«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo: o que não nos contam?

Charlie Hebdo e a moral dupla do Ocidente

Rennan Martins

Capa da edição que estará nas bancas nesta quarta-feira (14/01/2015)
A França e o mundo assistiram em choque o ataque de extremistas à redação do semanário satírico Charlie Hebdo. Armados de fuzis AK-47, dois homens que o governo francês alega serem franco argelinos invadiram a sede da publicação por volta das 11:30 locais e assassinaram oito jornalistas, dois policiais, um visitante e um transeunte que se encontrava nas imediações do prédio.

No momento que traço estas linhas a imprensa corporativa dá ampla cobertura ao cerco que a polícia francesa fez a fábrica onde dizem estar os suspeitos com reféns. A ostensiva busca realizada nas horas subsequentes mobilizou 88.000 homens das forças de segurança.

Conhecida por um humor corrosivo e politicamente incorreto, Charlie Hebdo possui cerca de três décadas de história na qual publicou charges que atingem e por vezes ofendem a diversos setores da sociedade. Apesar de ligada à extrema-esquerda, a revista muitas vezes se alinhou à pura intolerância em desenhos islamófobos e antiminorias.

Independente do quão desrespeitosos e ofensivos eram os cartoons, é fundamental deixar claro que este atentado é injustificável, monstruoso e que só alimenta ainda mais a violência. Essencial também é lembrar que o terrorismo islâmico [expressão inexata!] mata, sobretudo, os próprios muçulmanos. Em entrevista à Revista Fórum, o professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Reginaldo Nasser, explana:

“No ano passado, foram 18 mil pessoas mortas no mundo por atentados terroristas – são dados oficiais. Quantas pessoas morreram na Europa? Nenhuma. Quantos atos terroristas foram praticados por islâmicos na Europa? Nenhum. Houve vários atentados terroristas na Europa, classificados oficialmente como terrorismo, a grande maioria atribuída a grupos separatistas, e nenhum islâmico. Há um exagero da ameaça islâmica. Há muito preconceito e pouca informação.”

Preocupante, no entanto, é a postura das lideranças ocidentais e a narrativa promovida pela imprensa hegemônica. A abordagem das autoridades e dos veículos evidencia o quão hipócrita e circunstancial é a moral em voga.

Todo o teatro teve reinício e mais uma vez se fala nos EUA [Estados Unidos da América] e aliados como baluartes da democracia e justiça, restando ao “mundo islâmico” o papel de povo que inveja nossas “liberdades”. A Globo News gasta longos minutos falando de controle de fronteiras, fazendo o jogo fácil de colar na testa do estrangeiro a alcunha de mal. Ora, os suspeitos Chérif e Said Kouachi nasceram na França, são apenas descendentes de árabes. No que o recrudescimento da fiscalização auxiliaria?

É preciso evidenciar os dois pesos e medidas com que a OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] trata o terrorismo, o uso político que fazem do fenômeno. A população tem o direito de saber que o ocidente tem parte e alimenta o terror quando este convém a seus objetivos geopolíticos.

A Al Qaeda era insignificante até serem financiados e treinados, ainda nos anos 1980, pela inteligência norte-americana. Enquanto as ações do talibã serviam aos interesses de desestabilizar o arquirrival, à época a URSS [União das Repúblicas Socialistas Soviéticas], Bin Laden era retratado como guerreiro da liberdade.

A grande mídia não é exemplo de independência, pratica autocensura e até mesmo espalha mentiras quando estas servem ao Poder. Não nos esqueçamos que a Guerra no Iraque foi legitimada por diversos boatos sobre inexistentes armas de destruição em massa amplamente veiculados por nossos “jornalistas”. Esta intervenção vitimou mais de 110.000 civis.

O Estado Islâmico ganhou poderio e atualmente se consolida, mas somente teve condições para isso após os EUA e as monarquias sunitas locais os financiarem largamente no intuito de que a desestabilização promovida gerasse dividendos geopolíticos e econômicos. O EI só se tornou uma ameaça à civilização após passarem a atuar em regiões inconvenientes.

No mesmo dia do ataque à Charlie Hebdo, a Agência Efe informa que os jihadistas do Boko Haram mataram centenas de pessoas na cidade de Baga, nordeste da Nigéria. Onde estão o repúdio e horror das autoridades? As vítimas nigerianas são de menor valor?

A sociedade civil precisa abrir os olhos e se mobilizar para impedir que esse atentado seja instrumentalizado pela extrema-direita, que já se movimenta para avançar na agenda bélica e xenófoba [que ou quem manifesta aversão aos estrangeiros, ou à cultura estrangeira]. Como diz o brilhante professor Chomsky, a melhor forma do ocidente combater o terrorismo é deixar de promovê-lo.

Fonte: Blog dos Desenvolvimentistas – Vila Velha (ES), 9 de janeiro de 2015 – Internet: clique aqui.
 
