AS SETE ÚLTIMAS PALAVRAS DE CRISTO
Pe. Telmo José
Amaral de Figueiredo
Timothy Radcliffe - teólogo e religioso Dominicano inglês |
«Encontramos na cruz no século 12 as origens da devoção às
sete últimas palavras de Jesus.
Vários autores compuseram um relato harmonioso da vida de
Jesus com base nos quatro Evangelhos. Assim se reuniram suas últimas palavras
na cruz, que se tornaram assunto de meditação.
Essas últimas palavras foram comentadas por São Boaventura [franciscano,
viveu de 1221 a 1274] e popularizadas pelos franciscanos. Tiveram enorme
importância para a religiosidade medieval tardia e eram ligadas à meditação nas
sete chagas de Cristo e vistas como cura para os sete pecados capitais.
De acordo com as Horas de São Beda, quem meditasse nessas
palavras de Jesus seria salvo e Nossa Senhora lhe apareceria trinta dias antes
da morte.
Entretanto, devo admitir que hesitei quando me pediram para
pregar sobre as sete últimas palavras de Jesus na catedral de Seattle [Estados Unidos]
na Sexta-Feira Santa de 2002. Parecia que elas faziam parte de uma
espiritualidade sombria, que insistia no sofrimento e no pecado e com a qual eu
não me identificava facilmente.
O Evangelho, já se vê, diz que devemos tomar nossa cruz
todos os dias e seguir Cristo, mas com demasiada frequência isso se transformou
em um cristianismo que me parecia triste, repudiava a vida e até sugeria masoquismo.
São João da Cruz diz que “a alma que realmente anseia pela divina sabedoria,
primeiro anseia pelo sofrimento, para que possa entrar mais profundamente no
matagal da cruz”.
Confesso não ter, em absoluto, nenhum anseio de sofrer!
[...]
Minha fé fala de vida, do nascimento de uma criança e da
vitória sobre a morte. Isso, já se vê, passa necessariamente pela Sexta-Feira
Santa, mas por que ficar concentrado naquele momento? [...]
Entretanto, aceitei pregar sobre as sete últimas palavras em
memória de meu amado pai que compartilhou sua fé comigo. [...]
Últimas palavras têm um fascínio especial. Os seres humanos
são animais falantes. Para nós, estarmos vivos é estar em comunicação. A morte
não é apenas a cessação da vida corporal. É silêncio. Então o que dizemos
diante do silêncio iminente é revelador. [...]
Sendo cristãos, cremos que tudo existe e é sustentado por
essa Palavra que existia desde o princípio [do Universo]. É o sentido de toda a
nossa vida. Como João escreveu no prólogo de seu Evangelho: “Nela estava a vida, e a vida era a luz dos
homens” (Jo 1,4). [...]
Nossa fé na ressurreição não é apenas porque esse homem
[Jesus Cristo] morreu e voltou à vida. A Palavra não foi silenciada. Estas sete
últimas palavras vivem. O túmulo não as engoliu. [...] O Silêncio do túmulo foi
rompido para sempre e essas palavras não foram as últimas. “E a luz brilha nas trevas, e as trevas não
conseguiram dominá-la” (Jo 1,5). [...]
A própria Palavra [Cristo] não foi silenciada e nunca será. [...]
Nossas palavras dão vida ou morte; criam ou destroem. As últimas palavras de Jesus na cruz são o clímax desse drama. [..]
Nestas sete últimas palavras de Jesus, testemunhamos o debate final entre as palavras e o silêncio, o sentido e a tolice, e acreditamos que a vitória foi conquistada. [...]
As últimas palavras de Jesus podem alojar-se em nosso coração e mente e sustentar-nos seja no que for que enfrentemos: fracasso, perda, silêncio e morte. [...]
Fiquei atônito ao descobrir que elas têm uma bela estrutura. Começam com palavras dirigidas ao Pai, encontram o centro em um grito por causa da ausência desse Pai e no fim voltam a dirigir-se a Ele. As palavras que Jesus nos dirige estão conservadas dentro desse relacionamento com o Pai, exatamente como é lá que encontraremos nosso lar, dentro da vida da Trindade. Aconchegamo-nos dentro dessa divina conversa. [...]
