«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

POR TRÁS DO "JE SUIS"

Entrevista com Paul Freston*

Marília de Camargo Cesar
Jornal VALOR ECONÔMICO
16-01-2015

Para ele, as marchas anti-islamismo na Europa realizadas nesta semana podem ser lidas como uma dificuldade de tolerar o multiculturalismo, mas também como uma estratégia que reforça o discurso contra a imigração.

Paul Freston
O crescimento do islamismo na Europa é visto por conservadores como uma ameaça a valores republicanos. Qual é sua opinião sobre esse debate?

Paul Freston: Existe uma preocupação exagerada por parte de certos setores da sociedade europeia e mesmo na americana. Há uma literatura de autores conservadores americanos que fazem uma leitura apocalíptica da situação, inclusive chamando-a de "Eurábia", fusão de Europa e Arábia, como se estivesse a caminho do pior tipo de radicalização.

Que autores defendem essa visão?

Paul Freston: Samuel Huntington [autor de "O Choque de Civilizações" – Ed. Objetiva, 1997], o católico conservador americano George Weigel e alguns autores europeus vão nessa linha. Essa visão tem vários senões. O medo se fundamenta em uma projeção demográfica de imigração continuada e fora de controle de países de maioria muçulmana e na ideia de que esses imigrantes têm taxa de fertilidade bem mais alta que a dos europeus nativos. Projeções como a de que no ano 2050 a França vai ter maioria muçulmana são questionáveis. A proporção de muçulmanos hoje no país, segundo estimativas diversas, não chega a 10%. De 10% para 50% é um salto enorme e improvável.

Outra questão: como se contam os muçulmanos? Qualquer imigrante ou descendente de imigrante de país muçulmano é contado como muçulmano. A pessoa não tem que se declarar muçulmana. Pode ser secularizada, indiferente, mas entra como muçulmana. Então, pode até se tornar uma profecia que se autorrealiza, pois, por causa do preconceito, muitos acabam se descobrindo muçulmanos, enquanto em seu país de origem não tinham o menor interesse em religião. Acabam criando uma identidade "default" - na falta de outra, ele se assume assim. Isso também pressupõe que os muçulmanos, no contexto europeu, não vão se secularizar como o restante da população, o que também é questionável.

Qual o significado de "Je suis Charlie"?

Paul Freston: Boa parte da população francesa se mostra identificada com um órgão da imprensa que tem proposta secular e antagônica às religiões, e que insulta todas elas. O que se vê não é um movimento de anti-islamismo, mas antirreligião. Ao adotar esse slogan, vemos pessoas se associando à ideia de não religião em nome da liberdade de expressão.

As marchas anti-islamismo que aconteceram na Alemanha são uma manifestação de xenofobia explícita, uma dificuldade de tolerar o multiculturalismo ou defesa contra um sentimento de insegurança?

Paul Freston: Um pouco de tudo isso, talvez com objetivos diversos por parte de diversos públicos. Em certos países da Europa, a imigração é mais associada ao islamismo. Na Inglaterra, é menos. Tem uma imigração mais diversificada, há muçulmanos do Paquistão, de Bangladesh, mas também hindus da Índia, cristãos do Caribe, da África, os latinos e os do Leste Europeu, muitas vezes católicos atuantes. Mas na Alemanha, historicamente, o primeiro grande fluxo migratório foi dos turcos, de maioria muçulmana. Nesse caso, centrar as atenções num movimento anti-islâmico talvez seja uma forma de, no fundo, combater a imigração. Em vez de dizer "nós somos contra a imigração", você usa um flanco exposto que é o islã. Melhor dizer que são contra imigrantes muçulmanos, porque trazem tais e tais perigos. Eles fizeram muitas manifestações nos últimos tempos, mas esta última, em Dresden, teve bastante mais gente.

Como pode ser feito o combate ao terrorismo ao mesmo tempo em que se defende a convivência pacífica entre as religiões, nesse ambiente que ficou conhecido por conservadores como "choque de civilizações"?

Paul Freston: Esta é uma frase do Huntington, de seu famoso livro "Choque das Civilizações". É uma visão que convém aos terroristas e a alguns radicais de direita europeus. Eles acreditam nisso e de certa forma se alimentam mutuamente. Convém aos dois extremos criar essa visão, de excluir o meio-termo. Ou você está com a gente ou com os terroristas. Creio ser necessária uma compreensão maior. Principalmente na França, onde o laicismo é historicamente mais agressivo, e quer excluir a religião em geral da praça pública. A ilusão é de que o secular é neutro e não tem uma agenda própria, daí ser importante manter esse espaço público isento. O catolicismo e o judaísmo, por não terem força no país, acabaram aceitando e se adequando a essa exclusão, essa privatização da religião. Mas aí chega o islã. É muito difícil privatizar o islã. Em geral, o islã é uma religião que não aceita a privatização, pois assume que a religião tem a ver com tudo e não pode ser excluído da vida pública.

Mas o fundamentalismo cristão também não tem essa característica?

Paul Freston: Tem um tipo de fundamentalismo cristão que é justamente o privatizado. Que se refugia numa atitude sectária, distante do mundo. Nos Estados Unidos da América, durante muito tempo, os fundamentalistas viveram longe da política, dizendo que política era coisa do diabo. Isso mudou dos anos 1980 para cá. Os fundamentalistas cristãos ou são privatizados ou aceitam a democracia como pressuposto, então podem até querer influenciar na esfera pública, nas leis, mas o fazem pela via democrática. Uns poucos fogem disso. Por exemplo, os que colocavam bombas em clínicas de aborto. São incidentes relembrados, mas foram poucos e há muito tempo não se houve falar nisso.

Qual seria o maior desafio hoje na França, depois dos ataques?

Paul Freston: Seria um esforço para entender a religião não privatizada, seja islâmica, seja cristã ou qualquer outra. Entender o desejo de pessoas motivadas pela sua fé de se envolver na vida pública e de influenciar a vida pública por meios pacíficos e democráticos. A França tem certa dificuldade com isso, pois levanta outra questão: qual deve ser a norma de convivência? Em 2012, o site de humor americano "The Onion" publicou uma charge na qual Jesus, Moisés, Buda e Ganesh aparecem fazendo sexo. O título era "ninguém foi morto por causa dessa imagem". Alguns seguidores dessas religiões se ofenderam, mas nenhum deles comprou uma metralhadora. O objetivo era mostrar que outras religiões têm postura diferente diante da ofensa.

* Paul Freston, pós-doutor em ciências sociais pela Universidade de Oxford e professor catedrático de religião e política na Universidade Wilfrid Laurier, em Waterloo (Canadá).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 16 de janeiro de 2015 – Internet: clique aqui.

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