ÚLTIMAS PALAVRAS DE PAPA FRANCISCO NO EQUADOR
Papa pede aos jovens que não olhem um
grau universitário como
sinônimo de maior prestígio
Redação
Papa Francisco em visita à Pontifícia Universidade do Equador dirige-se aos educadores, estudantes e intelectuais Terça-feira, 7 de julho de 2015 |
No
terceiro dia de sua viagem apostólica ao Equador, Bolívia e Paraguai, depois da
Celebração Eucarística no Parque do Bicentenário em Quito, o Papa Francisco
encontrou o mundo da educação do
Equador. Eis o discurso pronunciado pelo Santo Padre:
Amados Irmãos no Episcopado,
Senhor Reitor,
Distintas Autoridades,
Queridos professores e alunos,
Amigos e amigas!
Sinto grande alegria por estar convosco,
nesta tarde, na Pontifícia Universidade
do Equador, que, desde há quase 70 anos, cumpre e atualiza a fecunda missão
educativa da Igreja ao serviço dos homens e mulheres da nação. Agradeço as
amáveis palavras com que me receberam e transmitiram as preocupações e as
esperanças que vos surgem ao enfrentar o desafio, pessoal e social, da
educação. Contudo, vejo que há umas nuvens escuras lá no horizonte, espero que
não venha uma tempestade, mas que seja só uma leve garoa.
No Evangelho, acabamos de ouvir como Jesus,
o Mestre, ensinava a multidão e o pequeno grupo dos discípulos, adaptando-Se à
sua capacidade de compreensão. Fazia-o com parábolas, como a do semeador (Lc 8,4-15).
O Senhor sempre foi “plástico” no modo
de ensinar, de forma que todos pudessem entender. Jesus não procura
«doutorear»; pelo contrário, quer chegar ao coração do homem, à sua
inteligência, à sua vida e para que esta dê fruto.
A parábola do semeador fala-nos de
cultivar. Mostra-nos os tipos de terra, os tipos de semente, os tipos de fruto
e a relação que se gera entre eles. E, já
desde o Gênesis, Deus sussurra ao homem este convite: cultivar e cuidar.
Não se limita a conceder-lhe a vida; dá-lhe
a terra, a criação. Não só lhe dá uma companheira e infinitas possibilidades;
mas faz-lhe também um convite, dá-lhe uma missão. Convida-o a participar na sua obra criadora, dizendo: cultiva!
Dou-te as sementes, dou-te a terra, a água, o sol; dou-te as tuas mãos e as dos
teus irmãos. Aqui o tens; também é teu. É um presente, é um dom, é uma oferta.
Não é algo de adquirido, não é algo comprado; mas antecede-nos e ficará depois
de nós.
É um presente dado por Deus para,
juntamente com Ele, podermos fazê-lo nosso. Deus não quer uma criação para Si, para Se ver a Si mesmo. Muito
pelo contrário! A criação é um dom para
ser partilhado. É o espaço que Deus nos dá, para construir conosco, para
construir um nós. O mundo, a história, o
tempo é o lugar onde vamos construindo esse nós com Deus, o nós com os outros,
o nós com a terra. A nossa vida encerra sempre este convite, um convite
mais ou menos consciente que sempre permanece.
Mas notemos uma peculiaridade. Na narração do Gênesis, ao lado da palavra
cultivar, aparece imediatamente outra: cuidar. Uma explica-se a partir da
outra. Andam de mãos dadas. Não cultiva
quem não cuida, e não cuida quem não cultiva.
Somos convidados não só a participar na
obra criadora cultivando-a, fazendo-a crescer, desenvolvendo-a, mas também a
cuidá-la, protegê-la, guardá-la. Hoje,
este convite impõe-se-nos forçosamente. Já não como uma mera recomendação, mas
como uma necessidade devido ao «mal que provocamos [à terra] por causa do uso
irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar
que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. (…) Por
isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados que há hoje em dia no
mundo, conta-se a nossa terra oprimida e devastada» (LS 2).
Existe
uma relação entre a nossa vida e a da nossa mãe terra; entre a nossa existência
e o dom que Deus nos deu. «O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não
podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos
atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social» (LS 48).
Ora, tal como dizemos que «se degradam», assim também podemos dizer que «se
apoiam e podem transfigurar». É uma relação que encerra uma possibilidade tanto
de abertura, transformação e vida, como de destruição e morte.