Porque [essas últimas palavras de Jesus] são a fala de uma única Palavra de vida, essas sete palavras só podem ser entendidas à luz da ressurreição. [...] A ressurreição faz mais que confirmar essas palavras, afirma que podemos confiar que o Pai verdadeiramente nos perdoará. É-nos mostrado o que é o perdão, que é mais que esquecer. É transformação da Páscoa, a irrepreensível fertilidade divina, um túmulo vazio.»
Nossas palavras dão vida ou morte; criam ou destroem. As últimas palavras de Jesus na cruz são o clímax desse drama. [..]
Nestas sete últimas palavras de Jesus, testemunhamos o debate final entre as palavras e o silêncio, o sentido e a tolice, e acreditamos que a vitória foi conquistada. [...]
As últimas palavras de Jesus podem alojar-se em nosso coração e mente e sustentar-nos seja no que for que enfrentemos: fracasso, perda, silêncio e morte. [...]
Fiquei atônito ao descobrir que elas têm uma bela estrutura. Começam com palavras dirigidas ao Pai, encontram o centro em um grito por causa da ausência desse Pai e no fim voltam a dirigir-se a Ele. As palavras que Jesus nos dirige estão conservadas dentro desse relacionamento com o Pai, exatamente como é lá que encontraremos nosso lar, dentro da vida da Trindade. Aconchegamo-nos dentro dessa divina conversa. [...]
Porque [essas últimas palavras de Jesus] são a fala de uma única Palavra de vida, essas sete palavras só podem ser entendidas à luz da ressurreição. [...] A ressurreição faz mais que confirmar essas palavras, afirma que podemos confiar que o Pai verdadeiramente nos perdoará. É-nos mostrado o que é o perdão, que é mais que esquecer. É transformação da Páscoa, a irrepreensível fertilidade divina, um túmulo vazio.»
(Fonte: Timothy
Radcliffe. As sete últimas palavras. Trad. Barbara Theoto Lambert.
São Paulo: Paulinas, 2013, p. 7-22)
São Paulo: Paulinas, 2013, p. 7-22)
O texto abaixo é uma “coleta” das principais palavras que o
grande teólogo e ex- Mestre-geral da Ordem dos Pregadores (Dominicanos) de 1992
a 2001, TIMOTHY RADCLIFFE, escreveu
no livro supracitado. Ele também foi professor de Sagrada Escritura na Universidade
de Oxford em Blackfriars, Inglaterra.
As
Sete Palavras de Jesus na Cruz
1. Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que
fazem!” (Lucas
23,34)
Cruz de Michael Finn |
Ø A primeira palavra é uma palavra de perdão.
Ø O perdão chega antes da crucifixão, antes dos insultos
e da morte.
Ø Antes de nós pecarmos, já estamos.
Ø O perdão está presente, à nossa espera.
Ø Mas isso não quer dizer que Deus não tome a sério
aquilo que nós fazemos.
Ø Na Sexta-feira Santa, reunimo-nos para escutar a
paixão e morte de Cristo, e para recordar que a humanidade rejeitou, humilhou e
assassinou o Filho de Deus.
Ø A cruz é o símbolo horrível da tortura. É o símbolo da
capacidade que a humanidade tem de rejeitar o amor e de cometer atos
completamente estéreis.
Ø O perdão significa que a cruz é a nossa árvore da
vida.
Ø O perdão significa que nós ousamos enfrentar aquilo
que fizemos.
Ø Atrevemo-nos a recordá-lo, não para nos sentirmos
horríveis, mas para abrir a nossa vida à sua transformação criadora.
Ø Tudo o que é estéril e árido dará fruto.
2. Ele lhe respondeu: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no
Paraíso.” (Lucas
23,43)
Cruz indígena |
Ø Jesus promete levar aquele ladrão para o paraíso antes
ainda da sua própria ressurreição.
Ø Isto se deve ao fato de Deus viver no HOJE da
eternidade.
Ø A eternidade não é aquilo que acontece no fim dos
tempos, depois de termos morrido.
Ø Cada vez que nós amamos e perdoamos pomos um pé na
eternidade, que é a vida de Deus.
Ø Jesus prometeu-nos que nós alcançaremos a felicidade,
e assim será.
Ø A felicidade não é uma emoção que nós podemos
simplesmente ter ou não ter. É estar vivos.
Ø Qual é essa felicidade que Jesus oferece? Ele
descreve-a como o PARAÍSO.
Ø Esta palavra é originária da Pérsia e significa
“jardim murado”.
Ø A felicidade, no entanto, não é vaguear à volta de
roseiras e outras flores.
