POPULAÇÃO VOLTA A GASTAR MAIS ÁGUA!!!
Paulistano esquece crise hídrica, abre torneiras e
volta a gastar mais água
Edison Veiga e
Fabio Leite
Falsa sensação de melhoria, com elevação dos mananciais
e certeza de que não haverá rodízio, faz moradores de condomínios retomarem
rotina de consumo; pesquisa aponta afrouxamento de economia.
Bastou
um aviso do síndico no elevador com a informação de que o abastecimento de água
no prédio estava normalizado para que o designer Claudio Lopes, de 40 anos,
relaxasse. Os banhos voltaram a durar 15 minutos, e a máquina de lavar a
funcionar três vezes por semana. "Não quer dizer que eu esteja esbanjando
água, mas, aos poucos, minha rotina acabou voltando ao normal", diz o
morador da Vila Maria, na zona norte de São Paulo.
O
relato de Lopes seria motivo para comemorar não fosse um detalhe: a crise hídrica está longe de acabar. O
pior é que esse comportamento não é exceção. Pesquisa realizada pela administradora de condomínios Lello em
1,7 mil empreendimentos no Estado, dos quais 90% na capital, aponta uma queda
sensível na economia.
A
adesão dos condomínios ao programa de bônus da Companhia de Saneamento Básico
do Estado de São Paulo (Sabesp) caiu de 82%, em março, para 76% em junho. O
bônus beneficia contas cujo consumo fica abaixo da média aferida antes da
crise, entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014 - o desconto chega a 30%. Ou
seja, cerca de cem condomínios voltaram
a consumir mais água do que a média de gasto anterior à crise.
Para
Angélica Arbex, gerente de Relacionamento com o Cliente da Lello, o relaxamento acontece nos apartamentos. "A maioria dos
prédios segue fazendo um grande esforço na economia, mas a queda na adesão
serve como um sinal amarelo. Os síndicos continuam rigorosos e economizam água
na área comum, mas nas casas das pessoas entra o imponderável."
Velho
hábito
No
caso de Lopes, o aviso do síndico de que o racionamento de água feito pela
Sabesp por meio da redução da pressão e do fechamento manual da rede não
afetava mais o prédio, em maio, foi a senha para aposentar os baldes.
"Tinha até montado um sistema, com um cano, para captar da sacada a água
da chuva. Agora emprestei o cano para minha mãe, que mora em Guarulhos, onde a
situação é mais crítica."
O
resultado é visível na conta - o prédio tem medidores individualizados. Antes
da crise, ele costumava pagar R$ 60 por mês. No auge da seca, a tarifa chegou a
R$ 18, mas a última fatura já subiu para R$ 45.
O
médico Francisco Domenici Neto, de
73 anos, levou um susto quando viu a conta do prédio onde é síndico, na
Consolação, no centro. O consumo subiu
142 mil litros. "Passou de R$ 3,5 mil para R$ 6,9 mil. Houve um salto
enorme, muito maior do que o reajuste da tarifa e a perda do bônus. Os
moradores são muito conscientes do problema, mas não dá para descartar que
houve relaxamento."
Pior
Para
a arquiteta e urbanista Marussia Whately,
uma das idealizadoras do grupo Aliança
pela Água em São Paulo, as chuvas mais frequentes neste ano do que em 2014,
que ajudaram a elevar um pouco o nível dos mananciais, a redução das campanhas
de uso racional da água e a perda de espaço da crise hídrica no noticiário
explicam o comportamento. "Somado a
tudo isso, a forma como o governo vem comunicando a população, de que as obras
estão sendo feitas e não vai haver racionamento, gera um mau entendimento. O fato é que temos menos água e as
perspectivas de chuva não são boas", diz.
Na
cabeça do bancário Mario de Faria,
de 43 anos, porém, "o pior já passou" e "não vai mais faltar
água como a gente temia". Assim, ele não enche mais o quintal de sua casa,
na Vila Mariana, na zona sul, de baldes. "Cheguei a botar 20 baldes ao
mesmo tempo, para captar a água da chuva", conta. "Depois, era essa
água que usava para lavar o quintal, regar as plantas."
Moradora
da Vila Carrão, na zona leste, a diarista Iraci
Maria de Caires Pinheiro, de 52 anos, admite que voltou a ter uma vida mais
confortável. Nos primeiros meses do ano, quando o Sistema Cantareira chegou a
ter apenas 5% da capacidade, no seu segundo volume morto - hoje o nível está na
faixa dos 18% -, ela desligava o chuveiro na hora de se ensaboar e usava a água
do banho para a descarga. De maio para
cá, a rotina voltou ao normal, e o consumo, que chegou a 8 mil litros, subiu
para 10 mil. "Uso menos os baldes, tenho muita dor nas costas",
diz.
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Água brota de bueiro na avenida Antártica, sentido marginal, na Pompeia, zona oeste de São Paulo. Em meio a uma crise no abastecimento de água há, ainda, muito desperdício na própria rede da Sabesp! |
Mais
água
Esse comportamento já
obrigou a Sabesp a aumentar a produção de água na Grande São Paulo, que subiu quase 6% de
fevereiro para agosto, chegando a 53 mil litros por segundo, patamar semelhante
ao de janeiro. O aumento da retirada de
água aconteceu até mesmo no Cantareira e no Sistema Alto Tietê.
Na
minuta do plano de contingência elaborado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) e
revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo
em maio, a permanência da economia pela população é um dos pressupostos para
que o rodízio de cinco dias sem água na região do Cantareira não seja adotado.
Outro requisito é a entrega dentro do
prazo das obras emergenciais, como a transposição
da Represa Billings para o Alto Tietê, prometida para agosto, mas que só
deve ser entregue em outubro.
Por
causa do atraso e da seca no Alto Tietê, a Sabesp pediu aos órgãos gestores
para tirar mais água do Cantareira do que o previsto até outubro e não ser
obrigada a adotar rodízio. Com isso, o
manancial deve voltar para o segundo volume morto.
Em
nota, a Sabesp informa que a adesão ao bônus ficou estável em 83% dos clientes
em julho, mas a economia de água aumentou de 6,2 mil l/s para 6,5 mil l/s, o
que resultou em uma poupança de água superior a 180 bilhões de litros, mais do
que a capacidade total do Sistema Guarapiranga (171 bilhões).
Segundo
a companhia, a pesquisa da Lello "serve também de reforço para a importância
do uso racional da água". Quanto ao aumento da produção, a estatal informa
que "os números vêm se mantendo praticamente estáveis nos últimos meses,
com um leve crescimento por causa da gradual entrega de obras que ampliam a
capacidade de captação e produção".
A
Sabesp informa que, desde o início da crise, técnicos já visitaram mais de 30
mil condomínios em 89 bairros da capital, passando orientações de como reduzir
o consumo.
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