TEMPOS DIFÍCEIS!
PELO “NÃO”
Entrevista
com Boaventura de Sousa Santos
Vitor Hugo
Brandalise
Para sociólogo, prosseguir com política baseada em
cortes de gastos
pode ampliar a crise e ameaçar a democracia europeia
Boaventura de Sousa Santos,
professor emérito e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra [Portugal],
voltou perturbado de sua última viagem a Atenas. Não somente por ter visto
jovens gregos morando em tendas na rua em frente ao prédio onde ficou, nem
apenas pelo susto que levou ao perceber as filas em restaurantes antes
turísticos e que hoje servem refeições a idosos por preços simbólicos. O que assombrou o professor português,
um dos mais respeitados sociólogos da esquerda europeia, foi um “claro e terrível” sentimento de desesperança a tomar a capital
do país.
Na
terça, a Grécia deixou de pagar uma
parcela de € 1,6 bilhão de uma
dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) – para muitos, deu um calote. Para Boaventura (e com ele, pelo menos
três prêmios Nobel), o país pode ter
começado a “se ver livre”. Desde
2011, a Grécia paga ao FMI parcelas de uma dívida de € 323 bilhões (quase o
dobro do PIB nacional, de € 179 bilhões) e, como contrapartida, seu governo foi obrigado a seguir uma política
rígida de corte de gastos – uma das chamadas políticas de austeridade, a
que se submeteram outros países a partir da crise mundial de 2008, como
Portugal.
Eis
a razão da desesperança das ruas, segundo o sociólogo. “Ninguém entende o sacrifício. Os gregos estão atordoados, nunca
imaginaram viver sob essas condições”, disse. Hoje [domingo, 05 de julho] a
população grega participa de um plebiscito em que decidirá se aceita ou não um
novo pacote de medidas de austeridade. Boaventura não tem dúvidas sobre qual
seria seu voto. “O resultado do receituário do FMI não é o fim das dívidas, mas
sim a mais grave crise que a União Europeia já viveu. Uma ameaça à própria
democracia na Europa.”
O que o senhor pensa quando ouve a palavra austeridade?
Boaventura de Sousa Santos: A austeridade hoje na
Europa é o que antes se chamava de ajuste
estrutural. Penso na crise do Estado Social, em cortes das políticas
sociais, sobretudo da saúde e educação, cortes nos gastos do Estado em geral,
na própria administração estatal. Austeridade
hoje significa privatização, aumento da pobreza e aumento da riqueza.
Porque há muita gente ficando bilionária com a crise da Grécia. A austeridade é
mal-estar para a grande maioria e muito bem-estar para uma minoria, daqueles
que especulam com as dívidas dos povos.
Curioso o senhor ter pensado em aumento da riqueza ao falar de
austeridade.
BSS: Sim, porque a austeridade
não é para toda a gente. É apenas para as maiorias. Houve na Europa ao longo
das últimas décadas insistência em garantir os direitos universais: o direito à
escola pública, à saúde pública, à atenção pública. As políticas de austeridade visam a reduzir esses direitos, acabam com
a proteção e o bem-estar de quem depende do Estado. No caso europeu, a
classe média é quem sofre. Mas pensei em riqueza porque nem todos estão mal. Portugal nos anos da crise teve um aumento
de cerca de 12% no número de bilionários. Ou seja, em plena vigência do
modelo de austeridade, aumentou o número dos mais ricos. Não há exceção, com
esse regime é assim. Se a austeridade fosse com tributação progressiva, como no
caso da Europa depois da Segunda Guerra, em que os que têm mais rendimentos
pagam mais, poderia funcionar. Naquele momento, houve um acordo para criar paz
social porque havia perturbação, muitas greves, e funcionou, desembocou no
Estado Social europeu. Mas não é o tipo de austeridade que vemos hoje.
As políticas mais recentes de austeridade começaram a ser aplicadas na
Europa após a crise mundial de 2008. O que o senhor analisa a partir disso?
