«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O APAGÃO DO PLANETA

Entrevista com Martin Rees*

Ivan Marsiglia

Indiferente aos “céticos do clima”, a Terra está cada vez mais quente e a previsão é de desastres devastadores até o fim do século, alerta astrônomo de Cambridge

Martin John Rees - astrofísico e cosmólogo inglês
Os desastres da gestão da água em São Paulo e dos apagões elétricos no País não são obra de São Pedro ou de Deus, esse brasileiro - como chegaram a atribuir certas autoridades. Mas foram ambos agravados por cenário maior, também de catástrofe anunciada, só que em escala global. Há anos o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), da ONU, alerta para o risco de mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, pregando praticamente no deserto. Na semana passada, somando-se ao aumento perceptível de eventos atmosféricos extremos mundo afora, um relatório da Nasa, a agência espacial americana, confirmou: 2014 foi o ano mais quente desde que essa medição começou a ser feita, em 1880. E, embora os cientistas “céticos do clima” continuem sua cruzada para esfriar os ânimos do ambientalismo, essa é uma realidade cada vez mais difícil de negar.

“Se as emissões anuais de CO2 continuarem a aumentar podemos enfrentar uma mudança climática drástica, com cenários devastadores até o século 22”, crava um dos cientistas mais respeitados do mundo na área. Sir Martin John Rees, astrônomo e professor de cosmologia e astrofísica na Universidade de Cambridge, presidente da prestigiosa Royal Society entre 2005 e 2010, não é o que se pode chamar de “alarmista”. E, no entanto, em um livro de 2003 - Our Final Century (Hora Final - Alerta de um Cientista, Companhia das Letras) - já dizia, com polidez britânica, que a humanidade tem 50% de chance de sobreviver ao século 21.

Na entrevista a seguir, o autor de From Here to Infinity: A Vision for the Future of Science - livro de 2012 em que investiga as conexões entre ciência, política e economia no século 21 - descreve o delicado estado de coisas neste nosso “mundo congestionado”, sob ameaça não só do crescimento populacional e da incessante demanda por recursos naturais, mas também da incapacidade humana de pensar a longo prazo. Problemas que, alerta Martin Rees, não serão resolvidos com medidas paliativas ou pela mão invisível do mercado: “Exigem intervenção governamental e ação internacional”.

Em Our Final Century (2003) o sr. afirmava que nossa civilização tinha 50% de chance de sobreviver até o fim do século 21. Esse porcentual continua o mesmo?

Martin Rees: Não mudei meu ponto de vista - e tenho ficado surpreso com a quantidade de pessoas que pensam que não sou suficientemente pessimista. Claro que é improvável que todos nós sejamos exterminados. Mas penso que vamos ter que ter muita sorte para evitar retrocessos devastadores. Em parte devido ao aumento do estresse nos ecossistemas devido ao crescimento populacional e a nossa crescente demanda por recursos. Mas, mais do que isso, porque nos apoderamos de uma nova tecnologia: entramos em uma nova era geológica, o “antropoceno”, em que as ações humanas determinam o futuro do meio ambiente.

Em que medida isso é uma ameaça?

Martin Rees: Até a segunda metade do século 20, a grande ameaça, ao menos para o Hemisfério Norte, era a guerra termonuclear, que por pouco não foi desencadeada durante a crise dos mísseis em Cuba, na década de 1960. Estivemos perto dela em outras ocasiões durante a Guerra Fria. Mas agora enfrentamos novas ameaças decorrentes do uso indevido das bio e cybertecnologias, em avanço espantoso. É com elas que me preocupo mais e por causa delas é que teremos uma jornada difícil neste século.

O ano passado foi o mais quente na Terra desde 1880, quando esse tipo de medição começou a ser feito, disse um relatório divulgado essa semana pela Nasa, a agência espacial americana, e o National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). O que está acontecendo com o planeta?

Martin Rees: Já está claro que há uma tendência de aquecimento de longo prazo nos últimos 50 anos. Essa taxa não é estável nem uniforme na superfície da Terra. Mas é uma tendência que se sobrepõe a outros efeitos, como o El Niño, em que as alterações na circulação e no calor do oceano armazenam-se nele em vez de na atmosfera. Sabemos que a quantidade de CO2 na atmosfera está aumentando e isso provoca aquecimento - e, consequentemente, mudanças em larga escala nos padrões climáticos em todo o mundo. O que ainda não está claro é quão grande é esse efeito. A duplicação do CO2 na atmosfera causa um aquecimento de 1,2°C. Mas esse efeito pode ser ampliado devido às trocas de vapor d’água e nuvens - e não sabemos as consequências desses processos. Entretanto, parece claro que se as emissões anuais de CO2 continuarem a aumentar poderemos enfrentar uma mudança climática drástica, com cenários devastadores até o século 22.

