«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 5 de julho de 2015

CATÁSTROFE: AMAZÔNIA, UMA IMENSA FAVELA!

Do facão caiapó ao robô-metralhadora do grafite

Leonencio Nossa

37,4% da população das maiores cidades da Amazônia
vive em área de tráfico de drogas;
na era da tecnologia e da redes sociais,
brasileiros à “margem da história” sobrevivem
em favelas e periferias sem direitos
há décadas garantidos em outras partes do País 
AMAZÔNIA:
da choupana indígena às favelas miseráveis,
piores que as do restante do País

Foto: Dida Sampaio/Agência Estado
É tempo de crime, fúria e ódio extremos na floresta. A Amazônia revive a explosão da violência urbana de morros, subúrbios e periferias de Rio de Janeiro e São Paulo dos anos 1980, a “década perdida”. Hoje, 37,4% da população das 62 cidades com mais de 50 mil habitantes da Região Norte mora em áreas ocupadas pelo tráfico de drogas, em que a reportagem teve de pedir autorização para entrar.

Levantamento do [jornal] O Estado de S. Paulo confrontou mapas de devastação ambiental, dados de prefeituras, relatórios de secretarias estaduais de segurança pública e depoimentos de autoridades e ativistas sociais. Há um paradoxo. No momento em que está mais conectada, com a expansão do uso do celular e da internet, a floresta se afasta da curva da melhoria de vida do Centro-Oeste, Sudeste, Sul e Nordeste.

A Amazônia que gerou discursos
acalorados sobre uma possível
internacionalização de seu território é
hoje uma “colcha” de áreas onde o Estado brasileiro
não entra com seus agentes de segurança,
muito menos com os
profissionais de saúde e educação.

Ao contrário do que temiam nacionalistas e militares, o território proibido não foi fechado por governos estrangeiros, mas pelos pequenos poderes internos. Por sua dimensão, a floresta resistiu em boa medida e continua de pé em muitos trechos. O homem que vive nela, porém, está sem assistência. Na era da tecnologia e das redes sociais, os brasileiros da “margem da história”, termo usado por Euclides da Cunha durante expedição aos Rios Madeira e Javari no começo do século passado, estão hoje em periferias não menos isoladas. A briga na Amazônia por direitos garantidos há décadas nas outras partes do País continua.

A ausência de uma rede de proteção social forte da sociedade civil e do poder público torna as favelas amazônicas – conhecidas por baixadas, quebradas e invasões – mais distantes dos setores produtivos e empregos que as ocupações urbanas de regiões desenvolvidas do País. As mortes por armas de fogo registradas no Mapa da Violência 2015 não deixam dúvida: a Região Norte teve um aumento de 135,7% nos homicídios de 2002 a 2012, período em que Rio e São Paulo, no Sudeste, apresentaram quedas superiores a 50%. O estudo foi elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com dados do Ministério da Saúde.

O sistema de produção baseado nas grandes obras de infraestrutura, que rendem empregos em massa, mas temporários, e das commodities da pecuária, da mineração e da soja não garantiu uma economia inclusiva. O mercado de trabalho não cresce no automático em volta dos projetos. Por outro lado, os programas federais de distribuição de renda por meio de transferências diretas nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, que transformaram para melhor o sertão nordestino, não atendem à complexa realidade amazônica.

Na abertura da Belém-Brasília, estrada que liga Anápolis a Marabá, em 1960, a Amazônia Legal, que compreende os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Pará, Tocantins e parte do Maranhão, tinha 35% de população urbana. Esse porcentual aumentou para 44% em 1980, 58% na década seguinte e 69% em 2000. Hoje, com 24 milhões de habitantes, essa área tem quase 80% de moradores nas cidades. A ascendência constante da curva mostra que a política para atender a demandas de energia e transporte de outros centros do País iniciada no governo Juscelino Kubitschek se manteve no regime militar e na democracia e, com ela, o êxodo e a concentração de terras.

