O reino da irresponsabilidade e libertinagem

JOVENS CAMICASES

Giulia Vidale

Cresce o número de adolescentes que fazem sexo sem preservativo,
numa perigosa mudança comportamental.
O hábito fez aumentar os casos de AIDS e sífilis no Brasil

Era uma vez, nos idos dos anos 80 e 90 do século passado, uma doença, a AIDS, que no rastro de sua dramática expansão impôs mudanças abissais no comportamento sexual – o medo da contaminação fez reduzir o número de parceiros e levou às carteiras e bolsas o preservativo, item que rapidamente virou peça obrigatória para uma geração que entrava na idade adulta.

Bastou que a epidemia fosse controlada – à exceção de bolsos paupérrimos da África – e que os medicamentos antirretrovirais tivessem ampla distribuição para o pavor recuar. E, no vácuo desse recuo, veio o desleixo nos necessários cuidados. É o ponto no qual estamos.
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) feita com mais de 100.000 alunos do 9º ano do ensino fundamental, entre 13 e 15 anos, mostra que, em 2015, 66% tinham usado camisinha na última relação sexual – uma redução preocupante em relação a 2012, quando 75%revelaram ter posto o objeto de látex.

É natural que as pessoas se comportem de modo diferente a cada boa ou má onda de notícias relacionadas à saúde – se a AIDS freou, por que não alterar a toada de vida? De 2010 para 2015, segundo a Organização das Nações Unidas, o número de mortes anuais em decorrência do HIV caiu de 1,5 milhão para 1,1 milhão. A taxa de novas infecções foi de 2,2 milhões a cada doze meses para 2,1 milhões. No mesmo período, os portadores do vírus em tratamento com os coquetéis antirretrovirais saltaram de 7,5 milhões para 17 milhões.

Nessa maré otimista, deu-se um relaxamento que não poderia ter acontecido, por ser perigoso. Prevenção é tudo. Diz o infectologista Artur Timerman, do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, um dos grandes investigadores do tema: «Os jovens estão deixando de se cuidar porque simplesmente não temem as doenças transmitidas pelo sexo».

O dado assustador: o número de mortes globais em consequência da AIDS cai exponencialmente em todas as faixas etárias, à exceção dos adolescentes entre 15 e 19 anos. No Brasil, os casos de AIDS nesse grupo cresceram de 2,8 para cada 100.000 habitantes em 2006 para 5,8 a cada 100.000 pessoas em 2015.

Hoje, quem está acima da faixa dos 50 anos e conviveu com a devastadora epidemia de HIV em sua gênese, nos anos 80, conhece os danos da doença e comporta-se de modo responsável. Os que iniciaram há pouco tempo a vida sexual cresceram depois do surgimento das terapias que mantêm o paciente com uma vida relativamente normal durante anos – estes não se incomodam tanto.

A sensação de segurança dos jovens foi recentemente reforçada com a chegada de um tratamento profilático para o vírus HIV. Lançado no país em 2015, o remédio Truvada, se ingerido antes da relação sexual, promete reduzir em 90% o risco de contaminação pelo HIV.

As reviravoltas comportamentais nunca ocorrem impunemente, e não há aqui moralismo algum. A conta parece estar chegando, com o recrudescimento da AIDS e também de outras doenças sexualmente transmissíveis. A incidência de sífilis cresceu 260% nos últimos cinco anos no Brasil. Com a agravante de 30% dos doentes não se cuidarem por desconhecimento da doença, 5% morrem sem tratamento.

A situação é frágil como a puberdade.

Fonte: Revista VEJA – Edição 2514 – Ano 50 – Nº 4 – 25 de janeiro de 2017 – Págs. 92-93 – Edição impressa.

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