«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

CORRUPÇÃO: MAU CHEIRO QUE INFECTA O PAÍS!

A corrupção cheira mal

Dom Odilo Pedro Scherer
Cardeal-Arcebispo de São Paulo

“O maior estímulo para a corrupção seria a convicção de que a
desonestidade compensa e a honestidade é uma tolice.”
Dom Odilo Pedro Scherer - Cardeal-Arcebispo de São Paulo

Há meses os noticiários estão recheados de fatos de corrupção. De tal modo nós já nos habituamos que as enormes somas em jogo nem mais impressionam, como se fossem fatos corriqueiros. Infelizmente, tinha razão quem vinha alertando, há vários anos, que um dos maiores males do Brasil era a corrupção. Assim se manifestou o cardeal Geraldo Majella Agnelo em 2005, arcebispo de Salvador e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) naquele ano. Suas palavras causaram protestos indignados, por levantarem suspeitas contra a honradez da vida política nacional... E hoje?!

Como em tudo, podemos ver também aqui um lado ruim e outro, bom. Ruins são o tamanho e a ramificação da corrupção em vários setores da vida pública, como vai sendo revelado. O lado bom é que os problemas começam a ser enfrentados seriamente, em vez de serem varridos para debaixo do tapete. Somente admitindo os fatos e indo às consequências é que se pode mudar certa cultura de tolerância em relação à corrupção. Para debelar a corrupção, são fundamentais a independência dos Poderes do Estado e a autonomia das instituições, para cumprirem seu papel sem ingerências interesseiras e corruptoras.

Mas ninguém se engane: a corrupção não ronda apenas a administração pública nem se refere apenas ao desvio de bens do Estado aos bilhões e milhões. Também são atos de corrupção os pequenos desvios, a sonegação de impostos ou as propinas para obter ou aceitar benefícios por meio do descumprimento dos deveres cívicos. E a pequena corrupção, quando não é corrigida em tempo, abre caminho para as grandes falcatruas.

A corrupção primeira e mais grave é a da consciência moral. Toda pessoa traz em si as noções básicas de bem e de mal e a capacidade de perceber o que é correto ou detestável na conduta. Vários fatores podem ajudar a aprimorar ou a deteriorar a sensibilidade da consciência, como a educação, o convívio social e a cultura circunstante. Mas é, sobretudo, a prática repetida de ações desonestas que leva à insensibilidade e à corrupção da consciência moral, abrindo caminho para ações desonestas maiores.

Os atos e fatos de corrupção estão relacionados com um grave problema ético e moral. São fruto de um desvio de conduta caracterizado pela desonestidade e a falta de senso de justiça. Além disso, decorrem da falta de solidariedade e da insensibilidade em relação aos direitos e necessidades alheios. Será, ainda, necessário dizer que a corrupção não combina com o bom caráter, a confiabilidade e a honradez? 
Papa Francisco durante visita a Scampia, na região de Nápoles onde atacou
severamente a corrupção e degradação moral da sociedade.
Em sua visita a Nápoles, em 21 de março deste ano, o papa Francisco usou palavras severas contra a corrupção e destacou a necessidade da vigilância constante, para ninguém se corromper: “Todos nós temos a possibilidade de ser corruptos e ninguém pode achar que está isento da tentação de enveredar por negócios fáceis, por caminhos de delinquência e da exploração de pessoas”. E observou que o conceito “corrupção” se refere a algo deteriorado, que perdeu a sua genuinidade e deixou de ser bom e prestável: “A corrupção cheira mal; a sociedade corrupta cheira mal”, concluiu o pontífice.

A corrupção, talvez, nos faz pensar logo em desvios de dinheiro e de bens, mas também existe a corrupção política, que é uma grave deterioração do sistema democrático, pois desvirtua e trai os princípios da ética e as normas da justiça social. Ela compromete gravemente a relação entre governantes e governados e introduz uma crescente desconfiança em relação à própria política e aos seus representantes, com o consequente enfraquecimento das instituições.

A corrupção política distorce a origem e a razão de ser das instituições representativas porque as usa como terreno para a barganha política de solicitações clientelistas e favores dos governantes. Assim, as opções políticas favorecem os objetivos restritos daqueles que possuem os meios para influenciá-las e impedem a realização do bem comum de todos os cidadãos. A política acaba transformada num pragmático balcão de negócios, ou num instrumento de benemerências personalistas.

