PARA QUE A ESCOLA? ONDE ESTÃO OS PAIS?
"É absurdo pais não irem às ruas com greve de
professores",
diz docente da USP
Cristiane
Capuchinho
Pesquisador de
educação básica,
Vitor Henrique Paro,
diz que escola deve
repensar seus objetivos para unir pais,
professores e
diretores em torno da boa formação do aluno
Prof. Vitor Henrique Paro - Faculdade de Educação da USP |
Defensor da gestão democrática da escola, o professor da USP
Vitor Henrique Paro se indigna ao falar sobre a dissociação entre a escola e a
comunidade e o ensino e a realidade das crianças. Para ele, é absurdo os
professores entrarem em greve sem que os pais estejam nas ruas defendendo a
melhoria da educação pública.
Paro acaba de lançar o livro "Diretor Escolar: Gerente ou Educador?" (editora Cortez)
em que explora as funções do diretor e a realidade de escolas públicas e o
objetivo da educação.
O pesquisador da Faculdade
de Educação recebeu a reportagem do iG
para uma longa conversa sobre o papel do diretor, as avaliações de desempenho e
a relação entre pais e escolas.
Confira abaixo a entrevista:
iG - O MEC lançou neste ano uma
consulta pública pedindo ideias para a valorização do diretor. Em São Paulo
também a rede estadual lançou uma política de valorização do diretor. Como o
senhor vê esse tipo de política que está sendo levantada?
Vitor Paro - Por
que valorizar o diretor? Que preocupação é essa com o diretor? Há a preocupação
em valorizar o diretor, valorizar o professor, valorizar a escola e ninguém se preocupa de repente com pra que
que serve a educação. Educação serve para valorizar o aluno. Você tem que
pensar primeiro no que favorece a formação do cidadão, que é o papel da escola
formar um cidadão consciente que tenha acesso à cultura no seu sentido mais
pleno e depois pensar no que é preciso fazer para que isso funcione.
Isso é até um pensamento bastante administrativo. Todos os
administradores pensam nisso: qual o objetivo
que eu tenho e como é que eu vou chegar lá. Se você quer valorizar o aluno,
você tem que pensar em que escola é essa e depois questionar se é o caso de ter
um diretor.
As últimas críticas que se faz a respeito da educação chegam
à conclusão de que a escola a rigor não
precisaria de um diretor, precisaria de uma equipe que estivesse estruturada
para fazer a escola andar.
iG - No livro, o senhor discute se o
diretor tem funções de gerente ou de educador. Para você, qual seria o papel
ideal do diretor?
Paro - Primeiro
tem-se de pensar em uma administração que é uma mediação para que os meios
sejam usados da melhor maneira possível e adequados aos fins, e isso não é
levado em conta na educação. Quando você vai fazer um automóvel ou uma
geladeira, você pensa nos meios que são necessários para construir aquilo. Na
educação, não. Você usa muitas vezes os meios que são usados para construir uma
geladeira e não para produção de seres humanos. Para a produção de seres humanos, você precisa de princípios de educação
que levem à apropriação do saber. Na escola, isso não é feito.
Quais são as metas do MEC? Atingir determinados escores. O que se pensa da criança? O que se espera
da criança? Que ela consiga responder a umas tantas perguntas de uns testes
e [a escola] não está preocupada de
maneira nenhuma que a sociedade se aproprie da educação e da cultura. Não
há a preocupação da escola de formar seres humanos-históricos. Ser humano que
tem autonomia para se apropriar da cultura, que não é apenas saber ler, escrever
e contar, que é o que se avalia nas avaliações da vida.
Depois [as notas] vão parar no Pisa [avaliação internacional] como se a educação brasileira fosse
daquele jeito. Não é, é muito pior, apesar de estar mal colocada. Não significa
que por ter respondido àquelas perguntas, por ter feitos aqueles "x"
na frente, ele entende alguma coisa.
A situação é tão
dramática que, quando você entra lá na escola, os professores, que antes
tentavam ensinar a ler, a escrever e a contar, agora estão tentando treinar os
alunos para responder a esses testes.
Na escola, você está lidando com crianças e adolescentes,
que estão muito a fim de fazer outra coisa. Se você tem a metodologia adequada,
você precisa fazer ele ficar a fim daquilo. O que se precisa fazer na escola é
uma instituição de que o aprender seja
uma coisa prazerosa. Tudo o que fazemos é para que não seja isso.
iG - Por que você defende um
conselho diretivo em lugar de um diretor?
Paro - Falo em
conselho diretivo baseado na realidade, porque nas escolas temos um diretor que
em toda a rede de ensino é o responsável último pela escola. Ele tem a
aparência de um tremendo poder, mas que não tem poder nenhum. Ele está ali para
fazer aquilo que o sistema quer porque quem o nomeia e quem o demite é o poder
estatal.
