«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

MITOS E ILUSÕES A RESPEITO DA ALIMENTAÇÃO!

O orgânico nosso de cada dia

Entrevista com Alan Levinovitz

Nathalia Watkins

O filósofo americano traça paralelos entre as religiões e
os modismos alimentares, como o vegetarianismo,
e alerta para o fato de que os seres humanos não são o que comem
ALAN LEVINOVITZ

Professor de religião e filosofia na Universidade James Madison, em Harrisonburg, Virgínia, o americano Alan Levinovitz identificou um componente de fé nos modismos alimentares, como o vegetarianismo, o crudivorismo [aquele que aprecia ou prefere alimentos crus] e outras dietas restritivas.

Por dois anos, ele revisou centenas de pesquisas científicas e entrevistou médicos e cientistas. O resultado está no livro A Mentira do Glúten, com lançamento previsto para setembro no Brasil.

Levinovitz concluiu que, da mesma forma que os dogmas religiosos, o radicalismo nos hábitos alimentares se utiliza de padrões de comportamento para dar às pessoas a segurança de se sentir parte de um grupo e de estar fazendo algo que as tornará seres humanos melhores. Ele falou à VEJA por telefone.

O ser humano é o que come?

Alan Levinovitz: Em muitas culturas ancestrais, acreditou-se que coisas ou fenômenos parecidos teriam efeitos parecidos. Por exemplo, se um grupo de pessoas queria que chovesse, derramava um copo de água no chão. A água despejada, acreditava-se, poderia interferir no clima. Essa lógica se transferiu para o mundo da alimentação. Criou-se a crença de que a ingestão de gordura deixa a pessoa gorda. Isso faz sentido na teoria, mas não é verdade. A ciência já superou a máxima “você é o que você come”, porém ainda existe a necessidade humana de encontrar paralelos mágicos entre fenômenos distintos. Essa é uma solução fácil, que simplifica as escolhas alimentares. O problema é a perpetuação da ideia de que alguém pode ser melhor ou pior dependendo do que come. Por essa lógica, se alguém ingere algo considerado “puro” e “limpo”, também se tornará “puro” e “limpo”. Infelizmente, isso é acreditar em mágica. Os seres humanos querem regras simples para a vida e para dar um significado à própria existência. Por outro lado, há os que se sentem culpados por não comer bem. Isso é ridículo. Relaxar é tão importante quanto comer bem.

Por que o sentimento de culpa é pior do que alimentar-se mal?

Alan Levinovitz: Um estudo comparativo feito no Japão, na França e nos Estados Unidos mostrou que os americanos são os que se sentem mais culpados pelo que escolhem como alimentos e são os mais conscientes no que diz respeito à nutrição. Ao mesmo tempo, são os que mais sofrem com obesidade e são menos saudáveis.

O glúten é o vilão da vez da alimentação. Isso tem embasamento científico?

Alan Levinovitz: Há pessoas que realmente precisam cortar o glúten da dieta. São os celíacos. A estimativa é que eles representem cerca de 1% da população. Além deles, uma parcela que não é celíaca pode desenvolver reações ao glúten. Esse grupo representa entre 3% e 5% do total. Para todo o resto, não há nenhuma necessidade de evitar a ingestão dessa substância. Contudo, um terço dos americanos consome produtos sem glúten. A constatação é que dezenas de milhões de pessoas, para ficar só com as estatísticas americanas, estão cometendo um erro ao decidir o que devem ou não ingerir. Em vez de usarem informações com base científica ao tomar suas decisões à mesa, agem como fiéis religiosos.

As religiões também ajudam a estabelecer crenças alimentares?

Alan Levinovitz: Existe algo de divino na comida, que vem de muito tempo atrás. A história religiosa mais famosa do Ocidente, a de Adão e Eva, é um exemplo disso. A narrativa conta que eles eram pessoas boas e inocentes que viviam no paraíso até que uma serpente disse a Eva: “Coma essa fruta que você não deveria comer”. Depois, os dois tornaram-se mortais, experimentaram a dor, o sofrimento e passaram a ter de cultivar a terra. A lição é que comer algo indevido pode ser ruim e causar dor física.

No passado, regras alimentares religiosas, como halal [alimentos aprovados pela religião islâmica] e kasher [alimentos aprovados pela religião judaica], não teriam sido úteis como políticas de saúde pública, ao evitarem doenças?

