«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

UM SONHO DE 500 ANOS

SÉRGIO AUGUSTO

Em um mundo que, por vezes, se revela um tanto quanto distópico,
ainda há lugar para utopias?

Faz sentido, neste ambiente de descrença e desilusões em que vivemos, acreditar em utopias? [1] Ou, justamente por isso, tornaram-se elas bem mais necessárias? De que utopias falamos? Políticas? Biológicas? Tecnológicas? Quais quimeras (ainda) alimentamos?

Por acreditar que a crença no fim das utopias é uma canoa tão furada quanto a do fim da história, o professor Adauto Novaes abriu espaço em seu ciclo anual de conferências em torno do tema das Mutações para fazer cessar o “triste silêncio” imposto ao pensamento da utopia e buscar respostas às perguntas do parágrafo anterior - e a outras mais. Sempre à frente do núcleo de reflexão Artepensamento, de uns tempos para cá de parceria com o Sesc-São Paulo, Novaes inaugura “O Novo Espírito Utópico” no próximo dia 11, na Maison de France do Rio, com uma palestra do professor Francis Wolff, um dos 22 conferencistas do ciclo, que a partir do dia 12 se estenderá a São Paulo, Belo Horizonte e Brasília.

Como estamos às vésperas de celebrar os 500 anos da palavra utopia e do romance filosófico de Thomas Morus que a consagrou, o momento é mais do que oportuno para examinar que novas feições ela adquiriu após tantos sonhos desfeitos e outros tantos pervertidos e que update [atualização] lhe deram as expectativas geradas pela informática, pelas biotecnologias, pelas nanociências, pelas ciências cognitivas e as perspectivas de clonagem, ectogênese (fecundação de útero artificial), artificialização dos órgãos do corpo e prolongamento da vida, abertas por elas.

Seu étimo grego, significando não-lugar, lugar nenhum ou, trocadilhescamente, lugar da felicidade (eutropia), designou primeiro uma ilha dos mares do Novo Mundo, em que foi bater um navegante português ligado a Américo Vespúcio. Terra prodigiosa, em tudo diferente da Europa do século 16, a perfeição imperava em suas cinquenta e poucas cidades. Morus imaginou-a empolgado pela descoberta da América e do “novo homem” que a habitava. Se bem que a República platônica já configurasse uma utopia, foi na ilha “descoberta” por Rafael Hitlodeu que surgiu o conceito de utopia como representação imaginária de uma sociedade que tenha encontrado soluções exemplares para todos os seus problemas.
"A ILHA" - na obra de Thomas Morus, sonho era resultado de idealização;
hoje, é reação às forças conservadoras, segundo Adauto Novaes

Outras sociedades ideais, fundamentadas em leis justas e instituições político-econômicas comprometidas com o bem-estar da coletividade, nasceram da imaginação de romancistas e pensadores, nos séculos seguintes, com particular insistência no século 19, auge do utopismo socialista de Charles Fourier, Étienne Cabet, Edward Bellamy e William Morris. A esses devaneios igualitários a dupla Marx-Engels combateu e contrapôs outro, supostamente científico, cuja caracterização como utopia pode livrar a cara do comunismo, mas não das sociedades que às suas ideias básicas deram concretude, a partir da revolução bolchevique, uma utopia que virou distopia [2].

A distopia é uma distorção ou uma mutação da utopia, um sonho que se transforma em pesadelo. A ficção científica e a literatura de antecipação são pródigas em fantasias do gênero. De Jules Verne (Capitão Nemo [3] era um utopista) ao Aldous Huxley de Admirável Mundo Novo [4], ao Orwell de 1984 [5] e ao Ray Bradbury de Fahrenheit 451 [6]. Serão todos lembrados ao longo do ciclo. De todo modo, as referências mais citadas e aludidas serão os pensadores que inspiraram ou, direta ou enviesadamente, se ocuparam da questão da utopia, como Kant, Hegel, Campanella, Saint-Simon, Walter Benjamin, Valéry, Camus, Bachelard, Foucault, Deleuze, Agamben e até Ivan Illich, grande crítico da sociedade industrial muito em voga nos anos 1970, que será lembrado por Jean-Pierre Dupuy em sua abordagem da metamorfose do sonho em pesadelo, não em termos psicanalíticos, mas socioeconômicos.