Depois de fazer um diagnóstico catastrófico em 2007, quando estimou que 6 bilhões de pessoas morreriam até o final do século, o cientista britânico James Lovelock voltou atrás em 2012, dizendo que havia sido “alarmista” em relação ao aquecimento global. Esse novo relatório da Nasa reforça as opiniões mais pessimistas?

Martin Rees: Não posso falar por James Lovelock - mas é fantástico vê-lo, aos 95 anos de idade, engajado nesses temas e ainda disposto a mudar de ideia. Recentemente, por exemplo, ele adotou uma postura favorável à energia nuclear. Entretanto, não serão dados relativos a um único ano que vão convencer as pessoas a mudar suas atitudes. Acho que vamos levar uns 20 anos ainda para começar a reduzir a atual taxa de aquecimento. Até lá, saberemos com mais precisão - talvez a partir de modelos produzidos por computação avançada - quanto a temperatura global tem efetivamente aumentado e quão fortemente o feedback de vapor d’água e nuvens de que falei amplifica os efeitos da acumulação de CO2 no “efeito estufa”.
Por que, apesar de todos os alertas feitos pelo IPCC da ONU, os líderes políticos ao redor do mundo parecem ainda pouco sensibilizados pela questão, caminhando lentamente na direção de formas alternativas de energia ou na redução dos atuais padrões de consumo?

Martin Rees: Embora devamos ter esperança de que a conferência de Paris em dezembro deste ano obtenha progressos efetivos, meu palpite pessimista é que os esforços políticos para descarbonizar a produção de energia no mundo não vão ganhar força. E a concentração de CO2 na atmosfera vai subir a um ritmo acelerado nas próximas duas décadas. Até lá, ficará claro se o clima do mundo está entrando em um território perigoso. Pode então haver pânico e uma pressão para que sejam adotadas medidas de emergência. O que poderia tornar necessário um “plano B”: fatalismo quanto à continuidade da dependência mundial dos combustíveis fósseis, acompanhado de medidas que combatam seus efeitos com o uso da geoengenharia.

Que tipo de medidas poderiam reverter o aquecimento global?

Martin Rees: O efeito estufa poderia ser contra-atacado, por exemplo, com a colocação de aerossóis (partículas que absorvem e dispersam a luz solar) na atmosfera ou mesmo de grandes guarda-sóis no espaço. É aparentemente factível lançar material suficiente na estratosfera para mudar o clima do mundo - o assustador seria imaginar como isso seria feito, se com recursos de uma única nação ou talvez de uma megacorporação. Os problemas políticos em torno do uso desse tipo de geoengenharia podem ser esmagadores. Sem falar na possibilidade de ocorrerem efeitos colaterais. Além disso, o aquecimento poderia voltar caso essas medidas fossem por alguma razão descontinuadas e também se mostrassem ineficazes em relação a outras consequências do acúmulo de CO2. Em especial, os efeitos deletérios que o gás causa na acidificação dos oceanos.

Ou seja, ainda que estejam surgindo tecnologias supostamente capazes de reverter o aquecimento global, a utilização delas teria resultados imprevisíveis?

Martin Rees: A geoengenharia seria um pesadelo político absoluto. Nem todas as nações iriam querer ajustar o termostato da mesma maneira. Modelos climáticos superelaborados seriam necessários para calcular os impactos regionais de qualquer intervenção artificial. Imagine: seria uma festa para os advogados se um indivíduo ou uma nação pudessem ser responsabilizados por qualquer mau tempo. Acho que seria prudente estudar suficientemente as técnicas de geoengenharia para deixar claro que opções fazem sentido antes de adotar um otimismo injustificado em relação a elas. Não haverá “solução rápida e técnica” para consertar o clima.

Qual é a sua opinião sobre os chamados “céticos do clima”, cientistas que ainda negam o aquecimento global, com pesquisas às vezes financiadas por grupos econômicos que ganham com a exploração dos combustíveis fósseis?