BSS: Em 2008, o capital
financeiro estava tão forte que resolveu com seus próprios recursos a crise
mundial. Houve a queda do Lehmann
Brothers, mas depois disso o que se fez foi para que não caísse mais nenhum
banco. E os Estados assumiram dívidas
privadas. Quando os países assumem a
crise, transferem o impacto para os cidadãos. Optaram por salvar os bancos e não puderam salvar as famílias. Aí
começou a austeridade, com cortes nas políticas públicas, privatizações, como
aconteceu com a Portugal Telecom, as
empresas de energia de Portugal, e aconteceu em outros países. A receita é a
mesma. Na outra ponta, dois anos depois,
os lucros em Wall Street já tinham níveis de 2008. O mundo que sai da crise
é ainda mais governado para o capital financeiro, como vemos na crise da
Grécia. Não sou eu quem diz. São três
Prêmios Nobel: o (ex-economista-chefe do FMI, Joseph) Stiglitz, (o
economista americano Paul) Krugman, (o filósofo alemão Jurgën) Habermas. Todos, assim como eu, votariam “não” no plebiscito grego.
Basta olhar qual era a dívida quando começou a crise e qual é agora. Todos os resgates eram para diminuir a
dívida, mas ela aumentou. Então está
errado. E quem diz não são marxistas radicais. São estudiosos centristas
que estão a ver o suicídio da Europa. Isso
é o princípio do fim do euro. E a tragédia é que nós hoje não temos os
líderes que fizeram a União Europeia, com solidariedade entre países, porque
eles tinham vivido a guerra. Essa geração de dirigentes não tem esse
sentimento.
Qual é o sentimento dessa geração?
BSS: Quem financia esses modelos
é o capital financeiro. Não são todos os que sofrem. A austeridade é imposta
pelo FMI, representando a troica (além de FMI, o Banco Central Europeu
e a Comissão Europeia, que cobram a
dívida). Inicialmente não faria sentido esse modelo, pois a Grécia tem apenas
2% do PIB da Europa. Uma crise da dívida
de um pequeno país poderia ser resolvida com a liquidez que os países europeus
têm. Não precisaria de austeridade. Acontece que a Grécia deve a bancos
alemães e franceses, e foi por imposição da Alemanha que o FMI passou a ser
parte das negociações. Quando o FMI entra, tem-se uma política de credores, que
não tem a ver com democracia ou com pessoas. Tem a ver com pagar credores. Esse
remédio foi aplicado em países de outros continentes, e os europeus agora se
surpreendem porque é aplicado neles. Deveriam ter atentado quando o FMI
aplicava a política no México, no Brasil, na Tailândia, e não resolveu o
problema.
Por que a Europa não teria atentado para isso?
BSS: A Europa tem um preconceito, que não temo designar como
colonialista. Pensa-se como
desenvolvida, que não tem o que aprender com o sul. Os governos europeus, tanto
de direita quanto de esquerda, nunca olharam para a possibilidade de essa
receita ser aplicada na Europa. E agora, quando
vêm as crises, não encontram alternativa senão seguir a ortodoxia do capital
financeiro, que tem um valor na Alemanha e outro muito diferente na Grécia.
De um lado estão credores, do outro lado estão devedores. Estamos a pôr
europeus contra europeus.
Mulher grega porta adesivo com a palavra "oxi" (não) |
Por que, então, perdoar parte da dívida da Ucrânia, como ocorreu há
algumas semanas?
BSS: Porque essa já não é uma
questão econômica, é uma questão
política. Senão a gente não entenderia como é que foi dado esse perdão a
uma parcela da dívida ucraniana. Por que é tão difícil perdoar a dívida da
Grécia? Poderiam mudar a carência: em vez de pagar em 10 anos, pagar em 100
anos – como aconteceu com a Alemanha, que até há pouco pagava dívidas de
reparações das guerras mundiais. Mas quem tem poder hoje quer que esse sistema
continue. Sempre que um governo, nesse caso é o Syriza [partido que governa a Grécia atualmente], ganha as eleições
com um programa contra a austeridade, querendo que sejam tributados os mais
ricos e não que continuemos a cortar os gastos sociais, ele é duramente
combatido. É ameaçador ao modelo da austeridade. Então a dívida grega não será perdoada, não enquanto o Syriza estiver no poder. É
importante para a política dominante hoje que o Syriza seja humilhado, que os gregos sejam humilhados e concluam
que devem se ver livres do Syriza. Um exemplo de alternativa vinda da Grécia
pode influenciar outros países, como a Espanha, em que há o Podemos, que está crescendo, com uma
mensagem de defesa das políticas sociais. Se
o Syriza tiver êxito, será um incentivo para políticas contra a austeridade na
Espanha, em Portugal – e então já seriam 8% do PIB europeu –, na Irlanda e na Itália.
