«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Papa Francisco: «Em nome de Deus não se mata. Mas não se insulta a fé dos outros»

Gian Guido Vecchi

Papa fala dos ataques em Paris e ameaças terroristas ao Vaticano durante voo para Manila, nas Filipinas
Papa Francisco respondendo questões propostas pelos jornalistas no interior do avião
que o levava do Sri Lanka para as Filipinas
 «Veja, não se pode... O senhor é francês? Vamos a Paris, falemos claro». Sobre o voo UL111 que decola na noite italiana do Sri Lanka a Manila, Francisco vai, ao fundo do avião, ao encontro dos jornalistas que o seguem de todo o mundo e responde, como de costume, a todas as perguntas, a começar pela mais urgente: é claro que se fale do massacre na redação de Charlie Hebdo e o Papa põe as cartas sobre a mesa: «vamos a Paris...».

Santidade, ontem pela manhã, na missa, o senhor falou da liberdade religiosa como um direito humano fundamental. Mas, no respeito às diversas religiões, até que ponto pode-se ir na liberdade de expressão, que é também um direito humano fundamental?

Papa Francisco: «Obrigado pela pergunta, inteligente. Creio que ambas sejam direitos humanos fundamentais, a liberdade religiosa e a liberdade de expressão. Não se pode esconder uma verdade: todos têm o direito de praticar a própria religião sem ofender, livremente, e assim devemos fazer todos. Não se pode ofender ou fazer a guerra ou matar em nome da própria religião, isto é, em nome de Deus. Para nós, aquilo que acontece agora, nos surpreende, não? Mas pensemos em nossa história: quantas guerras de religião tivemos! O senhor pense na noite de São Bartolomeu [1]. Também nós fomos pecadores sobre isto. Mas não se pode matar em nome de Deus. É uma aberração. Com liberdade, sem ofender, mas sem impor, sem matar... Falava da liberdade de expressão. Cada um não somente tem a liberdade, tem o direito e, mesmo, a obrigação de dizer aquilo que pensa para ajudar o bem comum. A obrigação! Se um deputado, um senador não diz aquilo que pensa ser o caminho verdadeiro, não colabora ao bem comum. Temos a obrigação de falar abertamente. Ter esta liberdade, mas sem ofender. É verdade que não se pode reagir violentamente, mas se o doutor Gasbarri [Alberto Gasbarri é o organizador dos voos papais], que é um amigo, diz um palavrão contra a minha mãe, aguarda-o um soco! Mas é normal! Não se pode provocar. Não se pode insultar a fé dos outros. Não se pode zombar da fé. Papa Bento, em um discurso, falou desta mentalidade pós-positivista, da metafísica pós-positivista, que levava, ao final, a acreditar que as religiões ou as expressões religiosas sejam uma espécie de subcultura: toleradas, mas pouca coisa, não estão na cultura iluminada. E esta é uma herança do iluminismo. Tantas pessoas que falam de outras religiões ou das religiões, que zombam, digamos “brincam” com a religião dos outros, estes provocam. E pode acontecer aquilo que aconteceria ao doutor Gasbarri se dissesse alguma coisa contra a minha mãe! Há um limite. Toda religião tem dignidade, toda religião que respeita a vida e a pessoa humana, e eu não posso zombar dela. Este é um limite. Tomei este exemplo para dizer que na liberdade de expressão existem limites. Como aquele da minha mãe».

Santidade, há muita preocupação no mundo pela sua segurança. Segundo os serviços [secretos] americanos e israelitas, o Vaticano estaria na mira dos terroristas islâmicos, nos sites fundamentalistas apareceu a bandeira do Islã que tremula sobre São Pedro [a basílica vaticana], teme-se, também, pela sua segurança nas viagens ao exterior. O senhor não deseja renunciar ao contato direto com as pessoas. Mas, neste momento, acredita que seja necessário modificar algo em seus comportamentos e em seus programas? Há, também, temor pela segurança dos fiéis que participam das celebrações, em caso de atentados. O senhor está preocupado com isso? E, em geral, de acordo com o senhor, qual é a melhor maneira de responder a essas ameaças dos integralistas islâmicos?