O modelo é o mesmo da administração empresarial. E quando se
examina à luz da ciência e de uma política de educação, vê-se que está tudo
errado. A escola para funcionar não
precisa de alguém que mande, ela precisa de alguém que pense, de pessoas que
dialoguem entre si. Quem deveria mandar ali são os alunos e os pais de
alunos.
A solução que imagino é que você tenha uma escola que seja
administrada por um conselho de coordenadores. Isso tem uma intenção política
que é tirar a educação da dominação do Estado. Se você tem um diretor que é
representante do Estado, ele vai fazer o que o Estado quer. Se você elege três ou quatro coordenadores,
você pode dividir o trabalho e eles são os diretores. Nenhum é chefe de
ninguém e o trabalho é dividido. Assim
você consegue estimular os pais a participarem na escola, a dialogarem.
Eles vão depender dos pais porque seria a comunidade que os escolheriam.
Se você, como coordenador da escola, chama os pais e os pais
querem determinado recurso, você é pressionado pelos pais a reivindicar isso do
Estado. E quando você vai reivindicar, os pais estão juntos. Hoje o diretor vai
lá reivindicar e ele sozinho não representa porcaria nenhuma. Ele pede e o
Secretário de Educação diz que não vai dar e acabou. Nesse conselho diretivo é diferente, porque ele vai respaldado pelos
pais.
É um absurdo o que nós temos hoje de ter greve de
professores, como está tendo agora, e os pais não estarem lá. Por que acontece
isso? Porque não existe contato entre os
professores e os pais. Quando o pai chega à escola, os professores em vez
de darem um abraço nele, falam para o pai que a culpa do aluno não aprender é
do próprio aluno, que não estuda, que não quer, que isso que aquilo. O pai não tem nenhuma empatia com o
professor. Você precisa criar essa empatia para que o pai esteja ao lado do
professor e instrumentalizando o professor para conseguir melhores salários e
melhores condições para a educação.
iG - Quando a secretaria apresenta
as suas políticas e programas de ensino, o diretor é o responsável, diante dos
professores e dos pais, de torná-las realidade. E quando essa política não
funciona, o Estado fala que a culpa é desse diretor.
Paro - Quando
falam em formar o diretor é uma forma de dizer que a escola não funciona não é
porque faltam recursos, não é porque não tem objetivos, é por causa da
incompetência do diretor.
A avaliação em
educação no Brasil é um subterfúgio para evitar a avaliação de verdade. Avaliação
é algo que se faz a todo momento e a todo instante, é a verificação se os
esforços que estamos fazendo estão adequados ao fim que nós temos. Na escola,
isso é mais necessário do que nunca. Enquanto você está desenvolvendo uma
atividade, você tem de conversar com o aluno para saber se ele está
acompanhando ou não. Do jeito que está,
você faz uma avaliação que é mentirosa. É só pensar quantos milhões de
pessoas fizeram ensino fundamental e passaram com pelo menos nota cinco. Faça
um teste com ela agora, após anos, para ver se ela realmente sabe aquilo. Não
sabe nada. Seu diploma diz que você sabe os afluentes do Amazonas, sabe fazer
equação de segundo grau, sabe um monte de coisa.
iG - Mas aí há que se questionar o
que está nesse currículo, não?
Paro - Concordo.
Mas também temos que questionar essa avaliação que diz que você sabe uma coisa
que você não sabe. Será que nossos
ministros de educação passariam no Enem? Acho que não. Esse tipo de
avaliação ou é enganosa ou é chorar por um leite derramado. Isso tem que ser
feito antes dele não saber.
Eu sou favorável a um
currículo básico, não uma camisa de força. Nas disciplinas de conhecimento,
matemática, geografia, história, você coloca lá o conteúdo básico. Mas é
preciso saber que não é só isso que faz o cidadão. Ninguém aqui é contra o
conteúdo, mas o que chamam por aí de conteúdo é apenas uma parte apenas do que
é preciso para o ser humano. O ser humano é feito de conhecimentos, de valores,
de crenças, de ciência, de filosofia, de arte, de direitos. Você quer coisa mais dramática do que uma população que não sabe se
prevenir da dengue? Isso está aí e não está na escola.
iG - O senhor falou muito sobre a
necessidade da população estar perto da escola. Como se faz para criar essa
relação de proximidade entre professores e pais?
Paro - Não é o
pai que não quer ir à escola, é a escola que expulsa o pai normalmente. Não é
verdade que o pai não tem tempo para ir à escola, ele passa uma hora e meia
assistindo a um jogo de futebol, ele passa horas conversando na rua ou em um
bar. O que acontece é que a escola não é um lugar prazeroso para ele. A escola é uma das coisas mais penosas para
os pais. Os pais das camadas trabalhadoras, em grande parte, foram expulsos
da escola [quando alunos], foram considerados burros, lentos e bagunceiros. E
isso não é verdade. Quando a escola não
ensina, a culpa é da escola.
O pai aprendeu desde criancinha que ele é fraco, que ele é
burro. Aí, ele sonha em ter um filho que será a segunda chance dele. Intimamente, ele sente que se o filho dele
aprender é porque não é filho de um burro. Isso que é pungente e as pessoas
não percebem isso. Esse aluno vai para a escola e o pai diz "a escola é
boa, estude".