O sr. vê algum tipo de risco para a democracia na Europa neste momento?
BSS: A democracia e o futuro da
Europa estão em causa. O caso da Grécia
não é o fim da crise. É o princípio, qualquer que seja o resultado do
plebiscito. Os pagamentos já não foram feitos, há outros que são devidos em
julho e que não serão feitos e isso deve desestabilizar outros países. Ao
contrário do que diz Merkel, não há garantias de que a crise grega não se
transformará na crise portuguesa de novo ou na crise espanhola. Esses países
vão entrar numa segunda crise já com muita raiva, porque empobreceram, perderam
direitos. A tolerância será menor e isso vai criar mais turbulência social, com
risco para as instituições. Um outro
fator, que me perturba ainda mais, é o crescimento da extrema direita na Europa.
Em países como Hungria, Polônia, Dinamarca, Alemanha, França, Holanda, partidos
nacionalistas, contra imigrantes, ganham peso. E sabemos que quando a
extrema direita ganha poder na Europa, é perigoso. Em geral, no mundo. Mas a
memória europeia é trágica, por causa do nazismo e do fascismo.
Surgiram alternativas políticas como reação à austeridade?
BSS: Os novos partidos de
esquerda ganharam credibilidade na Europa com o fracasso dos socialistas, que
aqui chamamos de centro-esquerda, envolvidos em escândalos de corrupção e
degradação do Estado de bem-estar social. Os
indignados foram para as ruas questionar a austeridade e daí surgiram partidos
como o Podemos. Ele e o Syriza
parecem revolucionários, mas defendem bandeiras parecidas às dos socialistas,
medidas social-democratas moderadas e luta contra a corrupção. Ser revolucionário hoje na Europa é ser
social-democrata. É querer um Estado social.
O que significa Tsipras optar
por consultar a população, em um momento de crise, por meio de um plebiscito?
BSS: É um exercício da
democracia. Mas, quando anunciou o plebiscito, Christine Lagarde (diretora-geral do FMI), que não tem passado
democrático que se saiba, diz que é uma infantilidade. Parece que a democracia não tem valor, porque o fundo monetário só vê
cifras, só vê dinheiro, só vê credores. É coerente com a postura na
implementação do euro, quando fizeram tudo para evitar discussões públicas. Ao
mesmo tempo, do jeito que está, o plebiscito grego é também uma ameaça à
democracia. Vemos aqui na Europa algo insustentável, que é a chantagem de Alemanha, França, União Europeia em geral, para votarem
“sim” às medidas de austeridade. Para quê? Tecnicamente, as medidas nem
podem ser aplicadas, porque houve interrupção nas negociações. Não é nada além
de pressão sobre os gregos. Se disserem “sim”, dizem “não” ao Syriza. E o que querem é que o Syriza saia de cena.
A austeridade voltou a ser tratada no Brasil quando a presidente nomeou
um novo ministro da economia, Joaquim Levy, que citou esse modelo. O senhor é
um estudioso do Brasil. Qual a sua opinião a respeito?
BSS: Foi um erro da presidente Dilma. O que ela pensa que é acalmar os
mercados foi uma prova de fraqueza. Uma
receita de austeridade em um país emergente é um tiro no pé porque provoca
diminuição do consumo interno, e o Brasil defendeu-se de crises internacionais
porque as políticas sociais criaram um mercado interno forte e ativo. A
austeridade diminui o consumo interno e pode desembocar em recessão. O exemplo
está na Europa. Como o Brasil é o que
menos cresce entre os emergentes, essa é a receita errada. Para manter a
redução da pobreza e a constituição de classes médias, é preciso duas medidas:
- reforma política, porque a composição do Congresso brasileiro não representa as aspirações da maioria,
- mudar o financiamento de campanhas e combater a corrupção nos partidos. Era o que a presidente Dilma deveria ter feito, e não fazer esse choque brutal, com Levy e Kátia Abreu.
