricchio
Jornalista e autor deste artigo

É o que sinto quando ouço falar da “jovem democracia brasileira”, púbere e decrépita ao mesmo tempo. Porque se alguma coisa os tropeços de 2016 nos ensinam é que quem fala o tempo todo em democracia em geral mostra pouquíssimo espírito democrático. Nossa história republicana é uma sucessão de golpes e quarteladas. Quando se fala em “jovem democracia” é porque essa ideia jamais pôde ser plantada e enraizar-se de fato em corações e mentes brasileiros, por força de interrupções várias, viradas de mesa e expedientes espertos para deturpar a soberania da vontade popular e colocá-la a serviço de interesses outros. Neste ano, os saudosos da ditadura militar mostraram a cara e se exibiram em praça pública. Podem não representar maioria, mas são sintoma de que ideias democráticas não fazem parte do DNA nacional. Aqui, a democracia é uma espécie de “ideia fora do lugar”, para usar a expressão de Roberto Schwarz.

Na hipótese favorável, este ano de tombos pode ser uma janela de oportunidade para o brasileiro cair em si e recomeçar. Não do zero, que isso é impossível, mas de algum ponto concreto e palpável que lhe permita vislumbrar a imensa tarefa de construir uma democracia de fato e não uma mera formalidade jurídica.

* LUIZ ZANIN ORICCHIO, jornalista e crítico de cinema. Autor, entre outros livros, de Cinema de Novo - Um Balanço Crítico da Retomada (Estação Liberdade)

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 1 de janeiro de 2017 – Pág. E2 – Internet: clique http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,a-palavra-que-melhor-representa-um-2016-de-tombos-nao-poderia-ser-outra-queda,10000096310.

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