Ø É a COMPLACÊNCIA de Deus em nós e a nossa COMPLACÊNCIA
em Deus.
Ø Deus compraz-se em tudo aquilo que nós somos.
Ø A felicidade significa que nós partilhamos a
complacência que Deus põe na humanidade.
Ø O oposto da felicidade não é a tristeza. É ter um
coração de pedra.
Ø É recusarmo-nos a deixar que outras pessoas nos
toquem.
Ø Para sermos felizes, temos de ser arrancados de nós
mesmos, tornando-nos, por isso, vulneráveis.
3. Jesus, ao ver sua
mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse à mãe: “Mulher, eis o teu filho!” Depois disse
ao discípulo: “Eis a tua mãe!” A
partir daquela hora, o discípulo a acolheu no que era seu. (João 19,26-27)
Cruz de São Clemente |
Ø Sexta-feira Santa, a solidão parece ter levado a
melhor sobre Jesus!
Ø Todos os esforços dele por construir uma pequena
comunidade parecem ter falhado.
Ø A mãe de Jesus recebe um filho, na pessoa de seu amigo
mais íntimo, e o discípulo amado recebe uma mãe.
Ø Não se trata de uma comunidade qualquer: é a nossa
comunidade, a nossa família, a nossa Igreja.
Ø Por que é que a nossa família nasceu junto à cruz?
Ø Porque aquilo que desintegra a comunidade humana é a
hostilidade e a acusação.
Ø Nós somos hostis para com outras pessoas por elas não
serem como nós: são negras, brancas ou chinesas; são judias ou muçulmanas; são
homossexuais; são progressistas ou conservadoras.
Ø Nós olhamos para os outros com acusação e tentamos
expulsá-los.
Ø As sociedades são, muitas vezes, construídas com base
na exclusão.
Ø Jesus toma sobre si toda a nossa hostilidade, todas as
acusações que os seres humanos fazem uns contra os outros.
Ø “A pedra que os construtores rejeitaram veio a
tornar-se a pedra angular” (Salmo 118,22).
Ø “Deus está no meio de nós como um marginal” (James
Alison).
Ø No centro do nosso culto está aquele que foi excluído.
Ø Ser cristão é reconhecer que a nossa família nasceu
aos pés da cruz, de onde ninguém pode ser excluído.
Ø Em Cristo, nós somos carne da mesma carne, somos
irmãos e irmãs uns dos outros.
Ø Chamar a alguém irmão ou irmã não significa apenas
estabelecer uma relação; é a proclamação da reconciliação.
Ø Cada um é atraído para Cristo por um tipo de amor
diferente.
Ø Muitas vezes nós não reconhecemos o nosso Deus no amor
de outra pessoa.
Ø Contudo, aos pés da cruz, encontramo-nos uns com os
outros como família.
Ø É-nos confiada a missão de ultrapassar todas as
fronteiras e hostilidades que dividem os seres humanos, dizendo:
Ø “eis o meu irmão”, “eis a minha irmã”.
4. Às três da tarde,
Jesus gritou com voz forte: “Eloí, Eloí,
lemá sabactâni? — que quer dizer “Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Marcos 15,34)
Cruz do Haiti - Michee Remy |
Ø Será uma pergunta sem resposta?
Ø Haverá alguma coisa que se possa responder?
Ø Essas terríveis palavras são uma citação do Salmo 22.
Ø Jesus abraça essa experiência de desolação e partilha.
Ø É a única atitude possível: crer que Deus se faz
presente, mesmo em momentos como esses!
Ø Todos nós podemos passar por momentos absurdos, onde
não existem porquês nem para quês!
Ø As palavras de Jesus na última ceia são muito
consoladores nesses terríveis momentos da vida:
Isto é o meu
corpo, entregue por
vós!
5. Depois disso,
sabendo Jesus que tudo estava consumado, e para que se cumprisse a Escritura
até o fim, disse: "Tenho sede!" (João 19,28)
Cruz de El Salvador |
Ø O início do evangelho segundo João apresenta Jesus no
poço solicitando água para a Samaritana: “Dá-me de beber”.
Ø É assim que Deus vem a nós, sob a forma de uma pessoa
cheia de sede que quer qualquer coisa que nós temos para dar.
Ø A relação de Deus com a criação é uma relação de
doação total.
Ø Aquele que nos dá tudo convida-nos a ser seus amigos
pedindo um dom em troca, seja o que for que nós tenhamos para dar.