O Brasil da indústria e
do desenvolvimento que começou a ser
implementado um pouco antes, pelo
presidente Getúlio Vargas, nunca
conviveu com a ideia da floresta em pé.
A exceção, por mais estranho que possa
parecer, ocorreu no curto e tumultuado
mandato de Fernando Collor (1990-1992),
quando foram demarcadas
as maiores áreas indígenas do País.
Tuíra Caiapó ameaça o presidente da Eletrobrás
José Antonio Muniz Lopes (1989)

[ . . . ] Mas, embora a Amazônia seja mais urbana que rural há duas décadas, os flagelos de suas cidades costumam ser encobertos pelos problemas do “paraíso verde” desde que a índia Tuíra Caiapó encostou um facão, em 1989, no rosto do então presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, num protesto contra uma hidrelétrica no Xingu [ver foto ao lado]. Foi bem antes de Gaby Amarantos, uma cantora dos bares e da sacristia da Igreja Católica de Jurunas, quinta maior favela do Brasil, sair de Belém e estourar com Ex Mai Love e Xirley, hits da música tecnobrega.

Na Amazônia, o avanço da urbanização também resultou em encontros ainda que forçados de culturas e tradições. Com um passado recente marcado pelo extermínio de guerrilheiros, sindicalistas rurais, líderes sem-terra e religiosos das bases católicas da esquerda, a região vive um novo momento de mobilizações sociais. É a “cena” de uma geração sem vínculos com entidades nacionais, que se articula nas redes sociais e orbita em volta da cultura em reação à violência e às desigualdades. Grafiteiros desenham robôs-metralhadora nos muros das cidades. Jovens lideranças indígenas tentam tirar a Fundação Nacional do Índio (Funai) do ostracismo. Na nova floresta, uma teia de solidariedade, ainda que frágil, expressa-se por meio das batalhas de rap, do ritmo da dança do “free step”, da música das “aparelhagens” de som, da atuação dos hackers do software livre e do trabalho dos documentaristas independentes. A região que deu novas formas à cultura nacional, com os livros e as viagens de Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Raul Bopp e Dalcídio Jurandir, mostra na atualidade uma arte de resistência.

A nova geração de ativistas sociais não usufrui da atenção do exterior para a floresta. Nas últimas duas décadas, a Amazônia perdeu o status de área de preocupação ambiental. A mata tropical enfrenta a concorrência do degelo, do efeito estufa e das mudanças climáticas no debate internacional. Isso ocorre mesmo sendo a região reservatório de 20% de água doce da Terra. Viajar pela floresta, após o “boom” ambientalista do final dos anos 1980 e começo dos 1990, quando o cacique Raoni subia aos palcos com o cantor Sting e Jacques Cousteau surpreendia com suas aventuras nos rios caudalosos, é encontrar um mundo de mazelas conhecidas de quem vive nas metrópoles. A região também deixou de receber recursos na área social de entidades e governos europeus, que, em meio à crise financeira internacional, focam os investimentos na África, deixando o Brasil das conquistas da era de consolidação do real e do governo Lula em segundo plano.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Especial: FAVELA Amazônia – Um novo retrato da floresta – Domingo, 5 de julho de 2015 – Pg. H2 – Internet: clique aqui.

Ticunas vivem num lixão da tríplice fronteira

Leonencio Nossa

Sem opções de renda, índios catam latinhas
e comem restos de alimentos da cidade de Tabatinga
CHOCANTE:
índia da etnia TICUNA sobrevivendo do lixão da cidade de Tabatinga!

Foto: Dida Sampaio/Agência Estado

É começo de tarde em Tabatinga, principal cidade do Alto Solimões, no Amazonas, fronteira com a Colômbia e o Peru. Nessas margens de rios e igarapés, mora boa parte dos índios da etnia ticuna, a maior do Brasil. São 46 mil pessoas que se espalham pelas cidades brasileiras e por margens de rios dos países vizinhos. A proximidade das aldeias com o centro urbano de Tabatinga praticamente transformou as terras desses índios em bairros periféricos.

Não há, porém, integração dos ticunas com o mercado de trabalho. A situação não é mais fácil para ribeirinhos e brancos pobres. Em 2002, a cidade tinha 22 mil moradores. Hoje, o Exército continua sendo o maior empregador do município, com cerca de mil militares, seguido de outros órgãos públicos. Não houve expansão de lavouras nem chegada de investimentos produtivos. A cidade, porém, tem agora 60 mil habitantes.

O IDH de Tabatinga é de 0.616, o mais alto da região do Alto Solimões. Esse índice tem por base a expectativa ao nascer, o acesso ao conhecimento e o padrão de vida. A média dos municípios do Alto Solimões é de 0.533, considerada baixa pelas Nações Unidas. Para efeito de comparação, trata-se de um índice inferior aos de favelas do Rio de Janeiro, como o Complexo da Maré (0.686) e o Morro Dona Marta (0.684).

