«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

REFORMA POLÍTICA: DEBATE IMPERDÍVEL!

DUAS VISÕES SOBRE A QUESTÃO

Reforma política: democracia ou plutocracia?

Francisco Fonseca*

Deve-se notar quão diferentes são os projetos: o de Eduardo Cunha, assentado no binômio “financiamento privado” e “voto facultativo”, em contraste com o da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, cuja lógica é o financiamento público e o empoderamento dos partidos políticos e do cidadão comum
O último governo militar, comandado pelo general Figueiredo e articulado ideologicamente pelo general Golbery, o atual sistema político foi estruturado com o objetivo de, parcialmente, contemplar demandas democráticas (caso do pluripartidarismo), mas fundamentalmente manter o status quo, o que implicou, por um lado, impedir qualquer reprimenda às barbáries impetradas pelos militares e, por outro, vetar grandes reformas estruturais: políticas, sociais e econômicas. [1]

Deu-se a redemocratização, e a espinha dorsal do sistema político não foi alterada, pois:

a) o pluripartidarismo foi levado às últimas consequências, a ponto de termos hoje 28 partidos legais com participação no jogo político, dos quais grande parte é considerada “partido de balcão”;

b) o financiamento dos partidos políticos se consolidou de forma mista (fundo partidário público e financiamento privado legal), mas com uma terceira e decisiva forma de financiamento, ilegal: o chamado caixa dois, que se desenvolve durante todo o período governamental. Neste, as prioridades governamentais (a questão da agenda), que se dão desde o momento eleitoral (coligações eleitorais), passam por parte significativa das licitações, pela composição dos governos (distribuição de nacos de poder a grupos com interesses muito distintos) e pela lógica da chamada “governabilidade”, por meio de “bases de apoio” amplíssimas (coalizão), tornando o caixa dois uma verdadeira instituição informal da vida política brasileira. Nesse sentido, independentemente de partidos políticos e governos, o que se vê, desde a redemocratização, é uma sucessão de escândalos, cuja lista é longa e perpassa todos os governos, e cuja raiz é o financiamento de partidos/campanhas tanto por meio de doações privadas legais – cuja lógica é beneficiar-se após as eleições – como por meio do caixa dois;

c) a lógica da “governabilidade a qualquer custo”, anteriormente referida, aprofundou-se de tal forma que qualquer governo de coalizão paga um custo político brutal – notadamente os partidos ideológicos, quando vencem eleições ao Executivo – para governar, a ponto de perder sua identidade, então construída quando de oposição (caso notório do PT). Tal sistema tornou-se verdadeira “máquina de moer partidos”, em boa medida indiferenciando-os no quesito “comportamentos/costumes políticos” – embora não quanto a determinados conteúdos de políticas, mesmo que incrementais –, o que traz consequências trágicas à chamada “cultura política”, isto é, aos valores referenciados à “esfera pública”;

d) distorções as mais distintas foram ocorrendo, tornando o sistema político um mosaico de perversidades: coligação nas eleições aos cargos proporcionais, que implica que o eleitor vote num partido/candidato e eleja outro, de outro partido; a lógica de que os partidos derrotados também governam, em razão da referida necessidade de maioria parlamentar a qualquer custo; a controversa desproporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados; o estímulo ao personalismo na vida política, associado ao descrédito que o sistema político confere tanto ao subsistema de partidos como ao Parlamento; entre outros;

e) os mecanismos institucionais/legais de fiscalização, embora tenham avançado enormemente, não foram capazes de desfazer a lógica privatizante da vida “pública” brasileira, a ponto de “engavetadores-gerais da República” serem possíveis, uma vez que, em boa medida, dependem do perfil de quem está no poder das instituições fiscalizatórias;

f) o papel despolitizante, simplificador ao extremo dos problemas nacionais e antidemocrático da grande mídia formou gerações e gerações de “cidadãos” manipulados e incapazes de minimamente refletir sobre os aspectos basilares do processo político (caso das manifestações das classes médias ocorridas no dia 15 de março). Nunca é demais relembrar que a grande mídia brasileira é fortemente oligopolizada (conceito econômico) e oligárquica (conceito político: famílias detentoras de enorme poder comunicacional), tendo prestado enormes desserviços à democracia no Brasil, e jamais foi contida por nenhum governo desde a redemocratização, por quaisquer meios: institucionais, legais, políticos, econômicos, creditícios etc.