Uma
coisa é clara! Não podemos continuar a desinteressar-nos da nossa realidade,
dos nossos irmãos, da nossa mãe terra. Não nos é lícito ignorar o que está a
acontecer ao nosso redor, como se determinadas situações não existissem ou não
tivessem nada a ver com a nossa realidade. Não nos é
lícito – mais ainda - não é humano entrar no jogo da cultura do descarte.
Não cessa de ecoar, com força, esta
pergunta de Deus a Caim: «Onde está o
teu irmão?» Eu me interrogo se a nossa resposta continuará a ser: «Sou,
porventura, guarda de meu irmão?» (Gn 4,9).
Eu vivo em Roma. No inverno, faz frio. Pode
acontecer que, bem pertinho do Vaticano, apareça um idoso, pela manhã, que
morreu por causa do frio. Não é notícia em nenhum dos jornais, em nenhuma das
crônicas. Um pobre morre por causa do
frio e da fome e isso não é notícia, mas se as bolsas das principais capitais
do mundo caem dois ou três pontos arma-se um grande escândalo mundial. Eu
me pergunto: onde está o teu irmão? E peço-vos que vos façais outra vez, cada
um, essa pergunta, e que o façais à universidade: A ti, Universidade Católica, onde está o teu irmão?
Neste contexto universitário, seria bom
interrogarmo-nos sobre a nossa educação a respeito desta terra que clama ao
céu.
Os
nossos centros educativos são uma sementeira, uma possibilidade, terra fértil
para cuidar, estimular e proteger. Terra fértil,
sedenta de vida.
Convosco, educadores, eu me interrogo: Velais pelos vossos alunos, ajudando-os a
desenvolver um espírito crítico, um espírito livre, capaz de cuidar do mundo
atual? Um espírito que seja capaz de procurar novas respostas para os
múltiplos desafios que a sociedade coloca hoje à humanidade? Sois capazes de os estimular para não se
desinteressarem da realidade que os rodeia, não se desinteressarem daquilo que
está acontecendo ao redor? Sois capazes de os estimular nisso? Para tal, é preciso tirar-lhes da sala de aula, a
sua mente tem que sair da sala de aula, seu coração tem que sair da sala de
aula. Como entra, nos currículos universitários ou nas diferentes áreas do
trabalho educativo, a vida que nos rodeia com as suas perguntas, suas
interpelações, suas controvérsias? Como
geramos e acompanhamos o debate construtivo que nasce do diálogo em prol de um
mundo mais humano? O diálogo, esta palavra-ponte, esta palavra que cria
pontes.
E há uma reflexão que nos envolve a todos,
famílias, centros educativos, professores: Como ajudamos os nossos jovens a não
olhar um grau universitário como sinônimo de maior posição, sinônimo de mais
dinheiro ou maior prestígio social? Não são sinônimos. Ajudamos a ver esta preparação como sinal de maior responsabilidade
perante os problemas de hoje, perante o cuidado do mais pobre, perante o
cuidado do meio ambiente?
E vós, queridos jovens que estais aqui,
presente e futuro do Equador, sois os que tendes que fazer bagunça. Convosco,
que sois semente de transformação desta sociedade, gostaria de me interrogar: Sabeis que este tempo de estudo não é só um
direito, mas também um privilégio que tendes? Quantos amigos, conhecidos ou
desconhecidos, queriam ter um lugar nesta casa, mas, por várias circunstâncias,
não conseguiram? Em que medida o nosso estudo nos ajuda e nos leva a ser
solidários com eles. Fazei a vós mesmos essas perguntas, queridos jovens.
As comunidades educativas têm um papel
fundamental, um papel essencial na construção da cidadania e da cultura.
Cuidado, não basta realizar análises, descrições da realidade; é necessário
gerar as áreas, espaços de verdadeira pesquisa, debates que gerem alternativas
para as problemáticas especialmente de hoje. Como é necessário ir ao concreto!
Perante a globalização do paradigma
tecnocrático que tende a «crer que toda a aquisição de poder seja simplesmente
progresso, aumento de segurança, de utilidade, de bem-estar, de força vital, de
plenitude de valores, como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem
espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia» (LS 105), hoje a
vós, a mim, a todos, é-nos pedido, com urgência, que nos animemos a pensar, a
debater sobre a nossa situação atual. Digo
urgência de que nos animemos a pensar sobre qual cultura, sobre o tipo de
cultura que queremos ou pretendemos não só para nós, mas também para os nossos
filhos e nossos netos. Esta terra, recebemo-la como herança, como um dom,
como um presente. Far-nos-á bem interrogarmo-nos: Como queremos deixá-la? Qual
é a orientação, o sentido que queremos dar à existência? Com que finalidade passamos por este mundo? Para que lutamos e
trabalhamos? (LS 160). Para que estudamos?
