“Na liturgia, a Igreja tem um atraso de mais de mil anos”
José María
Castillo
Teólogo
espanhol
Teología
sin Censura
29-07-2015
“A linguagem e os ritos da eucaristia ficaram parados
na Alta Idade Média”
Missal Romano promulgado em 5 de Dezembro de 1570 por São Pio V sob mandato do Concílio de Trento (1545-1563) |
Sabe-se
que o falecido cardeal Martini disse
ao Papa Bento XVI que a Igreja está 200 anos atrasada em relação à sociedade e
à cultura atual. Suponho que Martini se referia ao exercício do poder e ao
sistema de governo eclesiástico. Se o cardeal tivesse falado ao Papa sobre a
liturgia, o mais provável é que teria dito que a Igreja tem um atraso de mais
de mil anos.
Não
estou exagerando. Basta consultar a excelente e documentada história da missa,
de Joseph A. Jungmann [ed. bras.: Missarum Sollemnia, Paulus Editora, 2015
– 3ª reimpressão, 968 p.], para dar-se conta de que a estrutura da celebração eucarística, a linguagem que nela se utiliza
(mesmo que traduzida do latim), a maior
parte dos gestos rituais e o conjunto da cerimônia, tudo isso ficou ancorado e
emperrado no que se fazia e se expressava segundo a linguagem e os costumes da
Alta Idade Média.
Ou
seja, segundo os usos e formas de expressão que eram atuais nos longínquos
tempos do século V ao VIII. Sem dúvida alguma, pode-se afirmar que não existe nenhuma outra instituição, por mais
conservadora que seja, que se comporte desta maneira. E ficamos surpresos
com o fato de que haja tantos cristãos que não vão à missa?
Por
isso, convém reconhecer que a Constituição
sobre a Liturgia [Sacrosanctum
Concilium], do Concílio Vaticano II, fez bem à Igreja em algumas coisas,
por exemplo, ao permitir a tradução do latim às línguas atuais. Mas também é
verdade que aquilo foi uma “atualização” que ficou curta.
Seguramente,
porque faltou tempo, a devida preparação
e as condições indispensáveis para enfrentar os problemas mais de fundo e mais
atuais que afetam a liturgia:
- os rituais,
- os sinais,
- os símbolos e
- os complicados e atualíssimos temas relacionados à comunicação entre os seres humanos.
Sobretudo
quando se trata de comunicar e esclarecer questões tão complicadas como é tudo
aquilo que se refere às nossas relações com “o transcendente”. E sabemos que é
precisamente isso que se pretende na liturgia. Por que haverá tantos católicos mais preocupados em ser fiéis ao
Catecismo do que em enfrentar e resolver estes problemas tão sérios e urgentes?
Traduzido do espanhol por André Langer. Acesse a versão original
deste artigo, clicando aqui.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 30 de julho de 2015 – Internet: clique aqui.
Um problema: nossas liturgias
José Agustín
Cabré Rufatt*
Religión
Digital
29-07-2015
“Deverá passar ainda muita água por debaixo da ponte
antes que a liturgia católica se torne compreensível, celebrativa,
compartilhada, santificadora da vida.”
Pe. José Agustín Cabré Rufatt - claretiano chileno: jornalista e escritor |
Boa
parte dos católicos que vai às igrejas aos domingos é idosa. Podem recordar,
portanto, a surpresa e o alívio que significou em sua experiência religiosa, há
50 anos, as mudanças introduzidas pelo Concílio
Vaticano II na liturgia dos sacramentos e na missa: foram convidados a
passarem de «assistentes» a «participantes» nos ritos e no culto. Passou-se do
tempo em que se «ouvia missa» para o
tempo em que se «celebra a missa».
Com
o passar do tempo, foi possível comprovar que essas reformas não foram tão
completas como se esperava: os católicos continuam assistindo à missa como a um
espetáculo onde eles são o público e os atores são outros: o padre, os
acólitos, os ministros, os leitores, o coro... tudo distribuído em um espaço
acomodado como um teatro: um público que olha a certa distância a atuação de
alguns disfarçados que estão no palco.
Da
Eucaristia, a grande ação de graças a Deus pelo dom da vida, mediante a
experiência humana de Jesus de Nazaré, com sua vida, paixão, morte e
ressurreição... resta, na realidade, bem pouco.
Uma
linguagem desconhecida
Houve
algumas mudanças, é verdade: passou-se do latim – que ninguém entendia – ao
idioma de cada país. Mas não se mudou o nefasto sistema da leitura continuada
da Bíblia. No afã de que o povo escute alguma vez toda a Bíblia, mantiveram-se
na missa as leituras (Antigo e Novo Testamento, mais os Evangelhos), lendo, na
sequência, do Gênesis ao Apocalipse e em um período de três anos; a ideia, se
alguma vez foi boa, fracassou na prática. Com este sistema, o povo católico tem
que escutar o que cabe ler nesse dia, seja qual for a experiência vital que
esteja vivendo.