Em razão desse conjunto de problemas, tem havido intensos debates, propostas diversas de reforma política e inúmeros embates desde a redemocratização. Dessa forma, duas grandes propostas se consolidaram, desde o ano passado, como projetos claramente antagônicos.
EDUARDO CUNHA - Deputado Federal pelo PMDB do Rio de Janeiro
Atual Presidente da Câmara Federal - Defende a "Proposta 1" de Reforma Política
PROPOSTA 1:

Do lado conservador, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 352/2013, de autoria do hoje ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) e encampada pelo deputado e atual presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), [2] que, em linhas gerais, fundamentalmente institucionaliza o financiamento privado – por meio de um inexequível sistema de “escolha”, por partido, da forma de financiamento, isto é, se público, misto ou privado; institui o “voto facultativo”; e impede a reeleição aos executivos; entre outras medidas, a maior parte conservadoras e outras nem tanto, embora, estas, de menor importância. Sobretudo as duas primeiras medidas são suficientes para simultaneamente derrogar toda a luta por reformas de cunho democrático e institucionalizar o que há de pior na vida política do país. Como bem aponta Maria Inês Nassif: “O país, agora, está diante de uma ação desafiadora do presidente da Câmara e de seus asseclas, que têm especialmente como objetivo manter o financiamento privado de campanha, centro de todos os escândalos políticos que envolvem o país desde a primeira eleição direta para a Presidência da República pós-ditadura, em 1989”. [3]

A chamada “privatização da vida pública” tem no financiamento privado (legal e ilegal) verdadeiro pilar, uma vez que:

·        torna estratosférico o preço das campanhas;
·        impede que os pequenos partidos ideológicos tenham a mínima chance de concorrer com os grandes partidos que “jogam o jogo”;
·        torna os poderes do Estado e boa parte de suas ações verdadeiros “balcões de negócios”;
·        estimula a existência ao infinito de partidos e atrai políticos sem qualquer compromisso com a democracia e sem o mais tênue sentido de “esfera pública”;
·        elitiza fortemente a política, dificultando estruturalmente reformas populares ao blindar as elites de qualquer possibilidade de “reformas radicais democráticas”;
·        desestimula a participação política do cidadão comum, abrindo caminho para os lobbies e toda forma de tráfico de influência.

Tudo isso amparado, coordenado e amplificado pelo aparato midiático, espécie de “intelectual orgânico” do capital e das classes médias gestoras deste, e que precisa igualmente ser reformado. A PEC n. 352 constitucionaliza, portanto, a plutocracia, isto é, a formalização do governo dos detentores do capital, que hoje atua de maneira informal.

Quanto ao voto facultativo, trata-se de verdadeira derrubada de qualquer vestígio popular de democracia, o que é um paradoxo. Afinal, num país em que historicamente se descrê, e de maneira vigorosa, das instituições estatais e do sistema político, [4] o voto facultativo – cuja imagem é a ideia de que “direitos não se obrigam” – tenderia fortemente a excluir os pobres da vida política. A plutocracia fecharia o círculo: pela origem, via capital privado, e pela dinâmica, por meio do voto das classes médias e dos ricos.

Não é coincidência que a agenda conservadora tem no voto facultativo um de seus motes, reforçado ao extremo pela cobertura dos grandes meios de comunicação: TVs, rádios, jornais, revistas e grandes portais privados. A imagem negativa das instituições e do sistema político como algo intrinsecamente sujo tende a afastar da vida política institucional os mais pobres, mais vulneráveis ao “pensamento único” e àquilo notabilizado por Goebbels e válido fortemente nos dias de hoje: a estratégia de que “uma mentira contada reiteradas vezes torna-se verdade”. Portanto, o voto facultativo adquire enorme importância para a lógica privatista e elitista: excluir os pobres – num sistema “formalmente” democrático – da democracia sem a utilização da violência e de regimes autoritários. Reitere-se que a combinação de constitucionalização do financiamento privado com voto facultativo liquida liminarmente a experiência democrática brasileira. [5]
Defende a "Proposta 2"
PROPOSTA 2:

De maneira oposta, diversas organizações democrática e politicamente organizadas vêm se articulando em torno da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, [6] que reúne mais de uma centena de entidades, entre as quais OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], centrais sindicais e inúmeras outras, das mais distintas naturezas, mas com um único propósito: reformar o sistema político brasileiro numa perspectiva de fato democrática. Os pilares da proposta, que necessita de 1,5 milhão de assinaturas para ser apresentado ao Congresso, baseiam-se:

·        na proibição do financiamento empresarial a partidos e candidatos;
·        o voto em lista em dois turnos: no primeiro turno o eleitor vota em uma lista de candidatos apresentada pelo partido e, no segundo turno, em um candidato específico;
·        fim das coligações proporcionais; [7]
·        paridade entre homens e mulheres nas listas partidárias; e
·        fortalecimento dos mecanismos de democracia direta com a participação da sociedade em decisões nacionais importantes.