As iniciativas individuais são sempre boas
e fundamentais, mas é-nos pedido para dar um passo mais: animar-nos a olhar a
realidade organicamente e não de forma fragmentária; a fazer perguntas que nos
envolvam a todos, uma vez que «tudo está interligado» (LS 138). Não existe
direito à exclusão.
Como Universidade, como centros educativos,
como professores e estudantes, a vida desafia-nos a responder a estas duas
perguntas: Para que precisa de nós esta terra? Onde está o teu irmão?
Que o Espírito Santo nos inspire e
acompanhe, pois foi Ele que nos convocou, convidou, deu a oportunidade e, por
sua vez, a responsabilidade de dar o melhor de nós mesmos. Oferece-nos a força
e a luz de que precisamos. É o mesmo Espírito que, no primeiro dia da criação,
pairava sobre as águas com a vontade de transformar, de dar vida. É o mesmo
Espírito que deu aos discípulos a força do Pentecostes. É o mesmo Espírito que
não nos abandona, fazendo-Se um conosco para encontrarmos caminhos de vida
nova. Seja Ele o nosso companheiro e nosso mestre de viagem!
Muito obrigado.
Fonte: ZENIT.ORG – Roma, 8 de Julho de 2015 –
Internet: clique aqui.
Papa:
“... as nossas relações sociais ou o jogo político
baseiam-se muitas vezes na luta, no descarte.”
Equipe de
Reportagem
Na
terça-feira, 7 de julho, depois do encontro com o mundo da escola e da
universidade na Pontifícia Universidade Católica do Equador, o Papa Francisco
dirigiu-se de papamóvel até a igreja de São Francisco para o encontro com a sociedade civil. Eis o
discurso do Santo Padre Francisco:
Papa Francisco chega de papamóvel à igreja de São Francisco, no centro histórico de Quito para o encontro com representantes da sociedade civil equatoriana Terça-feira, 7 de julho de 2015 |
Queridos amigos!
Rejubilo por estar convosco, homens e
mulheres que representais e dinamizais a vida social, política e econômica do
país.
Mesmo antes de entrar na igreja, o Senhor
Prefeito entregou-me as chaves da cidade. Deste modo, posso dizer que aqui, em
San Francisco de Quito, sou de casa. A vossa prova de confiança e carinho, ao
abrir-me as portas, permite-me apresentar-vos algumas chaves da convivência cívica a começar da vida familiar.
A nossa sociedade ganha, quando cada
pessoa, cada grupo social se sente verdadeiramente de casa. Numa família, os pais, os avós, os filhos
são de casa; ninguém fica excluído. Se alguém tem uma dificuldade, mesmo
grave, ainda que seja por culpa dele, os outros correm em sua ajuda, apoiam-no;
a sua dor é de todos.
Não
deveria ser assim também na sociedade? E, no entanto, as nossas relações sociais ou o jogo político
baseiam-se muitas vezes na luta, no descarte. A minha posição, a minha
ideia, o meu projeto consolida-se, se for capaz de vencer o outro, de me impor.
Isto é ser família? Nas famílias, todos
contribuem para o projeto comum, todos trabalham para o bem comum, mas sem
anular o indivíduo; pelo contrário, sustentam-no, promovem-no. As alegrias
e as penas de cada um são assumidas por todos. Isto é ser família!
Oh
se pudéssemos ver o adversário político, o vizinho de casa com os mesmos olhos
com que vemos os filhos, esposas ou maridos, pais ou mães.
Amamos a nossa sociedade? Amamos o nosso
país, a comunidade que estamos tentando construir? Amamo-la nos conceitos
proclamados, no mundo das ideias? Amemo-la mais com as obras do que com as
palavras! Em cada pessoa, em sua situação concreta, na vida que compartilhamos.
O amor tende sempre à comunicação; nunca
ao isolamento.
A partir deste afeto, surgirão gestos
simples que fortalecem os vínculos pessoais. Já em várias ocasiões, me referi à
importância da família como célula da sociedade. No âmbito familiar, as pessoas
recebem os valores fundamentais do amor, da fraternidade e do respeito mútuo,
que se traduzem em valores sociais fundamentais: a gratuidade, a solidariedade
e a subsidiariedade.