No primeiro dia de aula, essa criança deveria ser abraçada,
beijada, ter tido seu nome dito em voz alta, se sentir sujeito. Qual escola faz
isso? A primeira coisa que a criança ouve
é que isso daqui é a escola, não é para brincar. A criança começa a ter um
choque com a realidade e não aprende, porque a escola não ensina.
iG - Quando conversamos com os pais
é comum ouvir que eles vão à escola para receber bronca e é isso.
Paro - Exato.
Primeira reunião de pais, os pais entram como se fossem para a forca. Isso que
é gritante, o fato de que os nossos cidadãos vão à escola como se fosse
privilégio e não como se fosse um direito. Eles
são donos daquilo e vão lá como se estivessem recebendo um favor.
A primeira coisa que o professor diz na reunião é "Pai
do Joãozinho, ah, não dá. Muito lento, muito bagunceiro. Você precisa fazer
alguma coisa em casa". E aí, o
professor coloca na criança e no pai a culpa da educação. Aquele pai que
tinha esperança de que o filho era sua segunda chance, frustrou. Naquela meia
hora antes da reunião, aquele pai deveria estar conversando com o outro pai
dizendo como o filho é esperto, porque é disso que o pai gosta de falar, para
ele o filho é a coisa mais importante do mundo. E esse pai tem que ouvir na
frente de todos de como o seu filho é bagunceiro. Como ele vai gostar de
participar da escola?
Os professores
precisam aprender como lidar com esse pai, conversar com esse pai. Se você
dá um elogio para o filho desse pai, você ganha um ajudante em casa. Esse pai, mesmo se for analfabeto, vai
chegar em casa e querer ajudar o filho. Ele tem que ajudar esse pai a
ajudar seu filho em casa, explicar como é que ele pode ajudar. Assim, esse pai
vai ser diferente. Isso não cabe em uma prova do Saeb.
Confira alguns dos problemas da educação no
Brasil
ALFABETIZAÇÃO AOS 8 ANOS:
Na prova
realizada em 2012, apenas 44,5% das crianças do 3° ano mostravam alfabetização
adequada na leitura.
FORA DA ESCOLA:
O Brasil
ainda tem 3,8 milhões de brasileiros entre 4 e 17 anos fora da escola.
ENSINO DE MÁ QUALIDADE:
No Brasil,
mais de 90% dos estudantes terminaram o ensino médio em 2013 sem o aprendizado
adequado em matemática.
REPETÊNCIA E EVASÃO:
Com baixa
qualidade de ensino, estudantes repetem de ano e abandonam a escola. Metade dos
alunos não conclui o ensino médio até os 19 anos.
PROBLEMAS NA ESCRITA:
No Enem de
2014, 529 mil estudantes brasileiros tiraram zero na redação. O tema era “Publicidade
Infantil”.
PROFESSORES TEMPORÁRIOS:
1 em cada 4
professores da rede pública do País é temporário, segundo estudo do Ipea.
Assim, os professores não têm direitos trabalhistas completos e tampouco
dedicação total ao trabalho.
QUALIFICAÇÃO:
1 em cada 4
professores da educação básica no Brasil não tem diploma de ensino superior.
MUITOS ALUNOS POR SALA:
Na rede
estadual de São Paulo, as aulas começaram em 2015 com turmas superlotadas.
Apesar do limite de 40 alunos, salas tinham até 85 matrículas.
VIOLÊNCIA:
A violência
no entorno das escolas também atinge as salas de aula. Escolas públicas por
vezes têm de lidar com roubo de materiais e até de merenda.
BAIXOS SALÁRIOS:
Em 2015, a
Lei do Piso subiu o salário para R$ 1.918 por 40 horas de trabalho por semana.
Criada em 2008, a lei não é cumprida por 3 redes estaduais: Minas Gerais, Rio
Grande do Sul e Rondônia.
FALTA DE INFRAESTRUTURA:
Mesmo em São
Paulo, um dos Estados mais ricos do País, a rede estadual ainda tem escolas
feitas de lata.
ENSINO SUPERIOR:
Apenas
32,3% dos brasileiros de 18 a 24 anos cursam ou cursaram ensino superior. A
meta do Plano Nacional de Educação é que o índice chegue a 50% em 2024.
FALTA DINHEIRO:
Dados
coletados pelo Pisa 2012 mostram que o Brasil investe US$ 26.765 por estudante
entre 6 e 15 anos. A média dos demais países da OCDE é de US$ 83.382.
FALTAM VAGAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
Em 2016,
todas as crianças de 4 e 5 anos deverão estar matriculadas na escola.
Atualmente, 2 em cada 10 estão fora da escola.
Fonte: Portal iG –
Último Segundo – Educação – 14/04/2015 – 09h00 – Atualizada em 14/04/2015
às 13h35 – Internet: clique aqui.
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