Trata-se de um projeto autenticamente popular e democrático: forma e conteúdo. Afinal, impede o financiamento empresarial [8] ao expor a incoerência e a desigualdade resultante desse instrumento, que privilegia determinados partidos em detrimento de outros, torna o jogo político iníquo e fundamentalmente permite o domínio do capital sobre o cidadão.

O projeto procura empoderar dois atores fundamentais: primeiro, os partidos políticos, por meio do voto em lista preordenada, em que os partidos se tornam protagonistas, em vez de os candidatos como indivíduos. Os partidos políticos passam, portanto, a ser responsabilizados e cobrados pela lista de candidatos ofertada, o que implica tornar os mandatos dos eleitos pertencentes, de fato, aos partidos que lhes deram guarida. Mas, o mais importante, implica fortalecê-los como instituição, diminuindo o personalismo individualista que rege o cenário partidário brasileiro.

Segundo, as mulheres (política de gênero) são igualmente empoderadas ao se estatuir paridade entre homens e mulheres na lista ofertada aos eleitores. O projeto considera fundamental que as mulheres sejam protagonistas na vida político/institucional, uma vez que não apenas são maioria da população brasileira (51%, de acordo com o último Censo), como sua participação – nas três esferas do Estado – é historicamente diminuta. Embora haja a lei dos 30% de vagas reservadas às mulheres candidatas aos parlamentos, por partido, o fato é que a participação feminina continua extremamente aquém de seu número e, sobretudo, de sua importância.

Por fim, quanto aos mecanismos de participação direta – também chamados de “democracia direta” e de “controle social” –, procura-se equalizar a democracia representativa (institucional) e a democracia direta (ou de base), de forma que se complementem. Afinal, não há qualquer incompatibilidade entre ambas, [9] visto que conselhos gestores de políticas públicas, conferências locais, regionais e nacional de políticas, formas diversas de participação, incluindo-se as digitais, entre outras, já fazem parte da dinâmica social brasileira, embora sem a formalização de uma lei orgânica, que seria o caso do decreto presidencial que os institucionalizaria.

Deve-se notar quão diferentes, isto é, opostos, são os projetos:

·        o de Eduardo Cunha, assentado no binômio “financiamento privado” e “voto facultativo”, em contraste com
·        o da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, cuja lógica é o financiamento público (fim da plutocracia) e o empoderamento dos partidos políticos (voto em lista), das mulheres (paridade) e do cidadão comum (formas de democracia direta e controle social).

Embora em ambos os projetos haja outras questões, tal como proibição da reeleição aos executivos (PEC n. 352), reeleição apenas uma vez, incluindo-se os cargos parlamentares (proposta da Coalizão), entre tantas outras, os pilares de ambos os projetos ancoram-se na forma de financiamento, na obrigatoriedade ou não do voto e na formatação do sistema eleitoral.

Quanto a este último – no bojo das premissas que devem reger a reforma política –, a questão fundamental baseia-se no conjunto de princípios, isto é, representatividade, legitimidade, responsividade, transparência e expressão de uma doutrina política que deve possuir o sistema político e, consequentemente, seus subsistemas: partidário e eleitoral.

A PEC n. 352 (forma e conteúdo), encampada pelo deputado Eduardo Cunha, coloca sobre a democracia brasileira verdadeira “bala de prata”, com o objetivo de ceifá-la, tornando-a uma democracia “formalmente democrática”, mas, na prática, “essencialmente plutocrática”. O projeto da Coalizão é simples e extremamente democrático.

São dois projetos de Brasil. A vitória de um ou de outro impactará gerações. Não é pouco o que está em jogo!

* Francisco Fonseca é mestre em Ciência Política e doutor em História, professor de Ciência Política na FGV-SP e autor de diversos artigos e livros, entre os quais O consenso forjado – A grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil (2005) e Liberalismo autoritário – Discurso liberal e práxis autoritária na imprensa brasileira (2011), ambos pela Editora Hucitec.

