CRISE SE ESPALHA E AMEAÇA OS GANHOS DOS MAIS POBRES!

Alexa Salomão

Com o aumento da inflação e a redução de vagas de emprego, ganhos obtidos nos últimos anos, como o acesso ao ensino superior e a serviços mais sofisticados, voltam a ficar mais distantes

Um dos méritos dos tempos de crescimento econômico e das políticas sociais do governo foi garantir que a chamada nova classe média pudesse olhar no longo prazo e planejar o futuro. Segundo especialistas em baixa renda, os 35 milhões de brasileiros que saíram da pobreza tiveram acesso não apenas ao iogurte e ao televisor de 42 polegadas. Finalmente puderam almejar o ensino superior, a casa própria em área com infraestrutura básica e assumir gastos fixos com serviços mais sofisticados - como a internet, que amplia a rede de amigos e as oportunidades de trabalho. Mas a recessão que ronda o País pode comprometer a escalada na pirâmide social.

Dois indicadores divulgados na semana passada sinalizaram uma tendência nefasta para essa parcela.

·        De um lado, o IPCA, que mede a inflação oficial do País, passou de 8% no acumulado em 12 meses.
·        A taxa de desemprego da Pnad Contínua, que detalha o mercado de trabalho em 3,5 mil municípios, subiu para 7,4% no trimestre encerrado em fevereiro. Há um milhão a mais de desempregados.

Ou seja, os números atestam a deterioração simultânea do emprego formal e do poder de compra.
Ricardo Paes de Barros - economista e professor do Insper
“Ninguém duvida que a fantástica ascensão da classe média vai dar uma brecada”, diz Ricardo Paes de Barros, professor do Insper e pesquisador dedicado a temas como desigualdade social, educação, pobreza e mercado de trabalho. “A discussão agora é se a crise será grave o suficiente para reverter seus ganhos.” Como esse segmento da população está espalhado pelo País e atua nos mais diversos setores da economia, Paes de Barros acredita que a “brecada” não é homogênea. Neste momento, tende a ser sentida por moradores de grandes centros urbanos. “A parcela urbana é mais conectada à economia de mercado e, por isso, mais sensível às suas variações”, diz.

O cenário, porém, é “preocupante”, na avaliação de Luciana Aguiar, diretora da Plano CDE, empresa especializada em baixa renda. “As despesas da casa, com aluguel e supermercado, consomem quase 40% da renda, sem incluir luz e água, que também aumentaram. O poder de compra caiu e, se perder o emprego formal, essa parte da população fica refém do curto prazo: volta a administrar a sobrevivência no dia a dia e esquece o futuro.”

Segundo a economista Alessandra Ribeiro, da Tendência Consultoria, já é possível identificar arranhões na conquista mais preciosa - a carteira de trabalho assinada. Pela primeira vez desde a eclosão da crise internacional em 2008, as empresas fecham postos de trabalho. Em janeiro e fevereiro, o saldo (relação entre contratações e demissões) foi negativo, indicando extinção de vagas.

No detalhe

O maior problema está no detalhe: “Os setores que mais demitiram, construção e indústria, pagavam salários entre R$ 1 mil e R$ 1,5 mil, o que atinge em cheio a classe emergente.” Descontando oscilações naturais do período, 143 mil vagas foram extintas nesses setores. O estágio do estudante Thiago Souza, 28 anos, de Osasco, em São Paulo, foi uma delas.

Em 2009, depois de perder o emprego como metalúrgico, Souza escolheu cursar engenharia civil: “Falavam em apagão de engenheiros e parecia ter futuro.” No segundo ano do curso, já estava no canteiro de obras. Passou por grandes empresas, como PDG. Em janeiro passado, ganhava R$ 1,5 mil como estagiário na francesa Setec, empresa especializada em projetos para grandes obras púbicas e acalentava a contratação. No entanto, com a paralisia no setor de obras, foi demitido. “Como não aparece nada na área, ajudo um amigo que tem uma franquia de chope”, diz. Ganha por mês R$ 1 mil - R$ 450 cobrem metade da mensalidade do último ano do curso. A outra parte é custeada por bolsa de estudo pública. Com o restante, ajuda a mãe, que também ganha cerca de R$ 1 mil.

Durante a crise dos anos 80, ficou famoso o engenheiro que, sem perspectiva de atuar na área, abriu uma lanchonete na Avenida Paulista, em São Paulo, e batizou o local de O Engenheiro que Virou Suco. Souza espera que, após tanto esforço, não se forme para ser o engenheiro que virou chope.

Fiscal

No que se refere aos mais pobres, que ainda almejam chegar à classe C, a discussão é outra. Segundo o economista Paes de Barros, a parcela bem mais pobre está escondida no interior do País: “Não se conectou ao mercado e, assim, é menos sensível a ganhos e também a perdas da economia”, diz. “A propagação da crise entre eles vai depender do ajuste fiscal: se o governo organizar o gasto público e preservar os programas, a crise não se espalha.”

