«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Entenda a crise financeira dos Estados no Brasil

CRISE FINANCEIRA DOS ESTADOS: UM SINTOMA

Valdemir Pires*

Crise dos estados?
Não, crise das finanças públicas e do federalismo fiscal no Brasil,
em que pesem as especificidades de cada um dos entes federativos
e a idiossincrasia de cada gestão. Provocada pela desaceleração econômica?
Não, apenas agravada por ela

As finanças públicas brasileiras estão enfrentando um momento delicadíssimo. Ninguém sabe ao certo como o desequilíbrio fiscal poderá ser solucionado. Pelo lado da receita, a resistência dos que podem pagar mais a uma reforma tributária capaz de aumentar a carga, reduzindo a regressividade do sistema tributário (maior ônus sobre os pobres), é histórica e goza, no atual governo, de amplo apoio. Pelo lado da despesa, todos os cortes significativos (excluindo juros e serviço da dívida, como está estabelecido) recaem sobre áreas socialmente sensíveis (previdência, saúde, educação) ou economicamente inconvenientes (investimentos em infraestrutura). Adicionalmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe limites aos gastos públicos e exige procedimentos de gestão orçamentária e financeira que dificilmente poderão ser respeitados sob receitas minguantes.

O desequilíbrio fiscal que ora se enfrenta andou escondido sob o tapete no período de “vacas gordas” da receita pública, que vai aproximadamente de 2003 a 2008. Nesse ano de fatídica lembrança, a “galinha dos ovos de ouro” das finanças públicas parou: a crise financeira global de 2008 atingiu o país, que resistiu com políticas anticíclicas até não mais poder, apostando no fim da crise, que ainda não veio.

O que se denomina agora crise financeira dos estados – Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais à frente – é apenas uma das facetas do problema geral de incapacidade de arrecadar quando a economia vai mal, caindo a produção, o emprego e as vendas, fatos geradores da maior fatia da receita pública no país. A vez dos municípios virá já, já, em persistindo os elementos centrais da conjuntura econômica.

Ainda como elemento que atinge os estados, mas a partir do ambiente econômico e político geral, está a Constituição de 1988, que gerou direitos para os cidadãos e deveres para os governos, em seus diversos níveis, que puderam ser atendidos (embora parcialmente) enquanto a economia conseguiu gerar renda, inclusive pública – por meio de tributos –, para sustentar as despesas inerentes.

Atualmente, todos os governos – estaduais incluídos – estão com menos dinheiro em caixa e com menores possibilidades de arrecadação futura; ao mesmo tempo, estão diante do sufoco de sustentar os custos de uma estrutura que ampliaram quando a receita pública cresceu, junto com o PIB, para atender ao que estabeleceu a “Constituição Cidadã” e para recompor as estruturas estatais que haviam minguado no período 1990-2000 (reformas do Estado, aposentadorias aceleradas para fugir às mudanças da previdência etc.).

Os estados não têm como conseguir receita adicional, não podem se endividar mais, já não dispõem de bancos próprios para encontrar soluções “criativas”, terão dificuldades para realizar cortes de despesas e, por fim, estão com a corda da Lei de Responsabilidade Fiscal no pescoço, além da PEC 257, que limita a renegociação da dívida. Em resumo: estão atravessando a linha férrea e o trem está chegando velozmente, apitando.

A gravidade da situação é imensa. Seria menor sem a crise econômica atual, mas, ainda assim, não seria confortável. O país acumula problemas no campo fiscal, inclusive em seu desenho federativo. O jogo de empurra-empurra entre União, estados e municípios é antigo, para atender ao que a Constituição de 1988 impõe aos governos. Nessa queda de braço, o federalismo fiscal brasileiro (o desenho institucional que distribui recursos e atribuições entre os entes federativos e estabelece um sistema de transferências intergovernamentais entre eles, para equacionar as diferenças entre competências tributárias e suficiência financeira e para promover medidas redistributivas) está deteriorado, eivado de distorções e decisões imediatistas unilaterais que colocam União, estados e municípios em condições subótimas para operar.
Manifestações de servidores públicos tanto estaduais quanto municipais se tornarão cada vez mais comuns!

Perguntas pertinentes

* Até quando o país conviverá com “guerras fiscais” que reduzem o potencial de arrecadação total por meio da disputa entre governos estaduais por plantas industriais?
* Até quando desonerações continuarão sendo praticadas sem benefício público claramente identificável?
* Até quando o governo federal continuará renovando a Desvinculação de Receitas da União (DRU) para transferir menos do que deve aos estados e municípios?
* Até quando a maioria dos municípios continuará sendo sustentada placidamente com recursos da União e sem capacidade nenhuma para investir?
* Até quando estados permanecerão como entes que não são devidamente cobrados nas relações federativas porque, por um lado, não têm os grandes poderes da União e, por outro, não estão cara a cara com os cidadãos, como os municípios?
* Até quando a gestão orçamentária e financeira no Brasil continuará esperando por crises econômicas severas para atentar para a inadequação de seu sistema tributário, de sua estrutura de gastos estatais e de sua organização federativa?

Crise dos estados?

Não, crise das finanças públicas e do federalismo fiscal no Brasil, em que pesem as especificidades de cada um dos entes federativos e a idiossincrasia de cada gestão. Provocada pela desaceleração econômica? Não, apenas agravada por ela.