N O T A S :

[ 1 ] Analisei a trajetória recente do sistema político brasileiro na edição de outubro de 2014 do Le Monde Diplomatique Brasil, no artigo intitulado “A que(m) serve o sistema político brasileiro?”.

[ 2 ] Ver aqui.

[ 3 ] Maria Inês Nassif, “A quem serve a reforma política que Eduardo Cunha tirou do baú?”, Carta Maior, 21 fev. 2015. Disponível aqui. Deve-se notar, além do mais, a pressa com que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, pretende votar o projeto, aproveitando-se de sua popularidade, assim como o conservadorismo de alguns dos principais nomes componentes da comissão que analisa o projeto, a começar por seu presidente, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

[ 4 ] Descrença essa captada por pesquisas sobre crença na democracia nos países da América Latina pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pelo instituto chileno Latinobarómetro (clique: aqui). Ver também o texto de Francisco Fonseca, “Mídia e poder: elementos conceituais e empíricos para o desenvolvimento da democracia brasileira”, Texto para Discussão, Brasília, Ipea, 2010 (TD 1509). Disponível: aqui.

[ 5 ] Embora o voto obrigatório não seja um fim em si mesmo – o que significa que poderá futuramente ser alterado tendo em vista a democratização da sociedade e do Estado –, permanece ainda hoje como fundamental em virtude da ainda vigorosa desigualdade brasileira (em diversos sentidos), da lógica privatista do sistema político e do oligopólio do sistema midiático, entre outros fatores.

[ 6 ] Ver: www.reformapoliticademocratica.org.br. Trata-se de projeto de iniciativa popular construído por entidades representativas da sociedade politicamente organizada – também chamada, por muitos, de “sociedade civil”.

[ 7 ] Desses tópicos, o fim das coligações nas eleições proporcionais é semelhante nos dois projetos, que, de resto, têm pressupostos e objetivos antagônicos, embora com um ou outro aspecto semelhante.

[ 8 ] Não há menção ao financiamento privado por pessoas físicas, aceito no projeto da presidenta Dilma e do PT, mas com tetos parcimoniosos.

[ 9 ] Deve-se notar que não foi dessa forma a percepção majoritária do Congresso Nacional sobre a “Política Nacional de Participação Social” (PNPS), iniciativa da presidenta Dilma Rousseff ao final de seu primeiro mandato, tendo em vista que fora derrogada. Ver PNPS: Clique aqui.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Ano 8 – Número 93 – Abril 2015 – Pgs. 4 e 5 – Internet: clique aqui.

Financiamento público: quem lucra?

Leôncio Martins Rodrigues*

Em política não há mudanças inocentes das regras do jogo.
As doações estatais não seriam distribuídas em partes iguais a todas as legendas.
Os partidos grandes receberiam mais.
LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES
Cientista Político - Professor da USP e UNICAMP
A universalização do direito de voto é um indicador de avanço dos valores e da prática da democracia representativa. Contudo muitas vezes produz alguns efeitos colaterais negativos. Um deles é o encarecimento astronômico do preço de entrada e permanência na arena político-partidária. Alguns sistemas eleitorais, é certo, podem diminuir os custos da atividade política, mas, em geral, quanto maior o eleitorado, mais caras as campanhas e mais fortes os estímulos à corrupção. Por tabela, vem o aumento da importância dos grandes doadores, basicamente de grandes empresas e grupos econômicos privados. Nas democracias de massas o vil metal [o dinheiro] torna-se importante ator do jogo político. Com boa dose de razão, teme-se que um punhado de eleitores especiais adquira excessiva influência no sistema político e, consequentemente, na administração pública e nos destinos do País.

Efetivamente, muitas pesquisas mostram que os candidatos que dispõem de mais capital econômico têm maior probabilidade de se eleger. O fato reforça os argumentos de que o dinheiro vindo dos cofres públicos e a proibição de doações privadas introduziriam mais isonomia nas disputas.

Para contrabalançar a influência das grandes empresas no processo político uma proposta de alteração na legislação eleitoral, defendida especialmente pelo PT, é a redução ou mesmo a proibição do financiamento privado das campanhas eleitorais. À primeira vista, todos ganhariam. Até mesmo os minipartidos teriam seu pequeno quinhão.

Mas em política não há mudanças inocentes das regras do jogo. As doações estatais não seriam distribuídas em partes iguais a todas as legendas. Os partidos grandes receberiam mais. Seguramente, em maior ou maior escala, alguns partidos seriam mais favorecidos que outros.