[Gratuidade]
Para os pais, todos os filhos, embora cada
um tenha a sua índole própria, são igualmente adoráveis. Mas, quando a criança
se nega a partilhar o que recebe gratuitamente deles, quebra esta relação. O amor dos pais ajuda-a a sair do seu
egoísmo, para que aprenda a viver com os demais, a ceder para se abrir ao outro.
No âmbito social, isto supõe assumir que a
gratuidade não é complementar, mas requisito necessário da justiça. O que
somos e temos foi-nos confiado para o colocarmos ao serviço dos outros; a nossa
tarefa é fazer com que frutifique em boas obras. Os bens estão destinados a todos e, embora uma pessoa ostente o seu
título de propriedade, sobre eles pesa uma hipoteca social. Assim o
conceito econômico de justiça, baseado no princípio de compra-venda, é superado
pelo conceito de justiça social, que defende o direito fundamental da pessoa a
uma vida digna. A exploração dos
recursos naturais, tão abundantes no Equador, não deve apostar no benefício
imediato. Ser administradores desta riqueza que recebemos compromete-nos
com a sociedade no seu conjunto e com as gerações futuras, às quais não
poderemos legar este patrimônio sem o devido cuidado do meio ambiente, sem uma
consciência de gratuidade que brota da contemplação do mundo criado. Hoje estão
aqui conosco irmãos dos povos indígenas da Amazônia Equatoriana; esta área é
das «mais ricas em variedade de espécies, em espécies endêmicas, raras ou com
menor grau de efetiva proteção. (…) Requerem um cuidado particular pela sua
enorme importância para o ecossistema mundial [pois têm] uma biodiversidade de
enorme complexidade, quase impossível de conhecer completamente, mas quando
estas florestas são queimadas ou derrubadas para desenvolver cultivos, em
poucos anos perdem-se inúmeras espécies, ou tais áreas transformam-se em áridos
desertos» (cf. LS 37-38). Lá o Equador – juntamente com os outros países
detentores de franjas amazônicas – tem uma oportunidade para exercer a
pedagogia duma ecologia integral. Recebemos
o mundo como herança dos nossos pais, mas também como empréstimo das gerações
futuras, a quem o temos de devolver.
[Fraternidade]
Da
fraternidade vivida na família, nasce a solidariedade na sociedade, que não
consiste apenas em dar ao necessitado, mas em sermos responsáveis uns dos
outros. Se virmos no outro um irmão, ninguém pode
ficar excluído, marginalizado.
O Equador, como muitos povos
latino-americanos, passa hoje por profundas mudanças sociais e culturais, novos
desafios que requerem a participação de todos os atores sociais. A emigração, a
concentração urbana, o consumismo, a crise da família, a falta de trabalho, as
bolsas de pobreza produzem incerteza e tensões que constituem uma ameaça para a
convivência social. As normas e as leis,
bem como os projetos da comunidade civil, devem procurar a inclusão, abrir
espaços de diálogo, de encontro e, assim, deixar como uma triste recordação
qualquer tipo de repressão, de controle excessivo e a perda de liberdade. A
esperança dum futuro melhor passa por oferecer oportunidades reais aos
cidadãos, especialmente aos jovens, criando emprego, com um crescimento
econômico que chegue a todos e não se fique pelas estatísticas macroeconômicas,
com um desenvolvimento sustentável que gere um tecido social firme e bem coeso.
[Subsidiariedade]
Por fim, o respeito pelo outro que se
aprende na família traduz-se, na esfera social, em subsidiariedade. Assumir que
a nossa opção não é necessariamente a única legítima é um sadio exercício de
humildade. Ao reconhecer a parte boa que
há nos outros, mesmo com as suas limitações, vemos a riqueza que encerra a
diversidade e o valor da complementaridade. Os homens, os grupos têm
direito de percorrer o seu caminho, ainda que isso às vezes suponha cometer
erros. No respeito da liberdade, a sociedade civil é chamada a promover cada
pessoa e agente social, para que possa assumir o seu papel e contribuir, a
partir da sua especificidade, para o bem comum. O diálogo é necessário, fundamental para chegar à verdade, que não pode
ser imposta, mas procurada com sinceridade e espírito crítico. Numa democracia participativa, cada uma das
forças sociais, os grupos indígenas, os afro-equatorianos, as mulheres, os
grupos de cidadãos e quantos trabalham para a comunidade nos serviços públicos
são protagonistas imprescindíveis neste diálogo. No-lo dizem com a maior
eloquência as paredes, pátios e claustros deste lugar: baseada sobre elementos
da cultura Inca e Caranqui, a beleza das suas proporções e formas, o arrojo dos
seus diferentes estilos combinados de modo notável, as obras de arte designadas
pelo nome de «escola quitenha», condensam um longo diálogo, com sucessos e
fracassos, da história equatoriana. O hoje está cheio de beleza, e se é verdade
que no passado houve erros e abusos – como negá-lo? – Podemos afirmar que a
amálgama irradia tanta exuberância que nos permite olhar o futuro com muita
esperança.
