Movimentos não têm futuro sem partidos, afirma historiador
Entrevista
com José Murilo de Carvalho
Wilson Tosta
Sem partidos fortes
nem líderes nacionais,
o movimento de rua
contra a presidente Dilma Rouseff não tem futuro.
Afirma o historiador.
JOSÉ MURILO DE CARVALHO Cientista Político e Historiador - Membro da Academia Brasileira de Letras |
“O drama é que não há
oposição que consiga dialogar com ele [o movimento de rua]”, diz o autor de
Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a
República que Não Foi, entre outras obras. “O grosso da oposição
(partidária) adotou uma tática oportunista”, critica. Para o pesquisador, “a
oposição formal apenas espera que o governo e o PT supostamente “sangrem” até a
derrota. Seria necessário, opina,
preparar já uma nova agenda para o País.
“Méritos e deméritos” dos governos petistas geraram a
oposição de rua que agora prega o fim do ciclo do PT no Palácio do Planalto,
avalia José Murilo. Ele lembra que os governos federais do partido desde 2003
melhoraram a renda de milhões de brasileiros e ampliaram o acesso à
universidade.
Esses fatores, diz o historiador, aumentaram a capacidade
crítica e de mobilização da população, que agora reage a outros efeitos que
teriam sido gerados pelo petismo. Problemas como a corrupção, avalia, ajudaram
a juntar nas mobilizações antigos e novos descontentes, que agora querem
despachar a legenda do poder. “A
incompetência, a arrogância e a corrupção quebraram o encanto”, declara o
pesquisador. Ele ressalta que a esquerda perdeu a rua e “terá de se repaginar”
se não quiser “ficar para trás”.
Para o historiador, os setores médios da população que se
mobilizam contra o governo Dilma vão às ruas “desde os anos 50” do século
passado, com a campanha “O Petróleo é Nosso”.
Ele avalia também que o conceito de “classe média” causa
confusão nas análises, já que, para perceber quais são os seus interesses e
lutar por eles, as pessoas precisam de certo grau de instrução e organização.
Essas são características de setores intermediários. As críticas a isso,
ironiza, vêm de intelectuais do mesmo extrato social que atacam.
Para José Murilo, a mobilização de 2015 tem a mesma “marca”
da movimentação de setores médios que tiveram as Diretas-Já, em 1984, o
movimento pelo impeachment de Fernando Collor, em 1992, e as passeatas contra a
Copa do Mundo no Brasil de junho de 2013. Dessas, diz ele, o atual movimento
são continuação. Mas faltam ao País,
afirma, políticos com a estatura de estadistas. “Que saudades de Ulysses
(Guimarães) e Tancredo (Neves), Petrônio Portela, e mesmo de (Leonel) Brizola.”
Leia a entrevista concedida por e-mail ao jornal O Estado de S. Paulo.
Em 15 de março, centenas de milhares
de pessoas foram às ruas contra o governo Dilma. O senhor espera que esse
público se repita no 12 de abril?
José Murilo de
Carvalho: Não me arrisco a prever. O mal-estar continua, se não aumentou.
Mas marchas muito frequentes podem também cansar. As demonstrações de ontem
(terça-feira passada, promovidas pela CUT contra o projeto que amplia as
terceirizações) já caíram muito em relação à anterior organizada pela mesma
turma.
Um dos pontos sobre este movimento é
que é basicamente de classe média, com poucos pobres. Isso ocorreu em outros
momentos da história brasileira?
José M. de Carvalho:
Esse conceito de classe média confunde mais do que ajuda. Refere-se a grupos
complexos e mutáveis de pessoas. De modo geral, desde os anos 50 vão para a rua
pessoas que têm condição de perceber seus interesses e de lutar por eles. Isto
exige certo grau de educação e de organização: associações, sindicatos,
internet. Grupos intermediários têm essas condições. O povão, quando se
manifesta, em geral é sob formas menos pacíficas: invasões, saques,
quebra-quebras. Diretas-Já, impeachment
(do então presidente Fernando Collor em 1992) e junho de 2013 tiveram a marca de setores intermediários. Sob o
nome de classe média, causam urticárias em intelectuais orgânicos da chamada
esquerda, todos eles, naturalmente, de classe média, ainda presos a definições
superadas. Mas no mundo de hoje, com a diluição das barreiras entre as classes
pela dinâmica social, eles (esses setores) serão cada vez mais decisivos.
Há quem compare a mobilização, pela
composição social e por algumas bandeiras, como saída da presidente
constitucional, intervenção militar, críticas a programas sociais, às Marchas
da Família que precederam o golpe de 64. Esse paralelo é justo?