A agricultura de Tabatinga não supre a demanda dos restaurantes e mercearias. As hortaliças e verduras vêm do lado peruano. A comerciante e pequena produtora rural Dira da Silva Silfuentes, de 46 anos, sugere à equipe de reportagem uma visita ao bairro Santa Rosa onde produz hortigranjeiros. Ela diz que a comunidade sofre com um lixão aberto pela própria prefeitura. No dia seguinte, fomos ao local, a dez quilômetros do centro de Tabatinga.

O lixo da cidade é descarregado numa
área que inclui lotes públicos e até ruas do bairro.
Um riacho de chorume, uma água escura,
desce pelos igarapés do Tacana e
do Umurutama até desembocar no Solimões,
na altura da comunidade indígena Belém do Solimões.
Os pequenos agricultores usam
água de poços artesianos para cuidar
de suas hortas e criações. 
Marcelo Ticuna, de 9 anos, em busca de sobrevivência no lixão de Tabatinga (AM)
Foto: Dida Sampaio/Agência Estado
Marcelo Ticuna, de 9 anos, disputa com índios adultos os melhores lixos e latinhas de alumínio despejados em Santa Rosa por comerciantes e funcionários da prefeitura. O corpo franzino desaparece entre as revoadas de urubus e as curvas da montanha de dejetos, móveis velhos, ferros, plásticos e material em decomposição. A mãe, Rosa, também trabalha no lixão. Com problemas de pressão, ela, porém, recolhe-se de tempo em tempo numa barraca improvisada de lona. Ali, também dá atenção a três outros filhos menores. A família mora em Letícia, no lado colombiano. Chega às 8 da manhã no lixão e trabalha nele até as 17 horas.

Helena Januário Caetano, de 51 anos, índia da Aldeia Umariaçu, encostada ao centro de Tabatinga, também chega cedo ao lixão. Por volta das 7 da manhã começa a trabalhar. O marido está doente e o único filho, desempregado. Para ajudar no sustento da casa, ela ainda roça lotes. Antônio Ticuna, de 40 anos, pai de cinco filhos, é outro índio que depende do lixão. “De onde eu vou tirar dinheiro para comer? Às vezes, a gente consegue tirar R$ 5, R$ 2 por dia. Às vezes, tem de voltar com fome para casa.”

Suja e violenta

Nos três primeiros meses de 2015, nove pessoas foram assassinadas em Tabatinga. Foram 17 mortos no ano passado, 27 em 2013 e 47 em 2012. Pelas contas da Polícia Militar, 80% dos casos tiveram como causa o tráfico de drogas, especialmente o acerto de contas. “O comprador de entorpecente quando não paga à vista perde a vida”, diz o major Huoney Herlon Gomes, comandante do 8.º Batalhão da Polícia Militar do Amazonas, que responde pelo Alto Solimões, uma área de 260 mil pessoas. “Aqui não há latrocínio. Há o crime de pistolagem mediante pagamento do tráfico.”

Até o ano passado não havia Corpo de Bombeiros em Tabatinga. Ainda não há Departamento de Trânsito. A rede de esgoto e água é apenas um projeto. A cidade é formada por ruas e ruelas cortadas por canais de detritos. “Aqui é um ponto estratégico do Estado Brasileiro”, diz Herlon. “Mas a economia não gera recursos para a prefeitura.”

Barracos são erguidos da noite para o dia. Uma dezena deles apareceu em cima de um igarapé que vai desembocar no Solimões, no bairro Dom Pedro. O agricultor Barnabé Oliveira, de 54 anos, conta que está no bairro desde os anos 1990. Ele mostra as casas levantadas por cima das águas. “Interromperam o curso do igarapé”, diz.

Com a cheia do Solimões no último mês de maio, as águas inundaram os barracos e moradores tiveram de deixar suas casas. Para agravar o problema, o lixo despejado em trechos mais acima do igarapé é represado nas casas. “Todo dia chega gente para fazer sua casinha. Geralmente é peruano. O pessoal está atravessando a fronteira porque o dinheiro deles ficou mais valorizado e o custo de vida lá aumentou.”

Assista a estes impressionantes vídeos,
clicando abaixo:











Fonte: O Estado de S. Paulo – Especial: FAVELA Amazônia – Um novo retrato da floresta – Domingo, 5 de julho de 2015 – Pg. H2 – Internet: clique aqui.

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