Ainda
são poucos os pastores que abandonam esse sistema de preparação e se atrevem a
buscar as leituras mais apropriadas para cada ocasião; isto exige tempo de
preparação, bom critério de discernimento e capacidade de diálogo com as
equipes de leigos. Também pode exigir integridade para dar explicações ao bispo
que, necessariamente, defenderá o outro esquema imposto de Roma.
Mas
não é a única mudança para que a missa seja realmente Eucaristia. Se, como diz
a catequese, com mais poesia que certeza, se trata de uma comunidade a modo de
família que celebra sua fé, alimenta sua esperança e vive a caridade, a missa deveria contar com um ambiente
atraente e com sinais compreensíveis e didáticos.
Improvisações
Em
um dos seus textos incisivos, mas verazes, o jornalista Raúl Gutiérrez, que se considera um cristão de base e de
mentalidade ampla e pluralista, escreveu:
«A
sensação que se tem com frequência ao sair de alguma missa dominical é a
improvisação, como se o padre e os encarregados da cerimônia não estivessem
muito convencidos da importância e da solenidade do ato.
Em poucas igrejas os fiéis
são acolhidos na porta pelo padre ou por leigos que os saúdem e entreguem uma
folha com os textos bíblicos que serão lidos na celebração. Como a maioria chega atrasada, é frequente que a missa inicie sem a
presença de uma exígua participação, que terminará engrossando apenas durante a
homilia. A improvisação da equipe encarregada da missa se percebe nos cochichos entre o dirigente e os leitores,
e inclusive entre o celebrante e seus
acólitos, atitudes que, somadas a deslocamentos nervosos e espalhafatosos
deste pessoal em torno do altar e para a sacristia, distraem a comunidade.
Deixando
de lado toda consideração ou exigência de caráter estético, cabe assinalar que a maioria dos coros maneja um estilístico
repertório de músicas litúrgicas, o que explica que com frequência entoe
algumas músicas que guardam pouca ou nenhuma relação com a festa que se celebra
ou com o ensinamento básico do Evangelho desse domingo. Abandonar os coros,
para chamá-los de alguma maneira piedosa, à boa vontade de Deus, demonstra
pouca compreensão do significado da música como meio universal de comunicação,
sobretudo no caso dos jovens.»
Retorna, em várias paróquias e localidades, a missa celebrada em latim. |
Uma
liturgia que não convence
As
anotações do jornalista são interessantes. Mas, lamentavelmente, deverá passar
ainda muita água por debaixo da ponte antes que a liturgia católica se torne
compreensível, celebrativa, compartilhada, santificadora da vida. Estamos
falando da grande tarefa de evangelizar o século XXI, do compromisso com a
missão permanente, de falar uma linguagem de palavras e sinais compreensíveis
para o mundo de hoje. Mas não se nota
nenhuma mudança pela frente; pelo contrário, vê-se muitos retornos ao passado:
- alguns chegam à paranoia de querer voltar ao latim,
- de colocar ainda mais penduricalhos nas vestimentas dos clérigos,
- de incorporar de modo permanente o incenso nas liturgias...
O
mundo do século XXI olha para eles, ri-se e segue seu caminho buscando, quase
desesperadamente, quem o acompanhe em sua caminhada pela vida. Os grandes valores do Reino de Deus,
aqueles que nos humanizam, seguem sem ser descobertos, porque se quer colocar
muitos trapos sobre ele.
Traduzido do espanhol por André Langer. Acesse o artigo em versão
original, clicando aqui.
*
José Agustín Cabré Rufatt (nasceu em Santiago de Chile, em 1940),
é jornalista e sacerdote claretiano chileno. Formou-se em jornalismo na
Universidad Católica de Santiago de Chile em 1976. Escreveu numerosos livros,
entre os quais se destacam: Evangelizador
de dos mundo; La Cruz, el fuego y las
banderas; Mariano o la fuerza de Dios;
La palavra de Dios no está encadenada;
A história dos claretianos no México;
Breves relatos para mantener la calma
e outros. Atualmente dirige Ediciones y Comunicaciones Claretianas (ECCLA) e as
revistas TELAR e Cartas del Sur e pertence à redação das revistas Punto Final e Reflexión y Liberación. Em sua vida pastoral, foi pároco, vigário
episcopal de Arauco e superior dos claretianos no Chile (2001-2011).
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