Alan Levinovitz: Sempre achei que judeus não podiam comer carne de porco e crustáceos porque são alimentos que se deterioram facilmente. O objetivo seria manter o povo saudável. Mas pesquisas mais recentes indicam que a razão não é essa. O Levítico [livro do Antigo Testamento] prescreve que não se podem comer anfíbios ou sapos. Mas o critério nada tinha a ver com a saúde. Os textos religiosos exigem que os animais sejam classificados. O animal voa ou anda? Ele nada? Então, o critério para declarar impura a carne de um bicho derivou da impossibilidade de classificá-lo. Ao seguirem certas normas, os grupos humanos se diferenciaram uns dos outros. As normas alimentares tiveram o mesmo papel, estabelecendo uma identidade de grupo. Esse comportamento prevalece até hoje. Existe o grupo de pessoas que não come fast-food ou o grupo dos que evitam o consumo de açúcar. Essas escolhas são fatores definidores da identidade de cada um.

Mas açúcar em excesso faz mal, não?

Alan Levinovitz: Sim, e a principal razão disso é que essa substância é uma fonte barata e saborosa de calorias nutricionalmente vazias. Muito do excesso de calorias consumido no mundo inteiro vem de bebidas adoçadas e de outros alimentos açucarados. É um problema sério, mas não há nenhuma razão comprovada pela ciência para que se elimine completamente o açúcar da dieta.

A forma com que um alimento é produzido também ganhou contornos religiosos?

Alan Levinovitz: O mito de que se algo é feito de uma maneira imoral deve ter consequências ruins para o corpo é muito forte. Os argumentos usados por vegetarianos vão nessa linha. Alguns eliminam carnes de sua dieta porque se dizem contra a violência e o abate de animais. Mas o fato de os animais serem mortos para se tornarem alimento não quer dizer que eles farão mal ao organismo. Maldade moral não se converte em prejuízo à saúde.

O Instituto Nacional do Câncer do Brasil diz que “modos de cultivo livres do uso de agrotóxicos produzem frutas, legumes, verduras e leguminosas, como os feijões, com maior potencial anticancerígeno”. O que o senhor acha disso?

Alan Levinovitz: Isso é ridículo, francamente. O tabaco definitivamente causa câncer. Salvamos muitas vidas informando sobre os danos provocados pelo cigarro. O mesmo vale para o álcool. Beber em quantidades elevadas pode provocar malefícios. Mas é difícil encontrar evidências científicas consistentes de propriedades anticancerígenas em alimentos orgânicos ou mesmo em frutas e vegetais específicos. Quando os cientistas encontram esses benefícios, como no caso dos brócolis, o efeito é apenas marginal. A separação entre alimentos “orgânicos” e “não orgânicos” não é uma distinção científica. Essa palavra, assim como o termo “natural”, não existe na ciência. Se alimentos são cozidos e levados à mesa, eles não são naturais? Com os orgânicos, é a mesma coisa. Dizer que alimentos orgânicos ajudam a prevenir câncer é um mantra religioso. Essa afirmação remonta à ideia de que, em um passado distante, quando tudo era natural, todo mundo era mais saudável. Mas isso não é verdade. Não sabia da existência dessa orientação no Brasil, e estou chocado...

Por que a adaptação da comida à vida moderna é vista como algo ruim?

Alan Levinovitz: Ao fazermos esta entrevista, estamos realizando algo incrível. Eu estou na minha casa, em uma sala com ar condicionado, falando com você ao telefone, apesar de estarmos em continentes diferentes. É ótimo, certo? Embora tal situação não seja uma coisa natural, não nos sentimos em perigo por isso. Por que, quando se trata de comida, a tendência das pessoas é achar que há algo negativo na modernidade? Com moderação, dá para se servir de tudo. Para aproveitar a vida, o importante é ser flexível e não ficar o tempo todo impondo regras a si próprio. Conheço gente que deixa de ir a reuniões familiares por não saber a origem do que será servido. Ou deixa de mandar o filho a festas infantis por medo do açúcar colorido artificialmente. Viver com medo de ser impuro é viver com medo de estar doente. Isso é estressante, e pode levar a distúrbios alimentares. Não podemos viver como monges modernos. Comer não é somente um hábito para ser saudável e manter o peso. É também divertir-se com amigos, desfrutar cultura e história. Não podemos transformar os alimentos em remédios.