Também
a Igreja quer colaborar na busca do bem comum, com as suas atividades sociais e
educativas, promovendo os valores éticos e espirituais, sendo um sinal
profético que leve um raio de luz e esperança a
todos, especialmente aos mais necessitados.
Muito obrigado por estarem aqui, por me
ouvirem. Peço-vos, por favor, que levem as minhas palavras de encorajamento aos
grupos que representais nas distintas esferas sociais. O Senhor conceda, à
sociedade civil que representais, ser esse campo propício onde se vivam estes
valores.
Fonte: ZENIT.ORG – Roma, 8 de Julho de 2015 –
Internet: clique aqui.
Papa Francisco aos sacerdotes:
“Por favor, não cobrem a Graça.”
Equipe de
Reportagem
Texto
completo do Santo Padre em Quinche.
Francisco improvisou discurso durante o encontro com o clero, religiosos e
seminaristas no Santuário mariano
nacional "El Quinche".
Papa Francisco discursa durante sua visita ao Santuário Mariano Nacional de "El Quinche", Equador. Quarta-feira, 8 de julho de 2015 |
Bom dia, irmãos e irmãs:
Nestes dias, 48 horas que estive em contato
com vocês, senti que havia algo estranho, perdão, algo estranho no povo
equatoriano. Onde quer que eu vá, a recepção é sempre alegre, feliz, amigável,
religiosa, piedosa. Havia piedade na forma, por exemplo, de pedir a benção, do
mais velho ao mais novo. A primeira coisa que se aprende é isso.
Havia algo diferente. Eu também tive a
intenção, como bispo, de perguntar: qual
é a receita deste povo? E, dava voltas na cabeça e rezava. Perguntei para
Jesus várias vezes, em oração. O que
este povo tem de diferente? E nesta manhã orando veio-me aquela consagração
ao Sagrado Coração. Acho que tenho que dizê-lo como uma mensagem de Jesus. Toda
esta riqueza que vocês têm, a riqueza espiritual de piedade, de profundidade,
vem de ter tido a coragem, embora fossem momentos muito difíceis, de consagrar a nação ao coração de Cristo,
esse coração divino e humano que nos ama tanto. E noto-o um pouco com isso,
divino e humano, certo de que são pecadores, eu também, mas o Senhor perdoa
tudo. E custodiem isso e depois, poucos anos depois a consagração ao coração de
Maria. Não esqueçam essa consagração é um marco na história do povo do Equador.
E dessa consagração vem essa graça que vocês têm, essa piedade, essa coisa que
os torna diferentes.
Hoje eu tenho que falar com os sacerdotes,
seminaristas, religiosos, religiosas e dizer-lhes algo.
Tenho um discurso preparado. Mas não tenho
vontade de ler. Portanto, dou-o ao Presidente da Conferência dos Religiosos
para que o publique depois.
E pensava na Virgem, pensava em Maria, duas
palavras de Maria. Já me falha a memória, mas sei que disse alguma outra.
Faça-se em mim. Bom, sim, pediu explicações do porquê o anjo a escolheu, ali. Faça-se em mim. E outra palavra: Façam o que Ele vos disser.
[De graça tudo recebemos, de graça devemos
dar]
Maria,
não protagonizou nada. “Discipulou” toda a sua vida.
A primeira desculpa do seu filho. E tinha consciência de que tudo o que ela trouxe
era pura gratuidade de Deus. Consciência de gratuidade. Por isso, faça-se, façam, que se manifeste a gratuidade de Deus.
