Receita de universidade privada cresce; peso do gasto com professor cai
José Roberto
de Toledo, Paulo Saldaña e Rodrigo Burgarelli
Impulsionados por fusões, alta das mensalidades e pela
expansão do Fies,
os grandes grupos educacionais do País têm cada vez
mais
reduzido a proporção das verbas para a remuneração dos
professores
Oscar Malvessi - economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV): diretor da consultoria que analisou os balanços das empresas de educação privadas |
Apesar
de ver nos últimos anos suas receitas dispararem, impulsionadas por fusões,
alta nas mensalidades e pela ampliação do Financiamento
Estudantil (Fies), os grandes
grupos educacionais de ensino superior com ações na bolsa têm direcionado
proporção cada vez menor de recursos para a principal matéria-prima: os
professores. A remuneração dos docentes em relação à receita líquida passou de
45% em 2010 para 35% no ano passado, na média dessas empresas.
As
companhias Kroton (Anhanguera), Anima, Estácio e Ser, que têm capital aberto, tiveram,
em média, salto de 201% na receita líquida no período. A bruta, sem desconto de
impostos, saltou 233%. Um desempenho considerado extraordinário no País. A maior parte desses recursos foi revertida
em lucro aos acionistas.
A Kroton, por exemplo, gastou no ano
passado 29% da sua receita com os professores - em 2010, esse porcentual era de
52%. A Ser Educacional manteve esse
gasto estável no período e em 2014 gastava 26%.
Os
dados foram extraídos dos balanços financeiros e notas explicativas divulgadas
ao mercado pelas empresas. As informações foram processadas e analisadas pela
consultoria de Oscar Malvessi,
professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a pedido da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp). A
análise abordou as quatro únicas empresas que têm capital aberto e, por isso,
são obrigadas a manter a transparência de seus dados.
Como
comparação, Malvessi analisou os mesmos critérios de outras duas instituições,
cujos dados eram públicos. O gasto com professores no Mackenzie responde por 67% da receita. Na Unicsul, empresa particular de capital fechado, é de 52%. Nas públicas, esse porcentual quase sempre
supera 70%.
Questionado,
o Sindicato das Mantenedoras
(Semesp) informou que, entre 2008 e 2011, o porcentual de gasto com professores
estava aumentando nas instituições privadas. Levantamento do Semesp com 2 mil
instituições mostra que, desde 2008, a tendência era de aumento do gasto. Em
2011, ele representava 40% da receita.
CUSTO
A
queda no gasto com docentes veio a reboque de uma diminuição do custo total dos
serviços prestados. Passou de 62% em 2010 para 47% em 2014, na média das
empresas.
Autor
do estudo, Malvessi indica que, economicamente, os resultados são excelentes.
"Houve um contexto de oportunidade que foi muito bem aproveitado pelas
empresas. E o Fies foi muito importante,
viabilizou o acesso dos alunos. Como contrapartida, veio receita e crescimento",
diz. "Mas a educação merece uma atenção especial das empresas, entidades,
do governo e da sociedade. Se não, os
interessados no negócio de educação ficam restritos aos ganhos financeiros."
As
quatro empresas concentram 23% de 1,9 milhão de contratos do Fies firmados até
o ano passado. Na Kroton, cerca de 60%
dos alunos têm Fies. Na Anima
são 39%.
Com o avanço do Fies, as
empresas passaram a ter repasses garantidos do governo, diminuindo o risco de
inadimplência - mesmo cobrando mensalidades maiores. Entre 2010 e 2014, o valor
médio das mensalidades no ensino superior privado aumentou 13%, como revelou
reportagem do jornal O Estado de S. Paulo
em fevereiro. Já o gasto do governo com
o Fies, desde 2011, saltou 647%, enquanto o número de contratos cresceu
374%.
O
presidente da Fepesp, Celso Napolitano, diz que há um descompasso entre os lucros e os investimentos com os professores.
"Essa grande lucratividade resultou em enxugamento dos gastos com corpo
docente, em detrimento das condições do trabalho e da qualidade do
ensino", diz ele. "É um tipo
de gestão em termos massificados que, com relação à educação, é arriscada para
a qualidade."
MELHORIA
O
diretor executivo do Semesp, Rodrigo Capelato, afirma ser natural que o
porcentual de gasto com professores seja menor em empresas maiores. "Isso
se deve ao ganho de escala e não à precarização da mão de obra", diz ele,
que defendeu melhoria na qualificação dos docentes no setor privado.
"Quando
se tem um volume maior de alunos, obviamente, pode-se otimizar a quantidade de
professores. Isso até melhora a qualidade, pois o docente fica exclusivo
daquela instituição, uma vez que ela tem turmas e aulas suficientes para
preencher todo o tempo."
As
instituições de ensino afirmam que houve investimentos nos docentes e melhoria
de qualidade dos cursos. A diretora da Associação Brasileira para o
Desenvolvimento da Educação Superior (Abraes), Elizabeth Guedes, diz que a
folha salarial vem aumentando nos últimos anos. "Se ela cresce menos do
que a receita, isso se deve a um planejamento cada vez mais eficiente dos
recursos utilizados", diz. "Estamos obtendo resultados e elevando a
qualidade acadêmica." A Abraes representa as empresas de capital aberto,
além dos grupos Devry e Laureate.
Após
as mudanças no Fies do fim de 2014, houve pressão por parte do setor na
negociação salarial dos docentes. A data-base era em março e a definição do
reajuste saiu em junho. "Conseguimos
a duras penas um aumento real de 0,57%, mas o resto das melhorias na carreira
ficou parado", afirma Napolitano. A Fepesp pretende ainda reivindicar
participação de lucro e resultados.
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