Neste momento chamam atenção os casos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, que não são pobres. Em breve, aparecerão Goiás, Espírito Santo, Minas…

E o poderoso estado de São Paulo? Anda bem? Não, certamente não. Tenta há tempos resolver o problema com aposentadorias, por meio da SPPrev, mas apenas engatinha. Seu Iamspe (atenção à saúde dos servidores) perdeu funcionalidade. Meses atrás, o famoso Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (Cepam) foi extinto, assim como a Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), sob justificativas orçamentárias. Tenta uma reforma no ensino médio que, em linhas gerais, fecha escolas (sob resistência do movimento estudantil). O repasse de recursos ao sistema de ensino superior e de pesquisa (USP, Unicamp, Unesp, Fapesp) está congelado, em termos de percentual do ICMS – os serviços e vagas expandiram-se ao sabor do crescimento da arrecadação, nos últimos anos, mas agora terão de ser mantidos com menos, a não ser que o percentual sobre o ICMS aumente, atingindo a casa dos dois dígitos. Ou seja, São Paulo ainda está com seus problemas debaixo do tapete, mas eles existem e são sérios. Nas negociações salariais de 2016, fortes greves não lograram êxito nas universidades: USP e Unicamp conseguiram rasteiros 3% de reajuste; Unesp ficou com zero, sendo pela primeira vez quebrada a isonomia entre as três universidades públicas paulistas.

Como a crise dos estados é, em sua maior parte, decorrente da crise das finanças públicas no Brasil, trazida à tona pela queda abrupta das receitas públicas provocada pela retração da atividade econômica, sua solução a curto e médio prazo depende, basicamente, de uma política econômica do governo central que aponte para a retomada do crescimento e, a longo prazo, de uma reforma tributária e previdenciária (preferencialmente marcadas por progressividade), de uma maior responsabilidade social na definição das prioridades orçamentárias e de um rearranjo federativo que defina mais adequadamente receitas e funções das unidades federativas. Requisitos – estes de longo prazo –, claro, altamente densos em articulações, negociações e política, que não andam bem, diante da crise ora instalada no país, entre poderes, governantes, partidos.

Em curto prazo, o quadro também não é dos melhores. Propostas como a PEC 241 (agora 55), com seu “novo regime fiscal” (novo em quê?, há que se perguntar, pois só acirra o que já estava estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal), vão na direção contrária da recuperação econômica, tendendo a aprofundar a crise, da qual a calamidade instalada no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul é apenas a primeira – e talvez amena – amostra.

Os governadores que apoiam a PEC 241 (agora 55) estão dando um tiro nos próprios pés, e um tiro daqueles de arrancar os pés. Não adiantará, depois, reivindicar sapatos menos apertados. Assim como eles estarão correndo a Brasília nos próximos meses, procurando saída em quintal mais amplo, os prefeitos começarão a procurá-los, nas respectivas capitais, com mais frequência e menos boa vontade, assim que a onda de desequilíbrio financeiro crescer. E discursos como reforma do Estado, choque de gestão e que tais esbarrarão numa constatação elementar: não há corte nem aumento de produtividade capazes de economizar o suficiente para bancar, a taxas de juros estratosféricas, uma dívida pública que consome quase metade do orçamento federal.
Governadores dos estados reunidos com o Presidente Michel Temer (Setembro/2016)
Fato que se tornará cada vez mais frequente com a crise!

Perguntas aos governadores dos estados

* O que poderão fazer os governadores para conviver com a crise, até que se resolva?
* Nem eles nem ninguém sabem. Pagar a todos, não podem. Demitir funcionários, podem? Há controvérsias: os concursados têm direitos adquiridos; a Lei de Responsabilidade Fiscal abre brechas para demissões.
* O governo pode deixar de oferecer serviços públicos? Mas, se já não oferece o suficiente…
* Como lidarão com greves de funcionários públicos sem reajustes ou, pior, sem salários pagos em dia?
* Como resistirão às pressões dos próprios cidadãos-eleitores-contribuintes usuários/demandantes de serviços e políticas públicas?
* Não seria a crise financeira dos estados o ponto inicial de uma ingovernabilidade que já se suspeita?

Eis que o assunto transborda da crise fiscal estrutural, primeiramente vista como conjuntural (tirada debaixo do tapete pela queda do PIB), para a crise econômica e política em que o país está encalacrado desde o início do governo Dilma. E deixa em aberto a questão: a saída será econômica ou política?

a) Se for econômica, vai depender da retomada do crescimento na economia mundial: quando virá?
b) Se for política, vai depender da capacidade dos atores políticos relevantes de urdir um novo pacto para a governabilidade, ou da pressão das ruas (que vem se revelando insuficiente).

Quando ninguém tem respostas, elas têm de ser buscadas no debate.

Quando ninguém tem soluções, elas têm de ser buscadas nas negociações e articulações.

Será que ainda sabemos encetar essas buscas coletivas? Em que medida os governadores, com seus poderes e liderança, podem contribuir para que a resposta a essa pergunta seja coletiva?

* VALDEMIR PIRES é economista, professor de Finanças Públicas e Orçamento e líder do Grupo de Pesquisa sobre Controle Social do Gasto Público da Unesp/FCL-Araraquara (SP).

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Ano 10 – Número 114 – Janeiro 2017 – Págs. 18-19 – Internet: clique aqui.

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