«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

COMO EDUCAR OS FILHOS HOJE ? ? ?

Sob rédea curtíssima

Tania Zagury*

Pais hesitantes, que preferem exigir que a escola mude a impor eles mesmos limites aos filhos, são uma das causas da proliferação de colégios públicos militarizados, acredita filósofa 
SIM, É VERDADE!
Colégio Jardim Guanabara, em Goiás, é uma das escolas estaduais
que serão militarizadas

Muitas pessoas ficam perplexas, outras revoltadas e algumas reagem a favor da decisão de entregar à Polícia Militar a gestão de algumas escolas públicas brasileiras. Tudo começou a partir da ideia do governador Marconi Perillo, que implantou a primeira há poucos anos, em Goiás. Hoje são mais de 90 no País. Em foco: diminuir a indisciplina e os danos ao patrimônio público e melhorar os índices de aprendizagem dos alunos.

Dentro do mesmo enfoque se pode situar a matéria que o Fantástico, da TV Globo, reportou sobre a proliferação de acampamentos nos Estados Unidos onde crianças e adolescentes insubordinados são internados pelos pais diante do crescente desrespeito dos filhos. Exauridos pelo fracasso de suas tentativas de retomar as rédeas de uma situação em que a autoridade paternal fracassou, optam pela medida como derradeiro recurso contra a marginalização - direção na qual parecem caminhar seus perdidos rebentos. Situação bem próxima à que se encontravam as escolas militarizadas.

Nos dois casos, trata-se de encarar um momento em que família e escola se percebem frente a jovens com quem o diálogo se mostrou inútil e o desrespeito se tornou a regra. A duração da estada nos acampamentos varia de um fim de semana a até um ano, dependendo da decisão dos coordenadores, quase sempre ex-militares inspirados na própria vivência de obediência sob pressão. Sem qualquer preocupação psicológica, encarregam-se de mostrar aos mimados clientes que ali o regime não é questionável. Mantêm os jovens em tarefas sucessivas, alternando-as com exercícios físicos pesados, até que caiam na cama e durmam de exaustão. O dia seguinte - e todos os demais - são exatamente assim.

Os coordenadores agem na crença de que os internos precisam de um choque de realidade para compreenderem o que é a vida. No caso brasileiro, trata-se, a meu juízo, das consequências práticas da adoção de uma ideia que começou a circular em torno dos anos 1970, segundo a qual dar limites ao educar levaria a criança a se tornar reprimida, frustrada e até traumatizada! “A escola é castradora” foi jargão que ouvi à exaustão na minha juventude. Muitos o repetiam, sem nem sequer supor que poderia trazer consequências negativas no futuro. Era expressão simpática aos jovens de então, contemporâneos de um momento em que o conceito de liberdade, interpretado como o “direito de fazer só o que se deseja e quer”, era cantado em prosa e verso - influência das teses existencialistas, da revolução estudantil de 1968, da filosofia hippie, da oposição à Guerra do Vietnã.

No Brasil, o problema começou a partir do momento em que as mídias fizeram chegar a todos os cidadãos os conceitos referidos. Por várias razões, esses conceitos acabaram sendo distorcidos ao serem simplificados e descontextualizados, o que levou boa parte dos pais, assustados e temendo provocar danos emocionais nos filhos, a abandonar o fundamental papel que sempre desempenharam: de socializadores primários e geradores da ética. Afinal, qual o pai saudável mentalmente que, por vontade própria, quer traumatizar o filho?

Assim, acreditando que o diálogo seria instrumento suficiente para que sua prole trilhasse o caminho da cidadania, jogaram pela janela a hierarquia familiar. Em consequência, seus filhos, com muita liberdade e poucos limites, passaram a compreender o mundo como espaço criado para satisfazê-los em seus quereres. E foi assim também que interpretaram os esforços dialógicos de seus hesitantes pais: como licença para fazerem apenas o que lhes aprouvesse. Muitos pais só perceberam quão inadequada foi a forma de educar os filhos quando já era tarde demais. A geração nem-nem que o diga! Dados do IBGE (PNAD 2012) revelaram que o número de jovens de 15 a 29 anos que não estudam nem trabalham chegava à época a 9,6 milhões, ou seja, uma em cada cinco pessoas nessa faixa etária - e nem todos por falta de emprego ou oportunidade de estudo - eis aí o grande problema -, mas por falta de limites e projeto de vida.