Martin Rees: O debate sobre o clima tem sido marcado por muita disputa entre a ciência, a política e os interesses comerciais. Aqueles que rejeitam as projeções feitas pelo IPCC têm contribuído mais para jogar a ciência na lata do lixo do que em fazer um apelo “por uma ciência melhor”. E ainda que os resultados da ciência fossem claros e cristalinos, haveria uma margem gigantesca para debate sobre a melhor resposta política. Acho que as divergências em questão dizem respeito mais a desentendimentos éticos e econômicos do que científicos. Os que propõem medidas tímidas e convencionais, como por exemplo, (o cientista dinamarquês) Bjørn Lomborg (autor do bestseller O Ambientalista Cético, Campus, 2002), estão de fato desconsiderando o que pode acontecer para além de 2050. Há, de fato, pouco risco de uma catástrofe dentro desse horizonte temporal - e assim não é surpresa que se queira minimizar a prioridade do combate às alterações climáticas. Mas se você se preocupa com quem vai viver no século 22 e depois dele, então pode considerar que vale a pena fazer um investimento agora. Para proteger as gerações futuras contra o pior cenário e prevenir o desencadeamento de mudanças de longo prazo, como o derretimento do gelo da Groenlândia.

O Brasil, um dos tão aclamados Brics, vive um momento dramático, com o sistema elétrico saturado e possibilidade real de colapso total da água em São Paulo, a maior metrópole do País. Podemos assistir em breve a um cenário de colapsos econômicos e evacuação de cidades?

Martin Rees: Vivemos num mundo interconectado cada vez mais dependente de energia e tecnologias avançadas. Embora eu não esteja familiarizado o bastante para falar sobre São Paulo, as “megacidades” são especialmente vulneráveis. No curto prazo, a prioridade absoluta é assegurar energia elétrica confiável para todos. Esse problema é muito maior em países como a Índia, onde milhões usam madeira ou estrume como combustível para cozinhar, sofrendo em consequência abalos na saúde. No longo prazo, todas as nações deveriam adotar políticas de baixo carbono. Políticos não gostam de defender medidas que tragam mudanças de vida indesejadas - especialmente se os benefícios dessas medidas só venham a aparecer daqui a décadas. Mas há três medidas políticas realistas que deveriam ser impulsionadas.

·        A primeira é os países promoverem ações que poupem dinheiro, mais eficiência energética, melhor isolamento dos prédios, etc.
·        A segunda é concentrar esforços em reduzir poluentes, metano e carbono negro. São substâncias que não agravam tanto o aquecimento global, mas sua redução, diferentemente da de CO2, traz mais benefícios locais.
·        A terceira e mais importante é incrementar a pesquisa e desenvolvimento de todas as formas de energia limpa - incluindo, a meu ver, a energia nuclear. Por que a pesquisa energética não é feita numa escala comparável à pesquisa médica? Nesse campo, o Brasil, já um inovador em biocombustível e outros tipos de energia, poderia tornar-se um líder mundial.

Um outro estudo divulgado há poucos dias pelo Goddard Space Flight Center, da Nasa, alerta para a perspectiva de a civilização industrial entrar em colapso nas próximas décadas por causa da exploração insustentável de recursos e da distribuição desigual de riqueza - uma abordagem que poderia estar em seu livro dez anos antes. É realista imaginar o mundo caminhando em outra direção?

Martin Rees: Robôs estão substituindo humanos na indústria manufatureira. Vão ocupar cada vez mais nossos empregos, não apenas no trabalho manual. Mas a grande pergunta é: o advento da robótica será como o ocorrido com outras novas tecnologias - a do carro, por exemplo -, que criavam tantos empregos quanto eliminavam? Ou desta vez será diferente? As atuais inovações podem gerar riquezas imensas, mas será preciso haver maciça redistribuição, via impostos, para garantir a cada um pelo menos um “salário de sobrevivência”. Não existem impedimentos científicos para se chegar a um mundo sustentável e seguro em que todos tenham um estilo de vida melhor que o do Ocidente de hoje. Podemos ser “tecnologicamente otimistas”, embora o equilíbrio tecnológico exija redirecionamento e se guie por valores que a ciência em si não pode prover. Mas a aridez da política e da sociologia - o abismo entre potencialidades e o que ocorre na realidade - indica pessimismo. Políticos pensam em eleitores e nas próximas eleições. Investidores esperam lucro no curto prazo. Fingimos ignorar o que ocorre neste exato momento em países longínquos. E minimizamos fortemente os problemas que deixaremos para as novas gerações. Sem uma perspectiva mais ampla, sem aceitar que estamos juntos neste mundo congestionado, governos não vão priorizar projetos políticos de longo prazo, mesmo que esse longo prazo seja apenas um instante na história do planeta. A “Nave Terra” está vagando pelo espaço. Seus passageiros estão ansiosos e divididos. O mecanismo de suporte de vida deles é vulnerável a rupturas e colapsos. Mesmo assim, há pouco planejamento, pouca observação do horizonte, pouca consciência dos riscos de longo termo. São problemas que não podem ser resolvidos pelo mercado: exigem intervenção governamental e ação internacional.

