O RÓTULO "ISLÂMICO"
Fareed Zakaria
The
Washington Post
Por que esvaziar o
caráter religioso da ideologia radical, como faz Obama, tem sentido
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Reféns, provavelmente curdos, enjaulados são exibidos pelas ruas do Iraque por jihadistas do Estado Islâmico Foto de vídeo divulgado neste domingo, dia 22 de fevereiro (Reprodução: Twitter) |
O presidente americano, Barack
Obama, está sendo acusado de manter uma postura "politicamente
correta" por não querer acusar grupos como o Estado Islâmico (EI) de "extremismo
islâmico", preferindo um termo mais genérico, "extremismo violento". Segundo seus
críticos, não se pode lutar contra um inimigo que não se quer identificar. São
seus próprios partidários que acham sua abordagem "professoral".
Mas, longe de ser um estudioso preocupado em descrever o
fenômeno com precisão, o presidente opta
deliberadamente por não enfatizar a dimensão religiosa do EI por motivos
políticos e estratégicos. Afinal, o que acarretaria em termos práticos
descrever o grupo como islâmico? O Ocidente intensificaria seus bombardeios
sobre ele? Mandaria mais soldados para combatê-lo? Não, mas levaria muitos
muçulmanos a achar que sua religião foi injustamente desacreditada. E os
líderes muçulmanos se sentiriam desalentados, depois de denunciarem
incansavelmente o EI como um grupo que não representa o Islã.
Mas "o Estado
Islâmico é islâmico", escreve Graeme
Wood, num estudo para a revista The
Atlantic deste mês que foi muito debatido. O estudo de Wood é um relato
inteligente e detalhado da ideologia na qual se baseia o EI. Não se trata de
pessoas seculares com objetivos racionais, ele afirma; na realidade elas
acreditam em sua ideologia religiosa.
Mas o estudo de Wood me lembra de alguns textos emocionantes
da Guerra Fria que enfatizavam que os comunistas acreditavam piamente no
comunismo. Evidentemente, muitos líderes do EI acreditam em sua ideologia. A questão fundamental é: por que esta
ideologia surgiu neste momento e por que é tão atraente para um grupo - na
realidade, um grupo muito reduzido - de muçulmanos? Segundo Wood, o EI é um
movimento que "ressuscitou tradições que ficaram latentes durante centenas
de anos". Exatamente, o EI
redescobriu - e reinventou - uma versão do Islã que hoje atende a seus
objetivos.
Ele observa que os seguidores do grupo visam um "autêntico retrocesso ao Islã original".
Ou seja, o Islã praticado no deserto há 1.400 anos.
Medieval
Evidentemente, o ponto mais importante não é o fato de o
Islã medieval conter muitas práticas medievais, como a escravidão (que, aliás,
também aparece com destaque na Bíblia),
e sim o motivo pelo qual essa versão do Islã encontrou seguidores hoje.
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Bernard Haykel |
Wood é muito apreciado pelo acadêmico de Princeton Bernard Haykel, que afirma que as
pessoas fecham os olhos para a ideologia do EI por motivos políticos. "As pessoas querem absolver o Islã",
como diz Haykel. E, afirma Wood: "O refrão é sempre 'O Islã é uma religião
de paz'. Como se este 'Islã' existisse! É o que os muçulmanos fazem".
Correto. Há 1,6 bilhão de muçulmanos no mundo e os membros do EI são talvez 30
mil. E, no entanto, Haykel acha que o
pensamento de 0,019% dos muçulmanos define a religião.
Eu pergunto: Quem está sendo político? "A questão mais interessante a respeito das ideologias é: o que
faz com que sejam sempre bem-sucedidas?", pergunta o professor Sheri Berman, do Barnard College.
"Uma ideologia lança suas raízes
quando substitui um outro ideário que fracassou". Em todo o Oriente Médio, as ideias que falharam são conceitos como:
·
o pan-arabismo,
·
o socialismo e
·
incipientes tentativas no campo da democracia,
do liberalismo econômico e do secularismo.
Os regimes que adotam estes princípios em geral
transformam-se em ditaduras repressivas,
produzem a estagnação econômica e o atraso social. Em alguns casos, a própria
nação entra em colapso. É em razão deste
fracasso que grupos como o EI podem dizer: "O Islã é a resposta".
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Islam Yaken - jovem de classe média egípcio que aderiu ao Estado Islâmico |
Esta guerra de ideologias pode ser constatada de maneira
vívida na vida de um homem, Islam Yaken,
descrito de maneira brilhante por Mona El-Naggar, do jornal The New York Times. Islam, um professor de academia de classe média do Cairo [Egito],
estava interessado principalmente em ganhar dinheiro e conhecer garotas.
"Todo homem sonha em ter uma barriga tanquinho para poder tirar a camisa
na praia ou na piscina e atrair os olhares das pessoas", ele disse num
vídeo, rodado há dois anos.
Mas "estes sonhos esbarraram na depressão econômica e
no torvelinho político do Egito", observa o artigo. Sem conseguir um bom
emprego, ele começou a sonhar em deixar o Egito. Quando a revolução democrática
do seu país fracassou e a ditadura militar voltou, sua alienação política
aumentou. Questionando suas próprias escolhas de vida, Islam foi atraído por uma ideologia muito diferente, uma versão
rigorosa e militante do Islã.
Aos 22 anos, ele
combate para o EI na Síria. Durante o último Ramadan, ele tuitou uma
fotografia de uma pessoa decapitada. O texto dizia: "Com certeza, o feriado não seria completo sem a imagem do cadáver de um
dos cães".
Islam Yaken acredita com total convicção. Mas a questão é: como chegar a esse ponto? E quais foram as
forças que contribuíram para fazê-lo chegar lá? Chamá-lo de islâmico não
ajuda muito a compreender este fenômeno.
Traduzido do inglês por Anna Capovilla.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Internacional / Visão Global – Segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015 – Pg. A10 –
Internet: clique aqui.
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