Há relação entre proselitismo religioso e proselitismo alimentar?

Alan Levinovitz: Certamente. Pessoas que realmente são sensíveis ao glúten não tentam convencer as demais a abandonar o glúten. Para elas, cortar o glúten é uma necessidade médica. Quem faz proselitismo, seja da dieta paleolítica, seja da vegetariana ou de outros modismos, acha que vive de uma maneira superior e, por isso, quer atrair o maior número de adeptos para sua religião. Fazer proselitismo de comida e de exercícios físicos é um modo de definir a própria identidade como superior à dos outros. 
Livro de Alan Levinovitz que será publicado em breve no Brasil.
Título (tradução livre):
"A Mentira do Glúten e outros Mitos sobre o que Você Come"

As duas formas de proselitismo são igualmente ruins?

Alan Levinovitz: Se uma pessoa acredita que sua fé faz bem e proporciona uma vida melhor, é positivo convencer os outros a se juntarem a ela. Mas é triste ver o mesmo entusiasmo religioso aplicado à comida e aos exercícios. Os seres humanos amam dominar os outros, dizer o que devem fazer. Os governos, particularmente, adoram fazer isso.

Assim como na religião, há entre as dietas uma competição para ser a mais pura e radical?

Alan Levinovitz: Sim, essa é a regra. Nos Estados Unidos, a dieta paleolítica é muito popular. Nela, tenta-se imitar a alimentação dos nossos ancestrais. Isso nada mais é que uma versão da busca pelo paraíso perdido. Mas há muitas variações dessa dieta e há diferentes grupos que divergem como praticá-la. Alguns dizem que não é permitido nem comer tomates porque são ervas-mouras e não existiam antigamente. Outros pregam que, para ser paleolítico de verdade, não se podem fazer exercícios em uma academia. É preciso fazê-los ao ar livre. Por isso, muitos são adeptos do crossfit, que se tornou muito popular. Contudo, assim como na religião, não se pode ser muito fundamentalista, ou não haverá novos adeptos. Os que só comem alimentos crus ou plantas que só existiam há 10.000 anos vão se dar conta uma hora de que, se quiserem que façamos parte do grupo deles, será preciso afrouxar as regras. As religiões também tendem a ser muito puras no início, e depois ficam mais flexíveis.

Que influência as celebridades exercem sobre os hábitos alimentares das pessoas?

Alan Levinovitz: Em uma era em que as mídias digitais se tornaram muito populares e acessíveis, as estrelas de cinema e os atletas assumiram o papel dos santos do passado. Em vez de olharem para os textos religiosos, os indivíduos leem o que as celebridades dizem porque querem alguém para guiá-los. Eles também acreditam que, se fizerem o mesmo que os famosos, terão um resultado igual ao deles. Santidade, atualmente, é um conceito distorcido.

Por que as religiões alimentares quase sempre apontam o capitalismo como o maior dos males?

Alan Levinovitz: Movimentos religiosos originam-se muitas vezes do sentimento de perda de poder e do desejo de culpar alguém. A verdade é que humanos morrem, ficam doentes. É muito frustrante. Então, procuramos culpados, e geralmente fazemos isso apontando o dedo para quem tem poder. Atualmente, a maior fonte de poder são os governos democráticos e a indústria capitalista, mas são eles, sem sobra de dúvida, os responsáveis pela melhora na nossa qualidade de vida. Podemos ir a um supermercado e encontrar frutas de qualquer parte do mundo. Apesar disso, é fácil acreditar que no passado, sim, era tudo um paraíso. Então, para muitos, o capitalismo e a democracia representam a modernidade que nos afasta do mito do paraíso.

A indústria alimentícia está em perigo?

Alan Levinovitz: Claro que não. Os empresários estão muito felizes em vender bebidas sem adição de açúcar e alimentos sem sal. No mundo dos alimentos, os donos das empresas que vendem alimentos orgânicos são os mesmos das que vendem os não orgânicos. Eles simplesmente não ligam para isso.

Fonte: VEJA – Entrevista – Edição 2440 – Ano 48 – nº 34 – 26 de agosto de 2015 – Pgs. 17, 20-21 – Edição impressa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.