* MARTIN REES É ASTROFÍSICO E PROFESSOR DE COSMOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE (REINO UNIDO).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 25 de janeiro de 2015 – Pgs. E2-E3 – Internet: clique aqui.

Que Deus nos proteja

Sérgio Telles*

Apelo do ministro ao Criador por chuva seria impensável com cidadania forte
Sérgio Telles - psicanalista e escritor
Uma das coisas que mais me surpreenderam quando vim de Fortaleza para morar em São Paulo foi ver que as pessoas não varriam a calçada das ruas e sim as lavavam, gastando grande quantidade de água. Sendo do Nordeste, onde a seca é uma presença forte no imaginário coletivo e na realidade cotidiana, considerava a água um bem valioso e me chocava vê-la desperdiçada com tanto descaso.

Essa lembrança me veio à mente com as notícias sobre a iminente falta d’água em São Paulo, que está atravessando uma seca, ou melhor, uma “crise hídrica”, como dizem os políticos.

O uso de eufemismos** para a se referir a realidades incômodas não é apenas uma curiosidade linguística. É um artifício ligado às técnicas de propaganda e publicidade que dominam a prática política mais recente e tem sombrios antecedentes. São conhecidos dois excelentes registros desse recurso: um deles é de ordem ficcional e foi realizado por George Orwell com seu romance 1984, onde cria a “novilíngua” para denunciar o totalitarismo soviético; o outro, documental, Lingua Tertii Imperii - A Língua do Terceiro Reich, escrito por Viktor Klemperer e que entre nós recebeu a cuidadosa tradução de Miriam Bettina Oelsner, no qual estão expostas as deturpações e manipulações da língua alemã pelos nazistas. Diz Klemperer: “A língua conduz meu sentimento, dirige minha mente, de forma tão mais natural quanto mais inconscientemente eu me entregar a ela. O que acontece se a língua culta tiver sido constituída ou for portadora de elementos venenosos? Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e aparentam ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar”.

Embora longe da amplitude e abrangência alcançadas naqueles regimes autoritários, estamos todos habituados a diversos termos com os quais o poder nos bombardeia regularmente, como “aloprados”, “recursos não contabilizados”, “elite”, “herança maldita”, “mídia golpista”, “malfeitos”, “contabilidade criativa”, “pedaladas” e tantos outros que mistificam e desinformam, dificultando qualquer transparência daquilo que supostamente deveriam esclarecer. Embora condenável, é compreensível que os marqueteiros do poder usem tal terminologia. Que a “mídia golpista” os avalize ao utilizá-los sem aspas é um curioso paradoxo.

Vê-se então que a forma como o poder usa a língua é bastante significativa. Um dos pilares da identidade de uma nação, manifestação cultural de magna grandeza, a língua é um bem inalienável que deve ser defendido, respeitado e ensinado. Mais um povo fala corretamente sua língua, melhor ele expressa o pensamento, o conhecimento, a crítica, a sensibilidade, as relações afetivas.

Sob esse aspecto, o fato de Dilma Rousseff se fazer chamar de “presidenta” deixa de ser uma idiossincrasia sem importância e adquire conotações antes pouco evidentes. Se em assim fazendo enfatiza o fato de ser mulher e toma posição no combate a valores machistas retrógrados ainda muito presentes em nossa sociedade, por outro lado tal escolha desconsidera importantes aspectos. Dizendo-se “presidenta” - embora seja esta uma palavra dicionarizada -, ao invés de estimular o pleno domínio da língua por todos, ou seja, a conquista do conhecimento via educação, de forma demagógica nivela a linguagem por baixo e com isso contribui para que os desfavorecidos permaneçam no gueto da ignorância, incapacitados de efetivamente competir com os mais bem preparados.