Papa Francisco: «O melhor modo de responder é sempre a mansidão. Ser manso, humilde, como o pão, sem fazer agressões. Eu estou aqui, mas há pessoas que não compreendem isso. Para mim, os fiéis me preocupam, isto me preocupa. Falei com a segurança vaticana, com o doutor Giani que é o encarregado disso (Domenico Giani, comandante da Gendarmaria vaticana, ndr) e me mantém atualizado sobre este problema. Isto me preocupa. Tenho medo? O senhor sabe que eu tenho um defeito, uma bela dose de inconsciência. Às vezes, me pus uma pergunta, mas se me acontecesse alguma coisa?, e eu disse ao Senhor: peço uma graça, que não me faça mal, pois não sou corajoso diante da dor. Sou muito medroso. Mas sei que cuidam, as medidas de segurança são discretas, mas seguras».
Papa Francisco no interior do avião que o levou do Sri Lanka às Filipinas
Nos anos da guerra civil, no Sri Lanka, houve mais de trezentos atentados suicidas. Feitos por homens, mulheres, moças e rapazes. Agora, estamos vendo atentados suicidas também com crianças. O que pensa desse modo de fazer guerra?

Papa Francisco: «Talvez, aquilo que me vem em mente, seja uma falta de respeito, mas creio que atrás de cada atentado suicida haja algo que tenha relação com o desequilíbrio: o desequilíbrio humano, não sei se mental, mas humano. Alguma coisa que não está bem na pessoa. A pessoa não tem um verdadeiro equilíbrio sobre o sentido da própria vida, da vida dos outros. Doa a vida, mas não a doa bem. Tantas pessoas que trabalham, pensemos por exemplo nos missionários, doam a própria vida para construir; quem doa a vida autodestruindo-se e para destruir. Há algo de errado. Os kamikazes [2] não são algo somente do Oriente. Existem estudos sobre a proposta que chegou ao fascismo, na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Não há provas, mas se investiga sobre isso. Há algo muito relacionado aos sistemas totalitários. O sistema totalitário mata: possibilidades, futuro, vidas. Não é um problema limitado nem somente oriental».

Mas, o uso das crianças?

Papa Francisco: «As crianças são usadas em todo lugar para tantas coisas. Exploradas no trabalho. Exploradas como escravas. Exploradas, também, sexualmente. Alguns anos atrás, com membros do Senado na Argentina, quisemos fazer uma campanha nos hotéis mais importantes para dizer publicamente que aqui não se exploram crianças para os turistas. Não fomos capazes de fazê-lo. As resistências escondidas existem. Quando estava na Alemanha, chegavam às minhas mãos jornais, havia a zona do turismo erótico no sudeste asiático... as crianças são exploradas. E o trabalho escravo das crianças é terrível».

Ontem, em Colombo, o senhor visitou, de surpresa, um templo budista. Até o século XX os missionários diziam que o budismo era uma religião do diabo. Qual poderia ser a importância do budismo para o futuro da Ásia?

Papa Francisco: «O chefe daquele templo budista veio encontrar-me no aeroporto, e eu fui à sua casa. Naquele templo há relíquias que se encontravam na Inglaterra, para eles muito importantes, e conseguiram que elas lhes fossem devolvidas. Ontem, vi uma coisa que jamais pensava, em Madhu: não eram todos católicos, haviam budistas, islamistas, hinduístas, e todos vão ali para orar e dizem que recebem graças. O povo: há no povo o sentido de algo que o une. E estão, assim, tão naturalmente unidos em orar no templo, que é cristão, mas todos desejam ir lá. Este testemunho nos faz compreender o sentido da inter-religiosidade que se vive no Sri Lanka. Há respeito entre eles. Há pequenos grupos fundamentalistas, mas não estão com o povo, são elites ideológicas. Quanto aos budistas que iam ao inferno... mas também os protestantes, quando eu era menino, setenta anos atrás, todos os protestantes iriam para o inferno! Assim nos diziam. E lembro-me da primeira experiência que tive de ecumenismo. Contei-a, outro dia, aos dirigentes do Exército da Salvação. Tinha quatro ou cinco anos, mas recordo-me, estou vendo: ia pela rua com minha avó, ele segurava-me pela mão, na outra calçada vinham duas mulheres do Exército da Salvação com aquele chapéu que usavam então, com o laço. E perguntei à minha avó: aquelas são freiras? E ela me disse: não, são protestantes, mas são boas. A primeira vez que eu ouvi falar de uma pessoa protestante. Naquele tempo, na catequese, nos diziam que iam para o inferno. Mas acredito que a Igreja tenha crescido tanto na consciência como no respeito às demais religiões. Leiamos aquilo que diz o Concílio Vaticano II sobre os valores e o respeito às outras religiões. A Igreja cresceu muito nisso. Sim, há tempos obscuros na história da Igreja, e devemos dizê-lo sem vergonha, porque também nós estamos num caminho de conversão contínua, do pecado à graça sempre. Esta inter-religiosidade como irmãos, respeitando-nos sempre, é uma graça».
Papa Francisco visita templo budista em sua viagem ao Sri Lanka
Qual mensagem deseja dar nas Filipinas a quem desejaria encontrar-lhe, mas não poderá fazê-lo?

