ALERTA: NOSSAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS!
Estão aí de volta as águas escondidas
Washington
Novaes
Sem desmatamento zero
na Amazônia não conseguiremos resolver problemas no Sudeste
A ONG Greenpeace faz protesto e alerta na Amazônia: "A falta de água começa aqui" |
Como foi destacado em editorial há poucos dias (O Estado de S. Paulo, 7/4), precisamos
prestar atenção às notícias que têm chegado da Califórnia (EUA): cientistas advertem que com a seca persistente
por lá há quatro anos as reservas de água são suficientes para apenas um ano (Los Angeles Times, 18/3); a Universidade
da Califórnia insiste em que é preciso estabelecer racionamento imediato do
consumo em todas as áreas porque a seca é a mais grave em muitos séculos - e o racionamento
precisa começar na agricultura, que usa 80% da água. Também a ONU relembra a
carência de água em grande parte do mundo e a necessidade de gestão competente.
Em alguns pontos da
Califórnia a água no subsolo já baixou 15 metros e seu nível está se reduzindo
30 centímetros por ano, o uso é maior que a reposição. O governador do
Estado já baixou legislação sobre uso da água do subsolo, assim como para
consumo urbano, a ser reduzido em 25%. E não é só lá que a situação se
complica, também em partes do Arizona,
Nevada, Novo México, Oklahoma e Texas (New York Times, 6/4). "O
futuro da Califórnia poderá ser catastrófico", segundo a Nasa. Tudo
tão difícil que 14 Estados norte-americanos já prepararam seus planos para
racionamento.
Se olharmos para
nosso terreiro, não nos faltarão razões para inquietação:
·
39% dos
nossos municípios (2.153) dependem integralmente do abastecimento por águas
subterrâneas.
·
Em Ribeirão
Preto [SP], que só pode fornecer água do subsolo a seus mais de 600 mil
habitantes (toda a água superficial está poluída), o nível baixara, já no
início desta década, 60 metros em 50 anos (O
Estado de S. Paulo, 26/10/2011). E se o ritmo atual da extração se mantiver
em 4% acima da reposição, o problema será incontornável, pois cada habitante
consome mais que a média nacional (250 litros/dia).
·
Na região
do Aquífero Bauru havia 3.500 poços, dos quais apenas 17% regularizados.
·
No Paraná
havia outorga para 10 mil poços tubulares.
·
Está voltando à tona situação que já era
preocupante no início desta década - o estado das águas subterrâneas -, quando
os jornais diziam que só o Município de
São Paulo tinha mais de 12 mil poços de água subterrânea para abastecimento
- em boa parte ilegais, mas sem eles haveria um colapso no abastecimento.
·
Já se sabia que entre 35% e 45% da população nacional era abastecida por essa água do
subsolo;
·
no Estado
[de São Paulo], em pelo menos 75%
dos municípios alguma parte do abastecimento cabia a essas águas.
·
Em Pernambuco,
o aquífero corria risco de salinização e contaminação, dada a precariedade das
técnicas. Só que ele abastecia 3,7 milhões de pessoas (remabrasil, 24/12/2013), com 13 mil poços, incluídos subterrâneos.
·
Também em Natal
[RN] o sistema de abastecimento público se baseava em águas subterrâneas, com
poços distribuídos por toda a área urbana.
A ONU escandaliza-se
já há anos (Folha de S. Paulo,
28/9/2010) com a situação das águas
subterrâneas, responsáveis pelo abastecimento em um quarto do mundo. E seu
uso - sem retorno ao subsolo - contribui até para a elevação do nível dos
oceanos. A exploração dos aquíferos
subterrâneos dobrou desde 1960, segundo a Universidade de Utrecht, na Holanda.
Não bastassem tantas informações preocupantes, a Agência Nacional de Águas, no seu
relatório Conjuntura dos Recursos
Hídricos 2014, divulga (20/3/15) que
desde o segundo semestre de 2012 é "gradativa e intensa a redução das
taxas pluviométricas" em algumas regiões, principalmente no Sudeste, no
Semi-Árido e nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Irrigação e geração de energia já estão sendo afetadas, além dos reservatórios,
afirma o documento.
No Nordeste, desde
2012 têm acontecido secas com tempo médio superior ao que costumava acontecer
nos últimos cem anos. O nível dos reservatórios na região caiu de 61,7% em
maio de 2012 para 25,3% menos de um ano depois. E continuou caindo.
Na Amazônia, há
poucos dias registravam-se 626.751 pessoas em Manaus sem acesso a redes de
abastecimento - numa cidade, como tem sido lembrado aqui, que é cercada pelos
Rios Negro e Solimões. Só no primeiro correm 29 milhões de litros por segundo (amazonia.org, 1.º/4). Multiplicam-se poços subterrâneos
clandestinos, aumentam as doenças veiculadas pela água, principalmente em
crianças. Mas na rede de abastecimento as perdas de água são muito altas.
No País, a média de perdas na rede é de 40%. E na Amazônia o Ministério da
Integração Nacional precisou reconhecer o oposto (amazonia.org, 23/13): a
situação de emergência em quatro municípios de Roraima - mas lá por causa de
seca.
Somos mesmo um país de contrastes, com tantas situações
difíceis. Mas, ao mesmo tempo, somos (Unesco,
abril 2015) um dos maiores "exportadores virtuais de água do mundo",
após EUA e Índia, "principalmente nas commodities agrícolas" que
vendemos ao exterior. Segundo a ONU,
dois terços da humanidade são, em alguma medida, carentes de recursos hídricos,
1,8 bilhão de pessoas enfrenta a escassez. A China já perdeu 6% de sua área
antes cultivada. A Austrália há mais de 20 anos determina qual parcela de sua
água pode ser usada na agricultura.
Diante de tudo isso, é incompreensível que o governo
brasileiro tenha retardado, com a demissão de cientistas nessa área específica,
a conclusão do nosso relatório sobre emissões de poluentes que afetam o clima -
e os recursos hídricos. Até o fim do ano a Convenção do Clima negociará os
compromissos de cada país de reduzir suas emissões. E novos relatórios estão
advertindo sobre impactos nessa área no País. O respeitado cientista J. V. Marengo, do Inpe, admite que podem "relacionar-se com níveis crescentes de
urbanização e de formação de ilhas de calor" nas metrópoles. E outro
cientista do Inpe, Antônio Donato Nobre, não deixa dúvida:
sem desmatamento zero na Amazônia não
conseguiremos resolver os problemas de clima e de água no Sudeste.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Espaço aberto – Sexta-feira, 10 de abril de 2015 – Pg. A2 –
Internet: clique aqui.
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