Mas voltemos à seca de São Paulo, sua “crise hídrica - eufemismo que nos levou a um longo desvio. São veiculadas notícias preocupantes ligadas à falta d’água, bem como em relação ao sistema elétrico na iminência de um “apagão”. Aparentemente corremos o risco de voltar à década de 1950, vivendo novamente a situação cantada numa marchinha de carnaval daquela época que talvez volte merecidamente a ser um hit no próximo carnaval - “de dia falta água, de noite falta luz”.

Com as afirmações e desmentidos, não sabemos exatamente o que esperar. Estamos mesmo em vias de enfrentar uma grave situação? Até onde vai nossa “crise hídrica”? Como lidar com o “apagão”? Que podemos esperar de nossas autoridades? Estamos à beira de uma catástrofe? Como a população vai reagir a uma séria escassez de água? Estará preparada para exercer alguma solidariedade coletiva em nome do bem comum ou a gravidade da situação despertará o instinto de sobrevivência, impondo o salve-se quem puder?

Em situações emergenciais como essa é fundamental a confiança da população em seus líderes. Mas vivemos um momento em que a confiabilidade dos políticos cai ininterruptamente, o que o estelionato eleitoral praticado por nossa “presidenta” só fez agravar. Estamos cada vez mais atentos ao sinuoso discurso de muitos políticos, no qual fica evidente que o interesse que os move não é a busca da verdade no zelo pela coisa pública e sim garantir que sua permanência no poder seja a mais longa possível, não importa a que preço.

Grande parte das catástrofes naturais é imprevisível. As mais comuns no Brasil - habitualmente a seca no Nordeste e as enchentes no Sudeste - são perfeitamente previsíveis, ocorrem regularmente e ao acontecerem evidenciam mais uma vez a falta de planejamento e a incúria dos poderes públicos.
Eduardo Braga - Ministro das Minas e Energia
Nessa quinta [22/01/2015], o ministro Eduardo Braga deu uma explícita demonstração de tudo isso. Ao ser indagado dos riscos de um “apagão”, respondeu que “Deus é brasileiro e temos que contar que ele vai trazer um pouco de umidade e chuva”. É verdade que nas calamidades sentimo-nos desamparados, impotentes e diminutos diante das forças que nos abatem. Regredimos e queremos a proteção paterna. Voltamo-nos incongruentemente para Deus Pai, implorando sua misericórdia justamente no momento em que ele, indiferente à nossa infelicidade, nos impõe grandes agruras e nos abandona à própria sorte. Frente ao silêncio de Deus, arranjamos desculpas para manter inabalada nossa fé. Se Deus não escuta nem atende nossas preces isso não nos autoriza a duvidar de sua existência ou de sua bondade. A culpa é nossa. Por sermos maus e pecadores, a única coisa que merecemos é o castigo.

A resposta do ministro, autoridade que deveria informar as providências tomadas pelo governo para enfrentar tamanho problema que pode atingir grandes populações, deixa implícitas a ausência de uma estratégia e a falta de planejamento ao confessar que dependemos da ajuda divina...

A resposta do ministro seria impensável se tivéssemos uma cidadania forte e atuante que não se deixasse engodar com apelos religiosos - o que não ocorre com nosso bovino eleitorado - e exigisse providências concretas por parte dos representantes que elegeu e sustenta com os impostos que paga.

Nessa semana circulava nas redes sociais uma enquete que perguntava o que é o pior no momento - falta de luz ou de água. Apesar de reconhecer que ambas provocam imensos transtornos, penso que a pergunta está mal formulada. O pior no momento é a falta de políticos respeitáveis e a pusilanimidade*** dos cidadãos. Assim, no Brasil, ante os perigos de “crise hídrica” ou “apagão”, só nos resta pedir a Deus que nos proteja.

N O T A S :

* SÉRGIO TELLES É PSICANALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE “O AVESSO DO COTIDIANO” (ZAGODONI EDITORA).

** Eufemismo é palavra, locução ou acepção mais agradável, de que se lança mão para suavizar ou minimizar o peso conotador de outra palavra, locução ou acepção menos agradável, mais grosseira ou mesmo tabuística: dianho (por “diabo”, palavra que o povo procura evitar), a interj. caramba (por “caralho”, tabuísmo) etc.(Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa – versão 3.0).

*** Pusilanimidade é a característica de quem tem fraqueza de ânimo, falta de energia, de firmeza, de decisão, medo e covardia (Fonte: Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa – versão 3.0).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 25 de janeiro de 2015 – Pg. E3 – Internet: clique

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