DÁ PENA . . .
Bye Bye Dilma
Fernando Gabeira
Não dói somente ver
Dilma e o PT se comportarem como se nada de errado tivesse acontecido. Dói
também ver a perspectiva de um grande esforço fiscal desaguar numa visão de
crescimento de novo insustentável, tanto econômica como ambientalmente.
Domingo é dia. De novo. O governo respondeu mal. Ele joga
com o tempo. Sabe que é difícil manter tanta gente na rua quando sem um
resultado tangível. É um cálculo válido para período de estabilidade e
crescimento. O Brasil em crise é um fio desencapado. As manifestações não
conseguiram ainda seu objetivo: Fora Dilma.
No entanto, Dilma já
não está tão dentro como antes. A
iniciativa política foi arrebatada pelo PMDB. O ajuste econômico é conduzido pelo liberal Joaquim Levy, que o
negocia com o Congresso Nacional.
O debate sobre o ajuste tem conteúdo para ser discutido dias
seguidos. Quase todos concordam que um ajuste adequado levará o Brasil de novo
ao crescimento. Mas poucos se perguntam sobre o crescimento. Será que vamos
reunir forças para um novo voo de galinha? Retomar
o crescimento significa entupir os lares de eletrodomésticos e carros, exaurir
os rios de forma irresponsável?
Mesmo para um voo de galinha as perspectivas não são boas. Teremos energia para o crescimento em 2016?
Nossas estradas suportam um aperto econômico - elas que foram devastadas pelo
tempo e pela corrupção? Todos se interrogam para onde estamos indo. Marchar
para uma euforia consumista e, depois, cair na depressão torna a política
econômica uma nova droga.
O escritor Frei Betto
usou a imagem do filme Good Bye Lenin!
para expressar o espanto de alguns eleitores de Dilma: é como se dormissem com
a vitória de sua candidata e acordassem com a de Aécio Neves, seu adversário.
Esse filme de Wolfgang Becker é bem
lembrado porque conta a história de uma comunista fervorosa de Berlim oriental
que ficou oito meses em coma e acordou depois da queda do Muro. E o esforço do
seu filho era para mascarar os traços do capitalismo e evitar que ela se
chocasse com o movimento da História.
Good Bye Lenin!,
na minha opinião, não exprime apenas a perplexidade dos eleitores de Dilma. Ele
exprime a perplexidade de toda a esquerda, que deveria estar acordando de um
grande sonho e se espantar com o mundo, como a comunista de Berlim ao ver um
imenso anúncio publicitário do outro lado da rua. Seria como se um cubano
acordasse na Costa Rica ou um venezuelano nos supermercados do Peru, algo tão
diferente. Nesses anos em que o Muro de
Berlim caiu, muitos continuaram em coma, ou protegidos das mudanças no mundo
real.
Isso não teria tanta importância se a esquerda não fosse
para o poder com uma parte das ilusões. Ela confundiu partido com Estado e
capitalismo de leis implacáveis com seus sonhos socialistas.
Não deveria. Marx estudou muito para explicitar essas leis.
Nem sempre acertou, mas as estudou profundamente e jamais apoiaria um enfoque
apenas consumista. Não porque Marx fosse da elite branca. Mas porque saberia
que a conta seria cobrada na frente.
Hoje a conta está sendo cobrada. Dormiu-se com a promessa do paraíso, acorda-se numa realidade
inequívoca: tanto Dilma como Aécio seriam obrigados a algum tipo de ajuste.
A confusão entre
governo e poder, entre partido e Estado acabou arruinando uma experiência,
finalmente, dinamitada pela corrupção.
Uma esquerda no governo não poderia comprometer-se a fundo
com Cuba e Venezuela. Ainda que admirasse os dois modelos, o que é um alto grau
de miopia, deveria levar em conta uma posição
nacional.
Uma esquerda no governo deveria abster-se de levar o
capitalismo a um outro sistema, mas, sim, tirar o melhor proveito de suas
potencialidades e reduzir seus impactos negativos. O capitalismo pode alcançar altos níveis de inovação e criatividade,
como nos Estados Unidos, ou mesmo uma respeitável rede de proteção, como na
Escandinávia.
Não vejo como transitar
do capitalismo para outro sistema econômico, exceto através da decadência e
destruição de seus alicerces. E isso nem na Venezuela vai acontecer. O
sonho bolivariano encarnou num homem que esmaga os opositores e conversa com
passarinhos. Quando vão despertar? Quando encontrarem Nicolás Maduro cantando
salsas e merengues nas pizzarias do seu bairro?
Bye Bye Dilma não é apenas o acordar de um sonho eleitoral.
E um sono de 12 anos - de pouco mais de 25 anos se contarmos da queda do Muro
de Berlim. O projeto não se perdeu apenas pela questão ética. Seus passos estão
intensamente discutidos no escândalo do petrolão e outros que se espalham como
tanques em chamas.
Mas os fins, quais
eram mesmo os fins? Para onde é que nos levavam?
Dentro do País vivemos a crise do populismo econômico. Lá fora, nossa importância
diplomática foi dramaticamente reduzida.
Não dói somente ver Dilma e o PT se comportarem como se nada
de errado tivesse acontecido. Dói também ver a perspectiva de um grande esforço
fiscal desaguar numa visão de crescimento de novo insustentável, tanto
econômica como ambientalmente.
A Califórnia passou
por mil desafios, abrigou a indústria de cinema e da informática, e agora se vê
diante da necessidade de se reinventar. E muitos perguntam se conseguirá, como
das outras vezes. A crise hídrica é grave por lá. No Brasil nem sequer nos
colocamos a ideia de uma primeira reinvenção. E a crise hídrica é grave por
aqui.
Toda vez que falam
"vamos fazer o ajuste fiscal, voltar a crescer", tenho um calafrio.
De novo, um voo de galinha na economia e na política?
Seria necessário rever o caminho. A visão puramente
eleitoral é sempre punida pelas leis do capitalismo. Não há espaço para uma esquerda monocrática que confunde suas ideias
com o interesse nacional, que julga aproximar-se do socialismo, mas avança para
o colapso econômico.
Essa esquerda dormiu abraçada numa bandeira vermelha e
acordou com a multidão em cores verde e amarelo. Se acordou, finge que está
dormindo.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Espaço aberto – Sexta-feira, 10 de abril de 2015 – Pg. A2 –
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