Ao se unirem as duas formas de corrupção, a política e a econômica, surge um combinado extremamente devastador da vida social. Não será por isso que tantos cidadãos preferem, de maneira equivocada, a distância em relação à participação na vida política? “Meter-se em política” significa, para muitas pessoas, o mesmo que participar de negócios desonestos...

Existe remédio para a corrupção? Certamente sim. É indispensável, desde a mais tenra infância, a educação para a honestidade e o senso de justiça e solidariedade, como também o discernimento crítico diante dos fatos públicos de corrupção e desonestidade: estes não são bons exemplos a serem seguidos por crianças, jovens e adultos. Mas também é necessário que a Justiça realize o seu curso e chame às contas os agentes da corrupção. O maior estímulo para a corrupção seria a convicção de que a desonestidade compensa e a honestidade é uma tolice.

Na bula de proclamação do Ano Santo Extraordinário da Misericórdia de Deus, de abril de 2015, o papa Francisco conclama os culpados de corrupção ao arrependimento e ao pedido de perdão: “Esta praga apodrecida da sociedade é um pecado grave que brada aos céus, porque mina as próprias bases da vida pessoal e social. A corrupção impede de olhar para o futuro com esperança porque, com sua prepotência e avidez, ela destrói os projetos dos fracos e esmaga os mais pobres”. Para erradicá-la da vida pessoal e social, são necessárias a prudência, a vigilância constante aliada à fortaleza do caráter, a lealdade, transparência e a coragem da denúncia. “Se não se combate abertamente (a corrupção), mais cedo ou mais tarde ela nos faz seus cúmplices e nos destrói” (n. 19).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Sábado, 8 de agosto de 2015 – Pg. A2 – Internet: clique aqui.

Modus operandi

Fernando Filgueiras*

Com a falta de transparência que favorece negociatas desde a ditadura,
a corrupção tornou-se uma forma de governar o Brasil
Fernando Filgueiras - cientista político UFMG

Dias atrás, a cisma era que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal estavam conluiados com o governo para prejudicar as investigações da Lava Jato. Essa fala do presidente da Câmara dos Deputados ressoou a diversos ouvidos e criou celeuma. Agora, com a prisão de José Dirceu, este conluio se dissolveu e a celeuma de “prender alguém que já está preso” ressoa no sistema político de forma a surpreender incautos e criar indiferença aos céticos. O fato é que a operação Lava Jato colocou o sistema político nas cordas. Daí, o recurso discursivo é denunciar o conluio e a armação, com requintes de sedição. Some-se a isso o calor das ruas, no próximo dia 16 de agosto, e teremos um caldo de desconfiança e instabilidade generalizada. A corrupção no Brasil movimenta-se, comprometendo o sistema político.

No caso do Brasil, o movimento da corrupção é ambíguo. Houve avanços no que diz respeito aos mecanismos de controle. Mas o problema político persiste. Do ponto de vista de sua organização interna, o presidencialismo de coalizão no Brasil criou uma inércia da corrupção, porque manteve um padrão excludente das políticas públicas e favoreceu redes escusas entre políticos, burocratas e empresários. A pouca transparência nessas relações manteve mais ou menos intacto, desde a ditadura, um padrão de planejamento, investimento e serviços públicos, em que a corrupção era o ingrediente fundamental para deslanchar políticas públicas. Padrão este que tem como ponto nodal o financiamento político. O poder do dinheiro conta, e muito, na política brasileira, fazendo com que essa relação entre políticos, burocratas e empresários alimente-se do uso privado de recursos públicos. O resultado é a constituição de políticas públicas e de governos com baixa qualidade. Neste quadro inercial, a corrupção é uma forma de governar o Brasil.

Se, por um lado, no sistema político, a corrupção manteve um movimento inercial, o mesmo não ocorreu com as instituições de controle. O processo de democratização no Brasil desencadeou a mudança em instituições como o Tribunal de Contas da União, a Polícia Federal e o Ministério Público. E abriu o flanco para a criação de novas instituições como a Controladoria-Geral da União. A Constituição de 1988 trouxe novas competências para estas instituições e obrigou um processo de mudança organizacional. À medida que a organização dessas instituições foi sendo aprimorada, ampliou-se a capacidade estatal para desvelar a corrupção existente no Estado brasileiro. Os escândalos de corrupção que atravessam a Nova República, desde então, catalisaram esse processo de mudança das instituições. E também empoderaram essas instituições, de forma que os seus agentes passaram a lidar com as ambiguidades institucionais brasileiras de forma bastante rígida.