Papa Francisco: «O centro, o núcleo da mensagem serão os pobres. Os pobres que desejam ir adiante, os pobres que sofreram com o tufão Yolanda e, ainda, suportam as suas consequências, os pobres que têm fé e esperança – penso nesta comemoração do quinto centenário da pregação do Evangelho nas Filipinas –, e também, os pobres explorados, aqueles que sentem tantas injustiças sociais, espirituais, existenciais. Eu penso neles, indo às Filipinas. Outro dia, em nossa casa, em Santa Marta [no Vaticano], houve a festividade da Natividade das Igrejas Orientais, há ali pessoas de nacionalidade etíope e também filipina que ali trabalham e fizeram uma festa, fui convidado ao almoço. Estive com eles e olhava os funcionários das Filipinas, pensava em como deixaram a sua pátria procurando o bem-estar e deixando pai, mãe, filhos, para ir... Os pobres».

Nas Filipinas o senhor visitará as regiões devastadas pelo tufão Yolanda. Em que ponto está a encíclica sobre a defesa da criação? Convidará as outras religiões a enfrentar juntas este tema da proteção ambiental?

Papa Francisco: «Não sei se na totalidade, mas em grande parte é o homem que agride [lit.: esbofeteia] a natureza e tem uma responsabilidade nas mudanças climáticas. Nos apoderamos, um pouco, da natureza, da mãe terra. Recordo aquilo que me disse um velho camponês: Deus perdoa sempre, os homens algumas vezes, a natureza jamais. Exploramo-la demais. Lembro-me que em Aparecida [Brasil], quando ouvia os bispos do Brasil falar de desmatamento da Amazônia, não compreendia muito. Mas a Amazônia é um pulmão do mundo. Cinco anos atrás, com uma comissão pelos direitos humanos, fiz um recurso à suprema corte argentina para interromper no norte, ao menos temporariamente, este desmatamento terrível. E há a monocultura. Os agricultores sabem que, após três anos cultivando o grão, devem mudar de cultura por um ano a fim de regenerar a terra. Hoje, se faz a monocultura da soja até que a terra se exaura. O homem foi por demais além. O primeiro esboço da nova encíclica foi preparado pelo cardeal Turkson [3] com a sua equipe. Depois, trabalhei com alguns colaboradores e, alguns teólogos prepararam o terceiro, e este esboço enviei à Congregação da Doutrina da Fé, à Secretaria de Estado e ao teólogo da Casa pontifícia, para que estudassem e eu não dissesse nenhum disparate! Três meses atrás, recebi as respostas, algumas dessa altura. Levarei uma semana toda de março para terminá-la. Então, irá para a tradução. Penso que, se o trabalho for bem, em junho poderá sair. É importante que haja um pouco de tempo entre a publicação da encíclica e o encontro de Paris sobre o clima. A última conferência no Peru não foi uma grande coisa, desiludiu-me a falta de coragem, esperemos que em Paris sejam um pouco mais corajosos. Creio que o diálogo com as religiões seja importante, mesmo sobre esse ponto há um acordo. Falei com alguns expoentes de outras religiões sobre o tema e, ao menos, dois teólogos o fizeram. Não será, em todo caso, uma declaração em comum, os encontros com as religiões acontecerão depois».

Como se chegou à canonização de José Vaz, que o senhor celebrou no Sri Lanka?