Ø Acima de tudo, Deus nos quer!
Ø Deus vem ao nosso encontro, ainda antes de nós nos
termos virado para Ele.
Ø Deus morre de sede por nós e pelo nosso amor, contudo,
ele tem de aguentar o nosso desprezo e indiferença, tantas vezes!
Ø É um privilégio de Deus ser sempre menos o amado do
que o amante!
Ø Assim, como em Caná, ele transformara a água em vinho,
também na cruz Ele faz do seu sangue o vinho da vida eterna.
6. Ele tomou o vinagre
e disse: “Está consumado”. E,
inclinando a cabeça, entregou o espírito. (João 19,30)
Cruz do Rosário |
Ø O grito de Jesus não significa apenas que tudo
terminou e que Ele agora vai morrer.
Ø É um grito de triunfo.
Ø Significa: “Tudo está completo”, ou seja “Tudo está
perfeito!”.
Ø Na cruz nós vemos a perfeição do AMOR!
Ø Estas palavras de Jesus convidam-nos a seguir em
frente, tentando amar de forma perfeita.
Ø Contudo, a perfeição do amor está nas palavras que
Jesus pronunciou: “Tenho sede”.
Ø A plenitude do amor é quando Jesus nos pede qualquer
coisa e a aceita com gratidão.
Ø Agora o seu amor é completo.
Ø Os soldados dão a Jesus aquilo que têm, um resto de
vinagre azedo, ou seja, um vinho barato e ruim.
Ø Provavelmente, teria um sabor repugnante, mas era o
que os pobres soldados bebiam, por isso, partilharam-no.
Ø Jesus aceita aquilo que eles têm para oferecer.
Ø Se sempre
soubermos dar daquilo que temos, mesmo que seja pouco, será suficiente!
7. Jesus deu um forte
grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu
espírito”. Dizendo isto, expirou. (Lucas 23,46)
Uma Pietà (Jesus nos braços de Maria após sua morte) de nossos dias |
Ø A primeira e a última das sete palavras são dirigidas
ao PAI.
Ø A quarta palavra, que é central, também é dirigida ao
PAI.
Ø Agora, Jesus devolve tudo ao Pai.
Ø Entrega-nos a todos nós, com todos os nossos medos e
esperanças, colocando-nos, de novo, nas mãos de Deus.
Ø É o ato supremo
de confiança.
Ø Nós vivemos numa época de ansiedade profunda.
Ø Tememos os problemas de saúde e a doença, tememos pelo
nosso futuro, pelos nossos filhos, pelos nossos empregos, temos medo do
fracasso e da pobreza.
Ø Sofremos de uma insegurança profunda, de um colapso da
nossa confiança.
Ø Isso tudo é estranho, porque estamos muito mais
protegidos e seguros do que em qualquer geração anterior da história humana,
pelo menos no Ocidente.
Ø Temos uma medicina melhor e transportes mais seguros;
Ø estamos mais protegidos do clima, e temos uma
segurança social mais eficaz.
Ø Contudo, sentimos mais medo!!!
Ø Esta ansiedade invasiva deriva do fato de nós termos
uma cultura do controle.
Ø Podemos controlar tantas coisas: a fertilidade e os
nascimentos, há tantas doenças curáveis;
Ø sabemos controlar as forças da natureza;
Ø minamos a terra e construímos diques nos rios.
Ø Esse
controle, porém, nunca é total.
Ø Temos medo, sobretudo da morte!
Ø Por isso, essas sete palavras de Jesus nos ajudam a
chegar ao DESCANSO.
Ø Ao terminar de dizê-las, Jesus descansou!
Ø Assim fez, também, Deus, de acordo com o livro de
Gênesis, ou seja, no sétimo dia descansou de sua obra criadora.
Ø Fomos feitos para repousar em Deus e para Deus poder
repousar em nós.
Ø Esse repouso não é ausência de atividade; é uma
volta ao lar.
Ø “Se alguém me
tem amor, haverá de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos
a ele e nele faremos morada” (João 14,23).
Ø Agora, Jesus proferiu a sua última palavra na cruz.
Ø Fez-se silêncio.
Ø Temos de esperar que a RESSURREIÇÃO quebre o silêncio
do sepulcro.
Ø Deus deseja que nós ESPEREMOS PELA SUA PALAVRA.
Vamos
acompanhar
esse
lindo gesto de amor:
Deus se entregando à humanidade!
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