Religiosos, religiosas, sacerdotes, seminaristas, todos os dias. Voltem,
percorram esse caminho de volta rumo à gratuidade com a qual Deus os escolheu. Vocês não pagaram para entrar no seminário,
para entrar na vida religiosa. Não o mereceram. Se algum, religioso,
sacerdote, seminarista ou freira aqui presente, acha que foi merecido que
levante a mão. Tudo gratuito. E toda a
vida de um religioso, de uma religiosa, de um sacerdote, de um seminarista que
vai por esse caminho e já que estamos, digamos, e dos bispos, têm que ir pelo
caminho da gratuidade, voltar todos os dias ao Senhor, hoje fiz isso, tive
sucesso com isso, tive essa dificuldade, “tudo isso, porém, vem de vós”. Tudo é grátis. Essa gratuidade, somos
objeto de gratuidade de Deus. Se
esquecemos isso, lentamente vamos nos fazendo importantes. Olha só esse,
que obra está realizando. Ou, olha só para esse, o fizeram bispo de tal lugar,
que importante. Ou, a este o fizeram monsenhor. Ou este... e assim, lentamente,
vamos nos separando disso que é a base do que Maria nunca se afastou. A
gratuidade de Deus. Um conselho de
irmão: todos os dias, à noite talvez seja melhor, antes de dormir, um olhar a
Jesus e dizer-lhe, “tudo me destes de graça”. E colocar-se no próprio lugar
de novo. Então, quando me mudam de destino, e quando há uma dificuldade, não
birro porque tudo é de graça. Não mereço nada, assim fez Maria.
João Paulo II na Encíclica Redemptoris Mater, recomendo que vocês a
leiam, sim, peguem-na e a leiam, é verdade, o Papa São João Paulo II tinha um
estilo de pensamento circular, professor e era um homem de Deus. Assim que é
preciso lê-la várias vezes tirar todo o conteúdo que tem. E diz que talvez
Maria, não lembro bem a frase, quero citar o fato. No momento da Cruz da sua
fidelidade, teria tido vontade de dizer “e me disseram que este seria Rei? Me
enganaram”. Nem se permitiu, porque era a mulher que sabia que tinha recebido
tudo gratuitamente. Conselho de irmão e
de pai, todas as noites, recoloquem-se na gratuidade. E digam faça-se,
obrigado porque tudo me destes.
[Não renegar nossas raízes]
Uma segunda coisa que eu gostaria de
dizer-lhes é que cuidem da saúde,
mas, acima de tudo, cuidem para não cair
em uma doença. Uma doença que é meio perigosa, ou totalmente perigosa para
aqueles que o Senhor chamou gratuitamente para segui-Lo ou servi-Lo.
Não
caiam no Alzheimer espiritual, não percam a
memória, especialmente, a memória de onde o tiraram. Essa cena do profeta
Samuel, quando é enviado para ungir o rei de Israel. Ele vai a Belém para a
casa de um homem chamado Jessé, que tem sete ou oito filhos. E Deus lhe diz
que, entre estas crianças estará o rei. Claramente vê e diz “deve ser este”, é
maior, alto, grande, bonito, parecia corajoso. Deus lhe diz: “não, não é esse”.
O olhar de Deus é diferente do olhar dos
homens. E assim passa por todos os filhos e Deus lhe diz “não, não é”. E o
profeta não sabe o que fazer. E pergunta ao pai se não está faltando nenhum. E
este lhe diz, sim, o mais novo está cuidando das cabras, das ovelhas. “Mande-o
chamar”. E vem um molequinho, teria uns 17 ou 18 anos. E Deus lhe diz: “é esse”.
Tiraram-no do rebanho.
E outro profeta quando Deus lhe diz para
fazer certas coisas, o profeta diz: “quem eu sou se me tiraram de rebanhos”. Não se esqueçam de onde lhes tiraram, não
reneguem as raízes.
Nota-se que São Paulo intuía este perigo de perder a memória, e ao seu filho
mais querido, o bispo Timóteo, a quem ele ordenou, lhes dá conselhos pastorais,
mas tem um que toca o coração. “Não te
esqueças da fé que tinha a tua avó e a tua mãe, ou seja, não te esqueças de
onde te tiraram, não te esqueças das tuas raízes, não se sinta promovido”.
A gratuidade é uma graça que não pode
coexistir com a promoção. E quando um
sacerdote, um seminarista, um religioso, uma freira, entra na carreira, não
falo mal, carreira humana, começa a adoecer de Alzheimer espiritual. E
começa a perder a memória de onde me tiraram. Dois princípios para vocês
sacerdotes, consagrados e consagradas. Todos
os dias renovem o sentimento de que tudo é de graça. O sentimento de
gratuidade na escolha de cada um.
