«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O soco de Francisco e a lição de Voltaire

Eugenio Scalfari
La Repubblica
18-01-2015
Eugenio Scalfari - jornalista e fundador do jornal italiano "La Repubblica" - Roma
O terrorismo do Califado e da Al-Qaeda combate ao mesmo tempo contra os muçulmanos que seguem as máximas do Alcorão e não insultam as outras religiões e contra o Ocidente e os seus valores de liberdade. Trata-se, portanto, de uma guerra dupla, liderada por células do terrorismo que se organizam livremente, às vezes estão em contato entre si, outras vezes esses contatos se limitam a cerca de 20 pessoas ou pouco mais. É uma nuvem de poeira, e isso aumenta o seu perigo. A nuvem de poeira do terror, de fato, requer uma estratégia, uma "intelligence" centralizada, um comando não apenas militar, mas também judiciário, social, econômico.

O valor principal do Ocidente é a liberdade: liberdade de expressão, de religião, de movimento migratório e de comportamentos. É por isso que, para enfrentar essa guerra, para tornar inofensiva essa nuvem de poeira, o comando central deve necessariamente se estender para esses setores, entre as quais está incluído também o princípio fundamental de um limite para as provocações que podem provocar reações violentas e transformar a nuvem de poeira terrorista em um verdadeiro exército que combina, ao mesmo tempo, a tática da nuvem de poeira e a estratégia centralizada do recrutamento, da preparação militar, do financiamento e da escolha dos alvos.

A Europa é um dos palcos dessa guerra. A resposta militar, diplomática, antiespionística requer, portanto, um comando único. Esse, paradoxalmente, é o aspecto positivo do que está acontecendo: a unidade política da Europa não é uma utopia, mas está se tornando e deve se tornar uma realidade. É preciso que a opinião pública tome consciência disso.

É preciso que as instituições europeias se transformem para corresponder a uma necessidade e, acima de tudo, é preciso que os governos nacionais estejam prontos para cessões de soberania que o comando único comporta.

* * *

Essa guerra tem uma conotação religiosa: o Islã está dividido em dois, o cristianismo é o primeiro alvo dos fundamentalistas, os judeus são o outro alvo, mas há um terceiro, que não deve ser ignorado, e é o Estado laico. De fato, se olharmos com atenção para o que está acontecendo, o fundamentalismo religioso tem como primeiro objetivo o de abater o Estado laico, ou seja, a defesa da liberdade.

Alguns lembraram que a França é o país de Voltaire*. Eu diria que a Europa é o país de Voltaire. Os seus ensaios, os seus contos, o seu teatro, os seus artigos na Encyclopédie eram dirigidos contra o Infame. Ele nunca especificou quem era o Infame, na maioria dos casos eram os jesuítas da época que guiavam o pensamento reacionário.

Esse foi Voltaire. Junto com Diderot, foram os dois defensores da liberdade, que contribuíram para o nascimento das Constituições e das Repúblicas do futuro.

* * *

O Papa Francisco é um liberal? Perguntei-me várias vezes isso e ainda mais me pergunto hoje, depois da história do soco por ele ameaçado contra quem insultar a sua mãe, isto é, a Igreja, as religiões. Francisco é sustentado pela fé. Pode um homem de fé ser liberal?

Certamente sim, a história da Europa e da Itália está cheia de pessoas de fé e liberais, mas um pontífice liberal nunca houve na Igreja de Roma antes de Francisco. De muitas partes, ele foi acusado de ser comunista, mas a acusação não se manteve de pé depois da resposta dada por ele: eu prego o Evangelho. E o que diz o Evangelho sobre o tema da liberdade? O que diz a doutrina da Igreja Católica?

Há um ponto de fundo na doutrina e nas páginas da Bíblia que relatam a criação: o Criador nos reconheceu o livre-arbítrio, a liberdade de consciência para escolher conscientemente o bem e o mal.