- A outra medida seria alterar o sistema tributário. Fazer com que os mais ricos no Brasil paguem mais. Não muito mais, um pouco só, para que o país volte à senda de desenvolvimento de classe média e possa fazer um pouco da social-democracia que tem sido bem-sucedida na Europa, pelo menos até aqui.
PELO “SIM”
Desunião europeia
Nikos
Konstandaras*
Maior dano é a fissura entre Grécia e parceiros, diz
analista grego.
«Um não no plebiscito será a desculpa para deixar o
país naufragar»
Nikos Konstandaras - jornalista grego |
O
mar, visto da janela do meu escritório, está calmo. Alguns barcos à vela
deslizam pelas águas prateadas do Golfo Sarónico. Uma imagem de paz, mas
cenário de incontáveis batalhas. Nessas águas, em Salamina, uma aliança formada pelos três Estados livres gregos sob a
liderança de Atenas derrotou a marinha persa em 480 a.C., propiciando à
democracia espaço para se desenvolver. Em 1941 as forças alemãs irromperam no
país e um grupo de pilotos aliados tentou deter as ondas de aviões inimigos,
com muitos pilotos mergulhando para a morte nessa baía num certo dia de abril.
Hoje,
quando meu país se precipita para um outro tipo de batalha – um referendo que
determinará seu lugar no mundo e marcará sua história –, vivencio “a eterna
tristeza” que o poeta Matthew Arnold
imaginou que Sófocles sentia ao
ouvir o “turvo fluxo e refluxo da miséria humana” parado diante dessa praia.
Nosso país está em paz, mas
os riscos são tão grandes como se estivéssemos em guerra, uma guerra travada
não com navios militares, armas e aviões, mas com palavras e dinheiro. Sua infantaria, num certo
sentido, é formada pelas filas de desempregados e aposentados que se aglomeram
na frente dos bancos; carros enfileirados nos postos de gasolina constituem uma
cavalaria avariada; os generais são os ministros das finanças que trocam
propostas entre si com a agressividade daqueles que não sofrerão as consequências.
Todos envolvidos numa campanha de cinco anos em que a Grécia lutou para cumprir
as condições impostas pelo maior pacote de ajuda da história, um total de € 240
milhões, bancado pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, em
troca de um programa de austeridade e reformas. O governo responsabiliza os credores pelas dificuldades por que passa o
país, afirmando que transformaram a Grécia numa “colônia endividada”.
Como
o BCE se recusou a elevar o limite dos fundos de emergência na semana passada,
nossos bancos rapidamente perderam a liquidez. Em questão de dias uma sociedade
sofisticada começou a se revelar – idosos lutavam para retirar suas pensões,
comércio e indústria ficaram inoperantes, websites não conseguiram renovar seus
nomes de domínio junto a provedores estrangeiros, proprietários de smartphones
não puderam baixar seus aplicativos porque seus cartões de crédito foram
bloqueados.
Muito próxima da falência, a
Grécia se encontra numa situação pior do que antes do pacote de ajuda. No referendo de domingo
nós, eleitores, diremos se desejamos continuar negociando um acordo com nossos
parceiros ou arriscamos o futuro com um orgulhoso “não” a novos ditames.
Muita
coisa mais está em risco além da única moeda estável que o país teve numa história
pontuada por bancarrotas. Educaremos nossos filhos e envelheceremos numa
sociedade unida? Continuaremos a fazer parte de um novo desenvolvimento da
Europa? A própria ideia da Europa, cujo
nome é inspirado num mito grego, da Europa, como união irá se desfazer, um país
após o outro? Nossos filhos ainda conseguirão estudar no estrangeiro? Ou
mergulharemos num isolamento que prejudicará a próxima geração tanto quanto
nossos aposentados sofrem agora?
Jovens gregos usam adesivos com a palavra "nai", alemã, que significa "não", como se fosse uma resposta à Alemanha que deseja um pacote de austeridade para a Grécia. |
Esforços
para restaurar a normalidade fracassaram devido a medidas políticas
inconsistentes, problemas fundamentais de um governo ineficaz e a lamentável
falta de liderança na Grécia e entre os responsáveis políticos na Europa e no
FMI.