Papa Francisco: «Estas canonizações foram feitas com a metodologia que se chama equivalente: quando há muito tempo um homem ou uma mulher são beatos e tem a veneração do povo de Deus e, de fato, são venerados como santos, não se faz o processo sobre o milagre. Fi-lo para Angela de Foligno [Itália], e depois escolhi canonizar pessoas que foram grandes evangelizadores e grandes evangelizadoras. O primeiro foi Pietro Favre, evangelizador da Europa, morto pelo caminho, evangelizando. Depois, houve os evangelizadores do Canadá, fundadores da Igreja naquele país. Depois, o santo brasileiro fundador de São Paulo [José de Anchieta] e agora José Vaz, evangelizador do antigo Ceilão. Em setembro, nos Estados Unidos, farei a canonização de Junipero Serra. São figuras que realizaram uma forte evangelização e estão em sintonia com a espiritualidade da Evangelii gaudium [A alegria do evangelho, exortação apostólica de Papa Francisco]» [4].

Apoiará a Comissão da Verdade no Sri Lanka e em outros países dilacerados pelos conflitos internos?

Papa Francisco: «Apoiei, em seu tempo, aquela na Argentina, depois da ditadura militar. Não posso dizer, concretamente, destas porque não as conheço. Mas apoiarei todos os esforços para buscar a verdade: equilibrados, não como vingança. Ouvi dizer uma coisa pelo presidente do Sri Lanka, não desejaria que o meu comentário fosse interpretado como político, mas disse-me que deseja ir adiante com o trabalho pela paz, a reconciliação, depois, continuou com uma outra palavra. Disse: deve-se criar a harmonia no povo, que é a mais bela paz e a reconciliação, a harmonia é também musical... Depois, acrescentou que esta harmonia nos dará felicidade e alegria. Eu fiquei admirado e disse: agrada-me ouvir isto, mas não é fácil! E ele: deveremos chegar ao coração do povo. Somente chegando ao coração do povo, que sabe o que são os sofrimentos e as injustiças, que sofreu a guerra e sabe, também, de perdão, podemos encontrar os justos caminhos, sem concessões, mas justos. As comissões podem estar entre os elementos que ajudam, como na Argentina, mas há outros argumentos para chegar ao coração do povo».

Como envolver os demais líderes religiosos para combater o extremismo? Há quem propõe um outro encontro em Assis, como fez João Paulo II.

Papa Francisco: «Sei que a proposta foi feita, e que alguns trabalham a esse respeito. Falei sobre isso com o cardeal Tauran, responsável pelo diálogo inter-religioso. Há inquietação, também, nas outras religiões, não somente entre nós».

Traduzido do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
Para assistir ao vídeo com esta entrevista, contendo tradução simultânea, clique aqui.

N O T A S :

[1] O massacre da noite de São Bartolomeu ou a noite de São Bartolomeu, foi um episódio sangrento na repressão aos protestantes na França pelos reis franceses, que eram católicos. Esses assassinatos aconteceram em 23 e 24 de agosto de 1572, em Paris, no dia de São Bartolomeu. As matanças, organizadas pela Casa real francesa, começaram em 24 de Agosto de 1572 e duraram vários meses, inicialmente em Paris e depois em outras cidades francesas. Números precisos para as vítimas nunca foram compilados, e até mesmo nos escritos de historiadores modernos há uma escala considerável de diferença, que têm variado de 2.000 vítimas por um apologista católico, até a afirmação de 70.000, pelo contemporâneo apologista huguenote duque de Sully, que escapou por pouco da morte. Para mais detalhes, clique aqui.
[2] Kamikaze era um piloto de um corpo de voluntários japoneses treinados para pilotar tal tipo de avião em ataques suicidas durante a Segunda Guerra Mundial.
[3] Peter Kodwo Appiah Turkson (nascido em Wassaw Nsuta, 11 de outubro de 1948) é um cardeal católico ganês e presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz no Vaticano. Para saber mais, clique aqui.
[4] Para baixar, imprimir ou, simplesmente, ler este documento papal em português, clique aqui.

Fonte: Corriere della Sera – Esteri – Quinta-feira, 15 de janeiro – 13h03 – Internet: clique aqui.

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