À primeira vista, os mais prejudicados pelas restrições a doações privadas seriam os que delas mais recebem, ou seja, os maiores partidos. Mas se os critérios que regem a distribuição do Fundo Partidário (já existente) servirem de inspiração, as legendas que captaram mais votos na eleição imediatamente anterior para a Câmara dos Deputados receberiam mais dinheiro público. As somas recebidas espelhariam a diferença de força dos partidos na eleição imediatamente anterior. Mudanças posteriores na disposição do eleitorado não afetariam a distribuição dos recursos. Assim, como tendência, o dinheiro público trabalharia a favor do status quo partidário. Não mudaria significativamente a distribuição de forças na Câmara. Os grandes partidos perderiam as doações privadas, mas seriam os que mais receberiam do Estado.

Nos dias de hoje, os mais favorecidos pelas contribuições do Fundo Partidário são o PMDB, o PT e o PSDB. Se, por hipótese, o declínio do PT continuar, a quantia a ser repassada ao partido de Lula para a disputa de 2018 seria calculada pela força do partido em 2014.

O PT (em muito menor medida, o PCdoB) tem uma vantagem em relação a seus concorrentes "burgueses": é o único que, ao mesmo tempo que receberia fortes doações estatais, disporia de um exército de militantes, ou seja, de mão de obra gratuita para as campanhas eleitorais. Embora tenha perdido seu fervor militante e se burocratizado, o PT ainda é o partido com maior capacidade de mobilização dos movimentos sociais e trabalhistas.

A existência de militantes dedicados é um fator a ser levado em conta no balanço de lucros e perdas que adviriam da substituição dos donativos privados pelos do Estado. Nesse aspecto, só os pastores das igrejas evangélicas contam com um eleitorado semicativo que possibilita que muitos de seus líderes religiosos ascendam ao status de homens públicos. Mas o PT (e menor medida o PCdoB) têm ainda outro trunfo que os partidos de centro e de direita não têm: o controle de organizações de massas, como sindicatos, movimentos sociais, entidades estudantis, etc. Por isso, quanto mais restrição às contribuições vindas do setor privado, tanto melhor para os partidos de "esquerda". Não é à toa que, quando se fala em reforma política, o PT a associe imediatamente à substituição de donativos privados pelos estatais.

Mas quanto o dinheiro ajuda a vencer eleições? No plano do partido como organização, a ascensão e o declínio de algumas legendas parecem indicar que é o fortalecimento eleitoral que atrai dinheiro. Não foi por falta de recursos que o PFL-DEM encolheu. Por outro lado, o PT cresceu saindo de um mínimo de recursos financeiros, que começaram a chegar à medida que o partido crescia. O êxito político fortalece a contabilidade partidária, que, por sua vez, numa relação de causa e efeito, ajuda o partido a crescer. Parece muito difícil que só a variável "mais dinheiro" faça minipartidos se transformarem em gigantes.

No caso de eleições legislativas, em que muitos candidatos disputam muitos cargos, as pesquisas indicam que mais recursos financeiros elevam a probabilidade de êxito dos candidatos. Mas há muitos fatores não financeiros que possibilitam o êxito eleitoral. É o caso, por exemplo, de candidatos com sobrenomes famosos, de candidatos cujo exercício de atividade profissional pré-política acarreta forte exposição na mídia (animadores de programas de auditórios, artistas, palhaços, atletas, etc.), de lideranças de associações de massas (sindicatos de trabalhadores, entidades estudantis, movimentos sociais, igrejas, etc.). A direção de uma greve, o discurso numa assembleia sindical ou o sermão num ato religioso facilitam a entrada na classe política.

Em democracias de massas, associações dessa natureza valem ouro na luta pelo poder. Toda alteração no sistema político que reduza as doações privadas e aumente as estatais beneficia os partidos que contam com o apoio dessas organizações e também de uma boa militância. No caso brasileiro, o principal deles é, de longe, o PT.

* Leôncio Martins Rodrigues é cientista político, professor titular do departamento de Ciência Política da USP e da Unicamp. Seus últimos livros sobre o assunto foram Partidos, ideologia e composição social (Edusp, 2002) e Mudanças na classe política brasileira (Publifolha Editora, 2006).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Quarta-feira, 8 de abril de 2015 – Pg. A2 – Internet: clique aqui.

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