José M. de Carvalho:
Em 1964 houve grande polarização e ameaças de golpe vinham dos dois lados.
Venceu quem conseguiu o apoio majoritário das Forças Armadas, com a ajuda da
Guerra Fria e da histeria anticomunista, que uniu setores médios e povão. Hoje, o golpismo é residual nas marchas e
só serve para fornecer combustível ao establishment governamental.
Trata-se de um movimento sem líderes
de massa, sem partidos, sem entidades, com base nas redes sociais. Isso tem
futuro?
José M. de Carvalho:
Não tem. O drama é que não há oposição que consiga dialogar com ele. O grosso
da oposição adotou tática oportunista de ver o governo e o PT sangrarem, sem
preparar uma nova agenda que atenda as demandas atuais.
Pode-se dizer que março/abril de
2015 é uma continuação de junho de 2013?
José M. de Carvalho:
Sem dúvida. A única diferença é que, vindo após a eleição, (o movimento atual)
agregou um conteúdo mais político. Mesmo assim, o antipartidarismo ainda era
forte e a oposição foi suficientemente sábia em não tentar participar das
marchas.
Não é estranho, depois de tudo o que
o Brasil passou na ditadura, ver tanta gente, inclusive jovens, pedindo
intervenção militar no País?
José M. de Carvalho:
Ainda não vi pesquisas que indiquem que essa tendência tenha peso
significativo. Será mesmo “tanta gente”?
Por que os governos petistas geraram
passeatas que pedem sua saída?
José M. de Carvalho:
Por méritos e deméritos. A política social de melhorar a renda de milhões e
ampliar as matrículas nas universidades resultou em aumento de expectativas e
da capacidade crítica, portanto da mobilização. A incompetência, a arrogância e
a corrupção quebraram o encanto e levaram antigos e novos descontentes para as
ruas.
Manifestação na Avenida Paulista - São Paulo - SP Domingo, 12 de abril de 2015 |
Muitos manifestantes, ao atacar o
governo, pedem “o seu Brasil de volta”. O que tem mais peso nas manifestações:
as denúncias de corrupção ou as mudanças na sociedade, como cotas, programas
sociais, redução de desigualdades?
José M. de Carvalho:
As coisas estão ligadas. Os governos do PT, sobretudo o último, dilapidaram o
patrimônio que tinham construído.
Para ter fôlego, um movimento como
esse precisa de um projeto político mais bem definido que avance em relação ao “Fora
Dilma”?
José M. de Carvalho:
Esse é nosso problema e nossa desvantagem em relação à Espanha. O “Fora Dilma”
só leva a (Michel) Temer (o vice-presidente). A tradução das manifestações em
instrumento político de intervenção eficaz e duradoura será conquista difícil,
se vier a ser.
Como a oposição tem tirado proveito
da insatisfação com o atual governo?
José M. de Carvalho:
Ela se tem beneficiado, mas, como disse, de maneira oportunista, sem novas
propostas. Falta-lhe imaginação,
grandeza política e cívica. Aliás, a falta geral de estadistas hoje é
dramática. Que saudades de Ulysses (Guimarães) e Tancredo (Neves), Petrônio
Portela, e mesmo de (Leonel) Brizola.
A classe média conservadora aprendeu
com a esquerda a se mobilizar, copiando algumas das formas de organização
esquerdistas?
José M. de Carvalho:
Quem é a classe média conservadora? Quem é a classe média não conservadora? Os
setores médios estão nas ruas desde a década de 1950, com a campanha do Petróleo é Nosso.
A esquerda perdeu a rua?
José M. de Carvalho:
Se você chama de esquerda o PT, o movimento sindical, o MST e semelhantes, a
evidência do momento é que perdeu. Ela também vai ter que se repaginar. O Brasil está caminhando, quem não perceber
vai ficar para trás.
As redes sociais são a base para as
mobilizações. Essas manifestações seriam um fenômeno típico da internet, sem
maiores consequências?
José M. de Carvalho:
São um fenômeno da internet, que mudou a dinâmica e a natureza da participação
política, fenômeno que as instituições ainda não conseguiram absorver.
*
José Murilo de Carvalho, 75 anos, é formado em Sociologia e
Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutor em Ciência
Política peal Stanford University (Estados Unidos). Possui pós-doutorado em
História da América Latina pela University of London e é membro da Academia
Brasileira de Letras.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Política – Domingo, 12 de abril de 2015 – Pg. A6 – Internet: clique
aqui.
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