UM MUNDO EGOÍSTA, SEM LUGAR PARA A SOLIDARIEDADE!
A Europa e seus fracassos
Gilles Lapouge
Correspondente
em Paris (França)
A União Econômica Europeia trouxe a crise,
o desemprego e é nula em matéria de fraternidade
Ainda
o caso dos migrantes. Mas, desta vez, o lugar da tragédia não é a Itália, ao
redor da Ilha de Lampedusa, ou na Grécia, nas ilhas próximas da África, mas na
França, no norte da França, em Calais.
A
cidade de Calais é o porto francês que constitui o ponto de partida do Eurochannel,
o túnel sob o Canal da Mancha no
qual circulam trens diretos entre a França e a Grã-Bretanha. Por que multidões
de migrantes se amontoam nesta cidade?
São
os mesmos migrantes que conseguiram desembarcar na Europa, pela Itália ou pela
Grécia, e em seguida foram se esgueirando, durante meses, de país em país até
Calais, pois sua meta é a Grã-Bretanha.
Portanto,
uns infelizes - africanos, sírios,
paquistaneses, eritreus, as mesmas figuras
fantasmagóricas, as mesmas carcaças devastadas, o mesmo desespero no fundo
de seus olhos fixos, sem brilho.
E
cada noite, é o mesmo carrossel. Em grupos, nas sombras, 30, 50 homens chegam
até o Porto de Calais e ao Eurochannel e tentam embarcar nos furgões. Os
guardas os escorraçam. Os migrantes se retiram. Mas recomeçarão dez, cem vezes.
Na
noite de terça-feira, 2.500 exilados
tentaram entrar na Grã-Bretanha. Cinquenta deles conseguiram. Cerca de 20
ficaram feridos. Um migrante foi morto pela manobra de um peso pesado
desesperado. Outro foi eletrocutado.
Estes
incidentes exasperam a Grã-Bretanha, principalmente porque ocorrem no verão,
durante as férias e o afluxo dos turistas britânicos no Eurochannel. O
primeiro-ministro britânico, David
Cameron, apresentou queixa à França. Mas David Cameron não se contenta em
ser um britânico.
Ele
é um britânico da mais alta sociedade. Estudou em Eton, em Oxford, e expressou
suas queixas numa voz suave, baixa, um balbucio, o tom com que falamos quando
tomamos uma chávena de chá, mas se percebia perfeitamente que esta civilidade
extenuada continha, na realidade, uma cólera enorme. Ainda mais que, na
véspera, estivera senão perto de uma guerra com aviões e bombas termonucleares,
pelo menos de um esfriamento entre as duas nações.
O
lamentável episódio, que ocorre após uma série de outros, confirma uma verdade
evidente aos olhos de todo o mundo, salvo aos olhos dos governos da Europa: os migrantes são um espinho doloroso no
flanco da Europa, da União Europeia.
Infelizmente,
o drama dos migrantes manifesta de maneira clara que, apesar da União Europeia,
o egoísmo sagrado das nações é muito
forte no continente supostamente unido. Egoísmo?
Por
que a Itália deve lutar sozinha, sem um apoio sério de Bruxelas, para acolher
multidões de migrantes que só transitam por seu território para se dispersar em
seguida por toda a Europa? Por que deixar a Grécia, país em ruína, se debater
sozinha com os milhares de africanos moribundos que aportam em suas plagas?
E
por que a França deve, sozinha, sem um apoio concreto da União Europeia,
administrar a presença de 5 mil
migrantes acotovelando-se no Porto de Calais à espera de uma carona, quase
impossível, para a Grã-Bretanha? A União
Europeia, assim como a zona do euro, não trouxeram a prosperidade à Europa.
Trouxeram
a crise, o desemprego, o caos. Mas este não é o único fracasso da União
Europeia. Ela é praticamente nula em matéria de fraternidade e de economia.
Foi
incapaz de dar um início à concretização das grandes esperanças que os
criadores do euro, há 60 anos, haviam previsto em seu tratado. Eles juraram fazer da Europa um vasto
espaço em que o amor substituiria a guerra, um continente onde reinaria a
fraternidade.
Hoje
em dia a fraternidade é bela. É bem verdade que quando do primeiro balbucio
histórico da Europa, a futura Roma foi criada por dois irmãos, Rômulo e Remo,
que começaram por se matar mutuamente.
Traduzido do francês por Anna Capovilla.
Fonte: O Estado de S. Paulo –
Internacional
– Quinta-feira, 30 de julho de 2015 – Pg. A12 – Internet: clique aqui.
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