O
colapso dos partidos que administraram mal a Grécia durante décadas criou um
vácuo que a coalizão da esquerda radical Syriza
preencheu com promessas: continuaremos a obter fundos de ajuda, descartaremos a
austeridade, revogaremos as reformas e ainda manteremos o país dentro da zona
do euro.
Os
cinco meses de disputa acrimoniosa com nossos parceiros e credores não lograram
isso. Internamente o governo abandonou
muitas reformas, fez muito pouco para combater a evasão fiscal e a corrupção e
repetiu a política de compadrio do passado com nomeações de caráter
flagrantemente político no setor público. Sem nenhuma opção à frente que
não a insolvência, o primeiro-ministro Alexis
Tsipras lançou os dados e anunciou o referendo, insistindo para os cidadãos
votarem “não”.
Esses
cidadãos (e contribuintes em outros países) pagaram um preço por um programa de
ajuda que fracassou. Agora os gregos devem enfrentar mais privações,
permanecendo na zona do euro ou sendo forçados a sair. Mas o pior é o
isolamento resultante da falta de comunicação entre Atenas e seus parceiros.
Ambos os lados se mediram numa queda de braço e nenhum deles estava blefando.
Os europeus, liderados pela Alemanha, se mostraram firmes na imposição da
austeridade; e os gregos, determinados a levar sua imprudência até o fim. A
demanda grega por um alívio da dívida e as declarações de orgulho recuperado
foram consideradas petulantes pelos credores. Em vez de trabalharem por soluções, ambos procuraram desculpas pelo
fracasso.
O
maior dano, até agora, é a fissura aberta entre a Grécia e nossos parceiros.
Esquecemos que teríamos de estar unidos nessa questão, que Grécia e União
Europeia deveriam ser indivisíveis, que os problemas enfrentados por um país
deverão ser enfrentados pelos outros, que cada país só pode sobreviver fazendo
parte da União. Um “sim” no referendo
obrigará Grécia e Europa a resolverem o atual impasse; um “não” será a desculpa
para deixar a Grécia naufragar.
Dentro
do país as divisões dos anos recentes aumentaram com a incerteza dos últimos
meses e a real aflição dos últimos dias. Se o “sim” for majoritário, isso nos
permitirá trabalhar para tornar a Grécia uma economia viável e ao mesmo tempo
parte integral da União Europeia; um
“não” nos dividirá ainda mais, com as dificuldades econômicas e as tensões
sociais aumentando.
Durante
toda a sua história, os gregos lutaram com o maior afinco quando tudo parecia
perdido. Vencemos muitas guerras, superamos tantos golpes e ocupações
estrangeiras para alcançar a estabilidade que agora – em tempo de paz – está
ameaçada.
Diante
de tudo o que está em jogo, veremos em breve se os gregos de hoje são dignos
dos seus ancestrais.
Tradução de Terezinha Martino.
*
Nikos Kostandaras é editor administrativo e colunista
do jornal Kathimerini. Escreveu este
artigo para o jornal The New York Times.
Fonte: O Estado de S. Paulo –
Suplemento ALIÁS – Domingo, 5 de julho de 2015 – Pg. E3 – Internet: clique aqui.
NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA...
Em plebiscito, Grécia diz “não” a condições impostas
pela União Europeia
Fernando
Scheller
Enviado especial
Mais de 60% dos gregos que foram às urnas neste domingo
se mostraram insatisfeitos com as medidas de austeridade impostas em troca de
ajuda ao país
Manifestantes a favor do "Não" (oxi - em grego) festejam a vitória defronte à sede do governo em Atenas - Grécia |
Os
gregos disseram um sonoro "não" nas urnas a seus credores. O
plebiscito convocado pelo primeiro-ministro
Alexis Tsipras para avaliar se a população concorda com as condições
impostas pela União Europeia [UE] para liberação de ajuda financeira ao país
teve uma resposta clara: mais de 60% da população se disse contrária às medidas
de austeridade impostas pelo bloco econômico.
Por
volta das 17h22, horário de Brasília, com mais de 82% da apuração finalizada, o
"não" tinha 61,57% dos votos, contra 38,43% do "sim". A vitória apontou uma rejeição bem mais
ampla do que a esperada às políticas da União Europeia. As pesquisas feitas
ontem apontavam um resultado dentro da margem de erro.