Para se entender a força de uma política pública, basta olhar o que ocorre com as bolsas de estudo, fundamentais para que boa parte da classe C entre na universidade. Especialistas em contas públicas defendem que as bolsas eram concedidas indiscriminadamente, sem garantia de retorno para o aluno e o País. Era preciso mudar. Mas, pelas estimativas do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior em São Paulo, a reorganização tem custos sociais: 400 mil jovens de baixa renda vão desistir da faculdade.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Domingo, 12 de abril de 2015 – Pg. B1 – Internet: clique aqui.

Consumo de alimentos básicos diminui

Márcia De Chiara

Brasileiros sentem a pressão sobre renda e economizam em produtos como óleo e pão

O fim da euforia com o consumo está chegando ao prato do brasileiro. Após afetar as vendas de imóveis, carros e eletrônicos, agora a cautela nas compras bateu nos produtos do dia a dia do consumidor. As vendas de pão, macarrão, peixe enlatado e açúcar estão em queda. Até o iogurte, símbolo da prosperidade da classe C, não escapou do recuo na hora das compras.

Pesquisa de mercado feita pela consultoria Nielsen, especializada em consumo, mostra queda nas vendas de itens básicos dos supermercados, da farinha de trigo às massas e aos salgadinhos. Na média, as compras de alimentos ficaram praticamente estáveis, uma queda de 0,1% em relação ao início de 2014. Mas o resultado é especialmente frustrante quando se leva em conta que o mercado estava acostumado a fortes altas nos últimos tempos. Em 2014, as vendas estavam crescendo 5,9% nesta época do ano. Para os especialistas, a alta da inflação e o medo do desemprego afetam a venda de alimentos.

“O desempenho da mercearia salgada (conjunto de alimentos industrializados básicos) no trimestre é o retrato fiel do que ocorreu com as vendas dos supermercados neste início de ano”, diz Sabrina Balhes, analista da Nielsen. Ela destaca que, apesar de os preços terem recuado 2,6% em relação ao ano anterior, já descontada a inflação do período, os volumes de vendas não cresceram.
SABRINA BALHES - analista da Nielsen
Até mesmo a venda de sorvete e refrigerante, que aumenta no verão, ficou praticamente estagnada este ano. E a venda de cerveja cresceu 2,7% no trimestre, ritmo bem menor que no mesmo período de 2014 (12,4%).

A freada já tem impacto na indústria. Em março, os fabricantes de alimentos acumularam estoques excessivos, aponta a Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação da Fundação Getúlio Vargas. A piora nos estoques ocorreu especialmente em massas, laticínios, carnes e açúcar.

O encalhe fez a indústria reduzir o ritmo de produção e renegociar preços. Os fabricantes de cervejas cortaram em 4% a produção no 1.º trimestre, segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja.

Na indústria de alimentos como um todo, o quadro não é diferente. Até fevereiro, o último dado disponível, a produção da indústria de alimentos cresceu em 12 meses 0,63% e o faturamento real (já descontada a inflação), 0,75%, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia).

“Fevereiro teve a menor taxa de expansão de vendas e de produção de alimentos desde a crise de 2009”, diz Denis Ribeiro, diretor da Abia. Ao contrário de 2009, as dificuldades hoje ocorrem no mercado interno, que absorve 80% da produção.

Álvaro Furtado, presidente do Sincovaga, sindicato que representa 40 mil varejistas de alimentos no Estado de São Paulo, conta que os supermercados reduziram as compras da indústria a partir de fevereiro porque as vendas enfraqueceram no comércio. “Quem comprava para 30 dias está comprando agora o suficiente para 15 dias”, diz.

Freio

Para Ribeiro, da Abia, o consumidor colocou o pé no freio, pois teme perder o emprego e tem dívidas para pagar. Mas a inflação de alimentos e também das tarifas é outro fator que reduz a renda disponível para o consumo de comida.

Em março, o IPCA, índice oficial de inflação, subiu 1,32% e a energia elétrica respondeu por mais da metade do resultado. Mas a alimentação também pressionou. Em 12 meses até março, a inflação geral subiu 8,13%, enquanto os alimentos ficaram 8,19% mais caros.

Pesquisa recém-concluída do instituto Ipsos para a Associação Comercial de São Paulo mostra que a alta das tarifas e dos alimentos causam impacto alto ou moderado no bolso de 78% dos brasileiros. E, para enfrentar o problema, 31% dos entrevistados disseram que vão reduzir gasto com alimentação.

O resultado deve aparecer nas vendas dos supermercados. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que previa crescimento real de 2% em 2015, acha difícil atingir a meta. Já a Associação Paulista de Supermercados (Apas) vê risco de um ano sem crescimento. “Não crescer não é ruim quando o PIB cai, mas é preocupante”, diz Rodrigo Mariano, economista da associação.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Economia & Negócios – Domingo, 12 de abril de 2015 – Pg. B3 – Internet: clique aqui.

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