Por que alguns se desenvolvem, melhoram de vida e outros ficam para trás?
Digam se isso poderá acabar bem
Thomas L.
Friedman
Colunista,
Escritor e Prêmio Pulitzer
The New York Times
O Egito, que tem 25%
de analfabetos, vai enviar tropas para derrotar rebeldes no Iêmen,
onde só há água 36
horas por mês
Na semana passada, estive na China. É sempre instrutivo ver o mundo desde o Reino do Meio. Às
vezes, a percepção mais correta vem da simples leitura dos jornais locais. No
dia 25, o China Daily publicou um
artigo narrando com detalhes que as "autoridades de Pequim"
realizaram, esta semana, inspeções em
jardins da infância para verificar se as crianças não estavam sobrecarregadas
com trabalho escolar. Embora chinês, matemática e inglês devam ser
ensinados somente na escola primária, não é incomum ver crianças da pré-escola
na China obrigadas a estudar essas matérias.
TAIZ (ou Ta'izz) - cidade do Iêmen - 1.400 metros acima do nível do mar Próxima ao célebre porto de Mocha, no Mar Vermelho - Censo de 2014: 615 mil habitantes |
O artigo explicava por que não é saudável "começar a
preparar o vestibular para o ingresso na universidade" já na pré-escola.
Ao ler isso, de repente, tive a visão de uma equipe da SWAT
do Ministério da Educação da China irrompendo porta adentro nos jardins de
infância declarando: "Larguem lápis e livros. Afastem-se das carteiras e
ninguém se machucará." Que problema. Jardins da infância ensinando
matemática e inglês cedo demais.
No mesmo jornal, havia outro artigo sobre os mais recentes conflitos entre facções xiitas
pró-iranianas e sunitas pró-sauditas. Os combates tinham como alvo a
segunda maior cidade do Iêmen, Taiz.
Estive em Taiz em maio de 2013
trabalhando num documentário sobre o desastre ambiental que o Iêmen estava se
tornando. Escolhemos Taiz porque, em razão da devastação do ecossistema do país, os habitantes da cidade só têm água nas torneiras de suas casas por 36
horas a cada 30 dias, mais ou menos.
É isso aí. As notícias sobre a China falam da invasão de
jardins da infância que ensinam matemática e inglês muito cedo e as notícias do
Iêmen falam das facções sunitas e xiitas que lutam por uma cidade já tão
destruída que a água aparece apenas 36 horas por mês, e no restante do tempo as
pessoas dependem de caminhões-pipa. E isso ocorria antes dos últimos
confrontos.
Mas pelo menos detectamos o problema. Li que a culpa disso é
do presidente Barack Obama. Gostaria que fosse assim. Obama disse e fez algumas
coisas estúpidas no Oriente Médio (como permitir que o regime líbio ficasse
acéfalo sem um plano para o dia seguinte), menos o fato de mostrar-se cauteloso
e não se envolver na região. Aqui estamos lidando com algo que nenhum
presidente teve de encarar: o colapso do
Estado árabe depois de 70 anos de governança incompetente.
A comparação com a
Ásia é instrutiva. Depois da 2.ª Guerra:
·
a Ásia
foi governada por muitos autocratas que se dirigiram a seus governados dizendo:
"Tiraremos sua liberdade, mas em
troca daremos a vocês a melhor educação, a infraestrutura e as mais apuradas
políticas de crescimento com base na exportação que o dinheiro puder comprar. E
vocês construirão uma grande classe média e conquistarão sua liberdade."
·
No mesmo período, os autocratas árabes dirigiram-se a seus governados dizendo: "Tiraremos a sua liberdade e em troca daremos
a vocês o conflito árabe-israelense".
LEE KUAN YEW - foi Primeiro-Ministro de Singapura de 1959 a 1990 (Viveu de 1923 a 2015) |
Os autocratas asiáticos eram em geral modernizadores, como Lee Kuan Yew, que morreu na semana
passada aos 91 anos - e hoje podemos ver os resultados: os habitantes de
Cingapura esperando dez horas na fila para prestar as últimas homenagens a um
homem que os lançou do nada para a classe média global.
Os autocratas árabes
eram em geral predadores e usaram o conflito com Israel como um brinquedo
reluzente para distrair o povo de sua péssima governança. Como resultado, Líbia, Iêmen, Síria e Iraque agora se
tornaram áreas de catástrofe em termos de desenvolvimento humano.
Alguns previram que isso aconteceria. Em 2002, um grupo de
cientistas sociais árabes elaborou o Relatório
sobre Desenvolvimento Humano Árabe para a ONU. O documento dizia que o mundo árabe sofria com a falta de
liberdade, conhecimento e autodeterminação das mulheres e, se essa situação não
mudasse, levaria ao que ocorreu depois. O relatório foi ignorado pela Liga
Árabe. Em 2011, as populações árabes mais preparadas levantaram-se para obrigar
a uma mudança antes que a situação chegasse ao eventual desastre. Com a exceção
da Tunísia - o único país árabe cujo autocrata era também um modernizador -,
esse despertar se apagou. Por isso, agora, aqueles países chegaram ao ponto em
que chegaram: o colapso do Estado e um
caldeirão de guerras civis tribais, sectárias (xiita-sunita, persa-árabe) -
numa região em que o desemprego é calamitoso, a juventude está revoltada e as
escolas mal funcionam ou, quando funcionam, ensinam um excesso de religião, não
de matemática.
Li a recente declaração do presidente do Egito, Abdel-Fattah al-Sissi, que dizia:
"Os desafios que a segurança das nações árabes enfrentam são enormes e nós
conseguimos diagnosticar as causas dessa situação". Ou seja, a
insuficiente cooperação árabe contra os persas e os radicais islâmicos.
Será mesmo? Hoje:
·
cerca de
25% dos egípcios são analfabetos, depois dos US$ 50 bilhões da ajuda injetados
pelos Estados Unidos desde 1979.
·
Na China,
o analfabetismo é de 5%.
·
No Irã,
15%.
THOMAS L. FRIEDMAN - jornalista e escritor - autor deste artigo |
Minha simpatia vai para todo o povo dessa região. Mas quando
seus líderes desperdiçam 70 anos, o buraco é mesmo muito fundo.
Na realidade, Sissi tenta pôr ordem no Egito. No entanto, o
Egito poderá enviar tropas para derrotar os rebeldes no Iêmen. Caso aconteça,
esse será o primeiro caso de um país em que 25% da população não sabe ler que
envia suas tropas para salvar um país em que a água só sai da torneira 36 horas
por mês para acabar com uma guerra cuja razão essencial é a luta iniciada no
século 7 para decidir quem seriam os verdadeiros herdeiros do profeta Maomé -
se os xiitas ou os sunitas. Qualquer criancinha da pré-escola chinesa sabe:
essa não é uma fórmula para o sucesso.
Traduzido do inglês por Anna Capovilla.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Internacional / Visão Global – Quinta-feira, 2 de abril de 2015 –
Pg. A10 – Internet: clique aqui.
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