Da parte das instituições de controle, elas inovaram seus métodos, influenciam fortemente a criação de legislação inovadora e atuam de maneira firme em muitos aspectos da gestão pública. Mas esse processo de mudança não significou apenas mudanças organizacionais. Essas instituições tomaram a decisão política de enfrentar a corrupção existente no Estado brasileiro. E essa decisão abriu enorme margem de conflitos, em três searas.

[1º] Primeiro, o conflito das instituições de controle com as instituições do sistema político. Na operação Lava Jato, por exemplo, a extensão da rede que envolve políticos, partidos, empresários e burocratas é muito ampla. E tamanha amplitude abriu um flanco para enorme voluntarismo dos agentes das instituições de controle, os quais passaram a lutar contra o sistema político justificando a ação em defesa da sociedade hipossuficiente contra a corrupção dos políticos. Em muitos momentos, garantias constitucionais são apagadas e a atuação voluntarista implica na reinterpretação de leis, procedimentos e direitos com o único objetivo de limpar a história do Brasil.

[2º] Segundo, essas instituições de controle lutam entre si, seja pela atenção da opinião pública, que as empodera mais, seja pelo simples gozo do poder burocrático, em que o combate à corrupção se dá como uma solução moral para os nossos males políticos.

[3º] Terceiro, a luta contra a corrupção desgastou a relação das instituições do sistema político, especialmente do Executivo com o Legislativo.
Polícia Federal efetua prisões na Operação Lava Jato

E, nesse contexto, mora um perigo. Se passamos a conviver com vários escândalos de corrupção na democracia, podemos cair na tentação da corrupção da democracia. O movimento da corrupção é ambíguo. Essa ambiguidade significa processos em que a luta pelo poder se divide em dois lados: primeiro, no sistema político, eleito pela soberania popular; segundo, as instituições de controle, que não são eletivas, são burocráticas e com forte apoio da opinião pública. A operação Lava Jato deflagrou o forte conflito existente entre a Polícia Federal e o Ministério Público. Ambas as instituições discutem quem deve investigar a corrupção existente, além de se colocarem como fiadores da lei. A Lava Jato também deflagrou a luta entre Controladoria-Geral da União e Tribunal de Contas da União, que se digladiam para ver quem tem competência no processo de delação premiada. O resultado disso é que os processos de investigação e punição não são sequenciados, envolvem muito retrabalho entre as instituições e se arrastam na papelada burocrática. O voluntarismo do combate à corrupção não possibilita a criação de cooperação interinstitucional e coordenação de suas atividades, prejudicando fortemente o enfrentamento da corrupção. Assim, ela se mantém em uma política do escândalo, que dissolve o sistema político.

De outro lado, a operação Lava Jato tem resultado na reorganização do presidencialismo de coalizão. O governo está contra a parede e perdendo a sua capacidade de constituir pontes com o Congresso Nacional. O Congresso, por outro lado, está mais reativo, no sentido de manter o status quo e o funcionamento das relações de poder e, por consequência, das redes de corrupção. A eloquência do presidente da Câmara dos Deputados, dias atrás, faz sentido para o tempo presente se ela for olhada no contexto. Não que ela seja verossímil. Conluio das instituições de controle com o governo não há. O que há é o fato de que a corrupção na democracia brasileira balançou as relações institucionais. No que resultará esse movimento da corrupção?

No atual contexto de amplo conflito institucional - entre as instituições do sistema político, entre o sistema político e as instituições de controle e entre as instituições de controle - o movimento da corrupção ampliou as nossas ambiguidades. A ambiguidade do cenário está que não se sabe o movimento que será feito. Incertezas dominam, com fantasmas de impeachment, prisões e devassa das relações de poder. Em momentos de incerteza política forte, a única escolha que deve ser resguardada é a de que a democracia é intocável. Esse clima de enfraquecimento do governo e da representação política não interessa ao cidadão. Além de pagar pelas consequências da corrupção, pagará também pela instabilidade. Daí que o problema é político. E é com a política que as escolhas devem ser realizadas.

* FERNANDO FILGUEIRAS é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais. Organizou, com Leonardo Avritzer, a obra Corrupção e sistema político no Brasil (Ed. Civilização Brasileira, 2011).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Internacional / Visão Global – Domingo, 9 de agosto de 2015 – Pg. A16 – Internet: clique aqui.

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