Ninguém
merece. E peçam a graça de não perder a memória,
de não sentir-se mais importante. É muito triste quando se vê um sacerdote ou
um consagrado ou uma consagrada que na sua casa falava o dialeto, ou falava
outra língua, uma dessas nobres línguas antigas que têm os povos do Equador,
quantas têm. E é muito triste quando se esquecem da língua. É muito triste
quando não a querem falar, isso significa que se esqueceram de onde o tiraram.
Não se esqueçam disso. Peçam essa graça.
Esses
são os dois princípios que gostaria de marcar. E esses
dois princípios, se forem vividos todos os dias, é um trabalho de todos os
dias, todas as noites recordar esses dois princípios e pedir a graça, esses
dois princípios, se o viverem, o farão viver com duas atitudes.
[1ª Atitude: o serviço]
Em primeiro lugar o serviço. Deus me escolheu,
me tirou, para quê? Para servir e não perdermos o tempo. Mas, que tenho mil
coisas, que tenho isso, que não, que estou fechando o escritório. Sim, teria
que ir abençoar as casas, mas estou cansado. Hoje passam uma novela linda na
televisão, para as freiras.
E, então, serviço, servir, servir e não
fazer outra coisa. E servir quando
estamos cansados. E servir quando as pessoas nos incomodam.
Falava-me um velho sacerdote, que foi toda
a vida professor, em escolas e universidade, ensinava literatura. Um gênio.
Quando se aposentou, pediu para o provincial enviá-lo para um bairro pobre, um
bairro desses formados por pessoas de fora, que emigram procurando trabalho,
pessoas muito simples. E este religioso estava uma vez por semana, ia à sua
comunidade e falava, era muito inteligente. Na comunidade, era uma comunidade
de faculdade de teologia. Falava com os outros sacerdotes de teologia no mesmo
nível, e um dia fala para um: “vocês que são, quem dá o Tratado de Igreja aqui?”
E um professor. “Te faltam duas teses. Qual? O santo povo fiel de Deus é
essencialmente olímpico, faz o que quer, e ontologicamente desgastante”. E isso
tem muita sabedoria, porque quem vai
pelo caminho do servir tem que deixar-se incomodar sem perder a paciência
porque está a serviço. Nenhum
momento lhe pertence. Estou para servir, servir no que devo fazer, servir
diante do Sacrário pedindo pelo povo, pedindo pelo meu trabalho. Serviço,
misturado com o da gratuidade e, então, aquilo de Jesus, o que recebestes de
graça, dê de graça.
Por
favor, por favor, não cobrem a graça. Por Favor.
Que
a nossa pastoral seja gratuita. E é tão feio
quando vai se perdendo esse sentido de gratuidade, se transforma, sim, faz
coisas boas, mas perdeu isso.
[2ª Atitude: o gozo e a alegria]
E a segunda atitude que se vê em um
consagrado, uma consagrada, um sacerdote que vive esta gratuidade e esta
memória, estes dois princípios, gratuidade e memória, é o gozo e a alegria.
E isso é um dom de Jesus. É um dom que nos
dá se o pedirmos e se nós não esquecemos desses dois pilares da nossa vida
sacerdotal ou religiosa, que são o sentimento
de gratuidade, renovado cada dia e não
perder a memória de onde nos tiraram.
Desejo-lhes isso. “Sim, padre, você nos
falou que a receita do nosso povo, talvez era, a consagração ao sagrado coração”.
Sim, é verdade isso. Proponho-lhes outra receita que está na mesma linha de
gratuidade de Jesus. Sentido da gratuidade. Ele se fez nada, se abaixou. Se humilhou. Se fez pobre para
enriquecer-nos com a sua pobreza. Pura gratuidade, sentido da memória. E
fazemos memória das maravilhas que fez o Senhor na nossa vida.
Que o Senhor vos conceda esta graça a
todos. Que nos conceda a todos os que estamos aqui e que continue, ia dizer,
permeando, abençoando este povo equatoriano, ao qual vocês devem servir, e são
chamados a servir, e continue abençoando com essa peculiaridade que eu notei
desde que cheguei aqui.
Que Jesus lhes abençoe e Nossa Senhora
cuide de vocês.
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