O bem comum, para um liberal, é o Bem, porque nós, pessoas humanas, somos uma espécie sociável, e o bem comum, a "Caritas", o "ágape" são – deveriam ser – as nossas características distintivas.

O Papa Francisco prega essas coisas que, para um liberal, são igualmente verdades. E as pratica, considerando que um dos maiores pecados é se apropriar de Deus contra o dos outros. "Deus não é católico", me disse Francisco em um dos nossos encontros. "É ecumênico, é um Deus único que cada religião lê através das próprias Sagradas Escrituras", sabendo, porém, que o Deus é único, não tem nome, não tem figura.

Mas o papa não se esquece de que, por muitos séculos da sua história, os católicos também cometeram esse pecado. Com as Cruzadas, com a Inquisição, com a noite de São Bartolomeu, com a guerra dos camponeses, com a venda das indulgências. Não basta pedir desculpas por esses pecados. O Pontífice Romano deve despojar a Igreja de todo poder temporal e construir uma Igreja missionária, que não se proponha o proselitismo, mas a pregação do bem comum. E é isso que o Papa Francisco está construindo desde que foi eleito pelo conclave.

Na viagem de avião entre o Sri Lanka e as Filipinas, Bergoglio, porém, disse uma frase que provocou um debate acalorado: "Quem quer que insulte a minha mãe espere um soco". A quem ele se referia era evidente; não aos terroristas ou não apenas a eles, que fizeram coisas bem mais graves, mas, provavelmente, ao jornal Charlie Hebdo, que insulta Maomé e, portanto, a religião por ele representada. Cristo disse, segundo os Evangelhos, para dar a outra face a quem lhe insulta. Francisco, ao contrário, ameaça-o com um soco. É um erro? Uma contradição?

Provavelmente, é um erro. Para mim, pessoalmente, o Charlie Hebdo é um jornal que não agrada, de fato, e eu não vestiria nenhuma insígnia onde esteja escrito "Eu sou Charlie". Infelizmente, alguns deles pagaram com a morte aquela sátira deliberadamente provocativa, e eu lamento muito, mas não sou "Charlie".

E o papa? Ele também chorou pelos mortos e rezou por eles, mas, se insultarem a mãe, isto é, as religiões, ele ameaça com um soco. Ele se esqueceu de dar a outra face?

Cristo deu esse ensinamento, mas, quando considerou oportuno, Cristo tomou o bastão e bateu sem economizar naqueles que vendiam mercadorias roubadas no Templo, corrompiam os rabinos do Sinédrio e faziam de tudo. Lembro-me que, na nossa última conversa do dia 10 de julho passado, o papa me disse: "Como Jesus, eu vou usar o bastão contra os padres pedófilos". Jesus era doce e manso, mas, quando considerava necessário, usava o bastão.

Talvez Francisco tenha errado ao ameaçar o soco contra quem insulta as religiões, mas o precedente existe, e o soco deveria ser – acredito eu – uma norma que vete e puna quem zombar das religiões. Você pode criticá-las, certamente, mas não insultá-las. Este é o soco. Voltaire não concordaria, mas não podemos pedir que Francisco seja voltairiano. (…)

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto.
 
* François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (Paris, 21 de novembro de 1694 — Paris, 30 de maio de 1778), foi um escritor, ensaísta, deísta e filósofo iluminista francês. Conhecido pela sua perspicácia e espirituosidade na defesa das liberdades civis, inclusive liberdade religiosa e livre comércio. É uma dentre muitas figuras do Iluminismo cujas obras e ideias influenciaram pensadores importantes tanto da Revolução Francesa quanto da Americana. Escritor prolífico, Voltaire produziu cerca de 70 obras em quase todas as formas literárias, assinando peças de teatro, poemas, romances, ensaios, obras científicas e históricas, mais de 20 mil cartas e mais de 2 mil livros e panfletos (para saber mais, clique aqui).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 21 de janeiro de 2015 – Internet: clique aqui.

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