A insegurança dos pais ao educar ainda persiste, mas cresce o número dos que depreendem que a falta de limites e a superproteção comprometem a formação dos filhos, com grande prejuízo para suas vidas. Infelizmente, porém, o problema tem se agravado porque, também na escola, essa visão equivocada encontrou espaço. Teorias psicologizantes, aliadas a medidas educacionais equivocadas e outras de caráter meramente político e não comprometidas com o saber, têm dominado o cenário nas últimas décadas. E, assim, jovens indisciplinados e não socializados adentram um ambiente escolar de conveniente impunidade, encontrando, também aí, um lugar para chamar de seu. Se ocorre resistência a seus desmandos, remetem-se a seus dominados papais, que, acuados pelos filhos tiranos já crescidos, são pressionados a questionar quaisquer medidas que a escola, mesmo timidamente, tente implantar para discipliná-los.

Para pais inseguros é mais fácil exigir que a instituição mude que fazê-lo com filhos sem limites. E assim chegamos ao momento atual, em que os professores estão a cada dia com mais dificuldade para exercer o seu papel precípuo: ensinar. Em alguns casos, têm dificuldades até para preservar a integridade física. E mental. Felizmente não é em todas as escolas, mas a situação é crítica em grande parte da rede pública - e em parte da rede privada. Nesse contexto fica difícil alcançar o que, em educação, chamamos de situação de aprendizagem: um conjunto de condições que precisam existir para que a pessoa - criança, adolescente ou adulto - possa aprender. Segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o país em que o professor mais perde tempo de aula acalmando os alunos para poder ensinar (em média 20% de cada aula). Em situação de agressões, chacota, cutucadas e ameaças, não se consegue aprender - nem ensinar. Significa que, na sala de aula regida pelo desmando, o aluno não alcança o nível mínimo de concentração exigido para, por exemplo, ativar a memória de longa duração, essencial para que a aprendizagem não só ocorra, mas permaneça. Sem falar em atenção e motivação, condições que permitem à pessoa se concentrar, pensar e agir a favor da aprendizagem. Não existe milagre em educação. Professor acuado e agredido é professor inibido e atormentado. Aluno que demonstrou desejo de estudar e, por essa razão, é perseguido e maltratado pelos que aprenderam a amar a desordem e a impunidade se encolhe e não aprende.

Se a sociedade não acordar para a realidade dos fatos que aqui tento resumir; se não aprendermos com os erros recentes; se não abolirmos do sistema educacional as medidas inócuas e as deletérias que se tem tomado em educação nas últimas décadas (como a Progressão Continuada e o Sistema de Ciclos, que parece estar acabando, afinal); se, além disso, continuarmos a fingir que liberdade e licenciosidade são a mesma coisa, quando não o são de forma alguma; se não agirmos com presteza, diante do absurdo em que estão imersas as escolas da rede pública, em breve não teremos mais como reverter o quadro. Surgirão assim, a cada dia, mais e mais pessoas que, ainda que bem-intencionadas, acabarão atraídas para o outro extremo da linha que separa autoridade de autoritarismo.

E, assim como vemos nos protestos legítimos das ruas pessoas que se misturam aos que se manifestam contra a desonestidade e a corrupção para clamar pela volta da ditadura, assim também veremos crescer o quantitativo dos que defenderão a militarização primeiro nas escolas, depois na sociedade. Não, não precisamos de escolas militarizadas nem de acampamentos para rebeldes. Precisamos apenas compreender que só há aprendizagem em condições propícias ao aprender; que só teremos docentes de qualidade se lhes dermos condições para atenderem aos seus legítimos anseios de ensinar, porque - ganhem bem ou mal - não os teremos enquanto continuarem apanhando em sala de aula. Nem teremos democracia e igualdade de oportunidades se os jovens crescerem achando que têm todos os direitos, mas se esquivando aos deveres que lhes correspondem. Não existe cidadania quando só se tem direitos.

Devolver a autoridade aos docentes, volto a insistir, nada tem a ver com autoritarismo, e sim com o direito que a pessoa que ocupa um cargo precisa ter para alcançar o objetivo a que a instituição se propõe - sem ser confrontada a cada instante, e no mesmo patamar, por quem deseja e promove o impedimento ao direito que o outro e cada um têm de ter. Afinal, igualdade de oportunidades e democracia começam por aí.

* TANIA ZAGURY é filósofa, professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora, entre outros, de O professor refém, por que fracassa o ensino no Brasil (Editora Record).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento Aliás – Domingo, 23 de agosto de 2015 – Pg. E2 – Internet: clique aqui.