Eis alguns dos pesadelos (ou desdobramentos distópicos) arrolados por Dupuy:
  • a medicina que corrompe a saúde,
  • a escola que embrutece,
  • o transporte que imobiliza,
  • as comunicações que não comunicam,
  • os fluxos de informação que destroem o sentido,
  • a alimentação industrial que se transforma em veneno,
  • o recurso à energia fóssil que ameaça destruir o meio ambiente.

“Vivemos, hoje, um momento especialmente distópico”, dirá, de cara, o historiador e cientista político Marcelo Jasmin. Não será o único a realçar a descrença geral em relação:
  • a modelos redentores,
  • o aumento da violência cotidiana,
  • a crescente dependência dos seres humanos à tecnologia e sua incrível parafernália e
  • as enganosas promessas dos pós-humanistas, como a robotização das tarefas enfadonhas e pesadas, a cura de todas as doenças, a vida humana prolongada ao infinito, a imortalidade, enfim.

Na palestra de abertura, Francis Wolff começará afirmando nossa necessidade de utopias. “Elas são para as comunidades o que os sonhos são para os indivíduos. Uma utopia é um refúgio num ideal irrealizável quando o real parece insuportável, é a aspiração ao impossível.” E, sobretudo, uma “severa e lúcida crítica da realidade e do presente”, acrescentará, citando um trecho do ensaio de Novaes que abre o catálogo das conferências. O novo espírito utópico não se define por uma ação idealista, romântica ou autoritária (o Reich nazista nasceu como um utopia para durar mil anos), mas pela crítica e a reação ao conformismo e às forças conservadoras.

O ciclo será abrangente o bastante para falar de arte, arquitetura, do corpo, da ética da responsabilidade, da psicanálise e, se algum dos palestrantes ou alguém da plateia levantar a bola, do PT, nossa última grande utopia que foi (ou está indo) pro vinagre.

N O T A S :

[ 1 ] Utopia, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa significa: a) lugar ou estado ideal, de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos; b) qualquer descrição imaginativa de uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade; c) Derivação por extensão de sentido: projeto de natureza irrealizável; quimera, fantasia.

[ 2 ] Distopia, ainda segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa significa: a) lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação; antiutopia; b) qualquer representação ou descrição de uma organização social futura caracterizada por condições de vida insuportáveis, com o objetivo de criticar tendências da sociedade atual, ou parodiar utopias, alertando para os seus perigos; antiutopia [Famosas distopias foram concebidas por romancistas como George Orwell (1903-1950) e Aldous Huxley (1894-1963).]

[ 3 ]Capitão Nemo é um personagem fictício que aparece em duas aventuras de ficção escritas por Júlio Verne: Vinte Mil Léguas Submarinas (1870, edição brasileira: Zahar, 2011) e A Ilha Misteriosa (1874, edição brasileira: Zahar, 2015). Nemo era o comandante do navio submersível Náutilus. Descontente com a destruição que a sociedade do século XIX provoca no mundo com suas guerras e opressão, ele utiliza seu vasto conhecimento científico para construir um submarino elétrico e passa a viver no fundo do mar com alguns homens de sua confiança, como sendo um pirata (Fonte: Wikipédia).

[ 4 ] Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley tem edição brasileira pela “Biblioteca Azul”, selo da Editora Globo, ano de 2014.

[ 5 ] 1984 de George Orwell tem edição brasileira pela Companhia das Letras, ano 2009.

[ 6 ] Fahrenheit 451 de Ray Bradbury tem edição brasileira pela “Biblioteca Azul”, selo da Editora Globo, ano de 2012, 2ª edição.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 2 de agosto de 2015 – Pg. E5 – Internet: clique aqui.

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