Ser ou não ser (Charlie)
 
Osvaldo Coggiola*
Osvaldo Coggiola - professor do Departamento de História da FFLCH/USP
 
Em 1998, Zinedine Zidane conduzia a seleção francesa de futebol à sua primeira conquista da Copa do Mundo, em Paris. O craque francês de origem argelina integrava um time histórico (também venceu a Eurocopa de 2000) com Didier Deschamps, Emmanuel Petit (nomes mais franceses, impossível), o ghanês Odenkey Addy Abbey (mais conhecido como Marcel Desailly), Lilian Thuram, também de origem africana subsaariana, Robert Pirès (que, se tivesse nascido no país que seus pais abandonaram a procura de trabalho, teria se chamado simplesmente Roberto Pires, e envergado a casaca cor de vinho também usada por Cristiano Ronaldo). A França e o mundo celebraram, na maior conquista esportiva de sua história, a vitória definitiva, no país do hexágono, de uma sociedade multiétnica e multicultural reconciliada consigo própria. O estraga-prazeres que ousou apontar que o time galo mais parecia um catálogo futebolístico do antigo império colonial francês recebeu, discretamente, não uma taça, mas uma garrafada de champanhe na cabeça.
 
Menos de sete anos depois, em 27 de outubro de 2005, após a perseguição pela polícia, seguida de morte, dos jovens franceses descendentes de africanos Bouna Traoré e Zyed Benna, que fugiam de uma das habituais blitz policiais contra jovens não brancos das banlieues [periferias], entraram em um terreno fechado, pertencente à EDF (companhia de eletricidade), refugiando-se dentro de uma edificação onde havia instalações elétricas, onde morreram eletrocutados (um terceiro, Muhittin Altun, sofreu queimaduras graves). Pouco depois, começaram os confrontos em Chêne-Pointu, entre grupos de jovens e a polícia. A revolta se espalhou rapidamente pela periferia de Paris e de outras cidades da França, instaurando-se o estado de emergência em 25 departamentos, a partir de 8 de novembro de 2005 até 4 de janeiro de 2006. Os distúrbios duraram dezenove noites consecutivas, até o dia 16 de novembro. Jovens indignados queimaram 8.970 carros e entraram em confrontos com a polícia francesa, foram presos 2.888 jovens e houve mais um morto. Em 17 de novembro a polícia declarou que a situação tinha sido “normalizada”. Certo Chérif Kouachi, rapper amador, foi posto na prisão.
 
Em 2011, os escritórios do semanário humorístico Charlie Hebdo, que tinha reproduzido as charges ofensivas sobre o profeta Maomé publicadas há pouco tempo no jornal dinamarquês Jyllands Posten (provocando manifestações de rua em repúdio em países árabes e/ou islâmicos) foram vítimas de um atentado a bomba, que provocou danos materiais, mas não vítimas. E, em novembro de 2013, a coluna sonora do filme francês “La Marche” dava a conhecer ao mundo um rap, “livremente” composto e cantado por vários conhecidos rappers franceses (Akhenaton, Disiz, Kool Shen e Nekfeu), em que o refrão solicitava, com alguma insistência, “um Auto da Fé contra esses cachorros de Charlie Hebdo”. Pouco tempo antes, Al Qaeda divulgara uma lista de condenados à morte (Fatwa), entre os que se encontrava o editor do semanário, Stéphane Charbonnier (ou “Charb”). Et que vive la liberte d’expression! [E viva a liberdade de expressão!].
 
Uma operação “profissional”

A 7 de janeiro de 2015, dois jovens (irmãos) franceses de origem árabe (e de declarada profissão de fé islâmica) decidiram invadir a sede de Charlie Hebdo, e realizar o pedido dos rappers, com meios mais modernos do que os outrora utilizados pelo frade Torquemada. Apresentados depois como profissionais altamente treinados em bases terroristas iemenitas e outros centros de treinamento do Oriente Médio, inicialmente erraram o endereço do jornal, que lhes foi revelado por acaso por uma das jornalistas do semanário que, nesse momento, se apresentava ao trabalho. Graças a isso, entraram e mataram quase todos os presentes na redação (onze pessoas), numa ação realizada com armas “sofisticadas” (como as que circulam em qualquer favela do Rio) e com “grande profissionalismo”, segundo jornais e comentaristas. Tão grande, que um dos jornalistas presentes salvou-se ao esconder-se… em baixo de uma mesa. Uma jornalista presente teve a vida perdoada “por ser mulher” (foi aconselhada a ler o Corão pelos assaltantes/assassinos), mas outra (Elsa Cayat, psicanalista) tinha sido previamente massacrada a pesar de possuir evidentemente a mesma condição.
 
[Continue lendo este longo, mas muitíssimo bem documentado e fundamentado artigo, clicando aqui - vale a pena!]

* Osvaldo Coggiola, argentino de nascimento, é professor titular de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP).
 
Fonte: blog da boitempo – Charlie Hebdo Especial – Publicado em 12/01/2015 – Internet: clique aqui.

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