Nota de corte

José de Souza Martins*

É difícil imaginar que a pátria e o patriotismo subsistirão numa cultura
que vitima professores, vitima a educação e, no limite, lesa o País
 
LUCIANA FERNANDES:
professora da Escola Municipal "Padre Afonso Kist",
em Parobé (RS) agredida por aluna
Uma das dificuldades para a compreensão crítica da educação brasileira é a de que seus problemas são acobertados por slogans publicitários como o de “Pátria educadora”. Slogan não educa. É até estranho que se fale em pátria quando esse conceito vem sendo, há quase meio século, submetido a todo tipo de mistificação e de corrosão. As últimas gerações foram privadas da velha e boa concepção de pátria amada, submergida no reducionismo da pátria injusta, mas lucrativa, e da pátria permissiva, mas deformadora, a pátria sem o compromisso com o destino de todos e com o bem comum. A questão da educação malconduzida não pode ser compreendida senão como componente de uma generalizada depreciação de valores que foram historicamente essenciais na constituição do Brasil como nação. O que inclui o grave desapreço pela infância e pela adolescência, na valorização meramente nominal dos imaturos. Já não sabemos a diferença entre reprimir e educar.

É possível pensar a crise da educação brasileira a partir de indicadores não convencionais, como o da violência sofrida por professores, vitimados por agressões de alunos. Cito um caso desta semana. Luciana Fernandes, de 23 anos, professora concursada de Biologia na Escola Municipal Padre Afonso Kist, na cidade de Parobé, no Rio Grande do Sul, que viaja 50 quilômetros para dar suas aulas, foi violentamente agredida por uma aluna de 15 anos, auxiliada por duas irmãs. Como tantíssimos professores deste Brasil afora, é ainda jovem e, como tantos outros jovens, optou pelo magistério pensando muito mais na pátria do que no salário, no magistério como missão civilizadora. É difícil imaginar que a pátria e o patriotismo subsistirão nessa cultura de valores inversos, que vitima professores, vitima a escola e vitima a educação. E, no limite, lesa o País. Não sendo profissão para lucrar, pois seus parâmetros são os da civilização contra a barbárie e não os do lucro, os professores deste País têm sido tratados, cada vez mais, como seres adjetivos da pátria lucrativa.

Num outro extremo, podemos examinar a educação brasileira pelo índice de classificação de nossas universidades nos rankings internacionais. O número de instituições de ensino superior e de alunos tem crescido entre nós. O que é bom.

Não cresce, porém, o número das nossas universidades que ingressam nesses rankings, ainda reduzidas à mesma meia dúzia, nem mesmo nas posições mais inferiores da classificação. O que indica que crescemos na quantidade, mas não na competência. Crescemos apenas na perspectiva pobre da economia dos números. A USP e a Unicamp têm estado, aproximadamente, entre as 100 melhores universidades do mundo e a Unesp está entre 400 melhores. Não deixa de espantar, porém, que não raro veículos da mídia se regozijem com a queda eventual de um ponto comparativo de nossas melhores universidades nessas avaliações e não se regozijem nem um pouco com os frequentes e amplos índices de desempenho dessas mesmas universidades, os mesmos que as alinham com as melhores do mundo.

Debochamos dos nossos êxitos e não lamentamos nossos fracassos. O Brasil é, provavelmente, o único país do mundo que se destacou por ter um governante que reiteradamente desdenhava de quem tinha diploma universitário. Deseducava. E isso é do século atual.

O desapreço pela educação superior vem se materializando numa iniquidade incompreensível, que no Estado de São Paulo se concretiza pelo confisco do salário dos professores das três universidades estaduais paulistas porque supostamente ultrapassa o teto representado pelos vencimentos do governador do Estado. Teto que está um terço abaixo do que regula o que ganham os docentes das universidades federais, mesmo não sendo salário o ganho do governador. Direitos, adquiridos com base na lei e no desempenho pessoal, são anulados com base no equívoco da Assembleia Legislativa de estabelecer e generalizar na Constituição estadual essa referência descabida, quebrando o princípio da isonomia. Com isso, os salários das universidades paulistas estão muito aquém do das universidades federais, cujo parâmetro salarial é o dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). É difícil negar que, por ação ou omissão, está em andamento um difuso plano de minimização de nossas universidades de exemplar desempenho, como as três universidades paulistas. A competência está sendo punida.

Num outro extremo, o Brasil é o único país dos Brics, organização de países emergentes à qual se vinculou [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], que ainda não recebeu nenhum Prêmio Nobel, geralmente o melhor indicador da excelência do sistema educacional de um país. A Rússia tem 27 Prêmios Nobel, a Índia tem 9, a China tem 9 e a África do Sul tem 10. Mesmo a Argentina, nossa rival em tanta coisa, tem 5. Para não dizer que não temos nenhum, Fernando Henrique Cardoso, sociólogo de reputação internacional, ganhou em 2012 da Biblioteca do Congresso, dos Estados Unidos, o Prêmio John W. Kluge de Ciências Humanas, equivalente ao Prêmio Nobel.

* JOSÉ DE SOUZA MARTINS é sociólogo, membro da Academia Paulista de Letras e autor, entre outros, de Uma sociologia da vida cotidiana (Editora Contexto).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento Aliás – Domingo, 23 de agosto de 2015 – Pg. E3 – Internet: clique aqui.

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