Embora
o plebiscito fizesse uma pergunta específica, por trás da negativa da população pode estar a chance de que, pela
primeira vez, um país possa sair da zona do euro - uma situação que coloca
pressão sobre o Eurogrupo, a chanceler alemã Angela Merkel (que governa o país
que direciona a maior parte da ajuda à Grécia) e ao Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Todos precisam decidir se o
fluxo de dinheiro para o país seguirá aberto apesar do que disseram as urnas. Na terça-feira, a Grécia
se tornou a primeira nação desenvolvida a dar um calote ao FMI. O país deixou
de pagar uma dívida de € 1,6 bilhão.
O
governo grego tenta dar outra interpretação à situação. Para o premiê, com o aval popular, a Grécia terá mais força para
negociar acordos melhores. O objetivo de Tsipras é que o país não precise
cortar tantos custos e benefícios sociais em troca da ajuda que tanto precisa.
A
rejeição da população grega ao acordo proposto pela UE tem razão de ser: nos
últimos cinco anos em que aceitou o plano de austeridade do bloco econômico, a
economia do país recuou nada menos do que 24%. O desemprego entre os jovens é
superior a 50%.
Segundo
pesquisas de opinião divulgadas ao longo da semana e também neste domingo, embora a maioria da população tenha votado
"não" neste referendo, cerca de 75% da população grega é contrária à
saída do país da UE.
VITÓRIA
O
resultado é uma vitória considerável para Alexis
Tsipras. Na última semana, ele fez uma ferrenha campanha para que os gregos
dissessem não às regras do pacote de ajuda impostos pela UE. O objetivo do referendo, segundo ele, é
conseguir condições mais favoráveis de negociação para que o bem-estar social
grego não tenha de ser tão sacrificado. Ao votar, Tsipras afirmou que a
democracia venceria o "medo" e a "chantagem" - recado
direto para o que considera uma posição intransigente da UE.
Quase 10 milhões de
eleitores na Grécia estavam aptos a votar no plebiscito. Pela lei, o voto é
obrigatório no país, mas na prática o texto não é aplicado há bastante tempo -
o que deixa a escolha livre para a população. O ministro do Interior grego, Nikos Voutsis, afirmou, em declaração à
imprensa, que o governo considera o
plebiscito um sucesso - com mais de 50% dos eleitores comparecendo às urnas.
O ministro das Finanças, Iannis Varoufakis,
já falando sobre a vitória do "não", disse que o resultado ajuda a Grécia a buscar uma solução mútua com a Comissão
Europeia para seus problemas financeiros.
Depois
de um verdadeiro duelo de protestos na sexta-feira, quando os que advogam pelo
"sim" e pelo "não" reuniram milhares de pessoas em
diferentes pontos de Atenas, o clima da cidade se acalmou entre sábado e este
domingo. O clima era calmo na maioria dos locais de votação e não havia filas.
A panfletagem, tão comum nos pleitos brasileiros, tampouco sujou as ruas da
capital grega. Como havia poucas seções eleitorais nas proximidades dos pontos
turísticos, os turistas mal percebiam que este era um domingo vital para a
economia grega.
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. . ]
Vence o "não" (em grego: oxi) na Grécia |
CANSAÇO
Entre
os gregos que advogavam pelo voto contra a UE, um discurso comum era o "cansaço" de esperar por uma
promessa de desenvolvimento que nunca se concretiza. É o caso de Thanassis Negas, 60 anos, que trabalha
com importação e exportação de tecidos. "Eu não me enquadro na categoria
'desempregado' para o governo, mas essa é a minha real situação. Eu ganho muito
pouco, menos do que o suficiente para me sustentar."
Para
Negas, que pertence ao movimento Enam (uma espécie de resposta grega ao
espanhol Podemos), o voto no “não” é uma alternativa para
priorizar as pessoas em detrimento do capital. "Em toda a Europa,
mesmo na Alemanha, há informações de que as
camadas mais pobres da sociedade estão sofrendo. Está claro que a receita econômica atual está trazendo só
pobreza, e não desenvolvimento."
Em
comentários sobre resultados da eleição, especialistas afirmaram que os jovens gregos tiveram um papel
fundamental no resultado do voto no "não". Este foi o caso do
estudante de economia Grigorios
Adamapoulos, de 26 anos, duas vezes na última semana.
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