PAPA DA PERIFERIA: Francisco começa viagem a Equador, Bolívia e Paraguai
RODRIGO
CAVALHEIRO
Com chegada de pontífice a Quito, hoje, jesuíta
confirma predileção por lugares fora do eixo do poder e do conforto – após ter
ido a locais como Albânia, Bósnia, Lampedusa e Filipinas; no giro pela América
Latina, o líder religioso de 78 anos deve fazer 7 voos e 22 discursos
A
afeição do papa Francisco por lugares fora do eixo do poder e do conforto,
cultivada desde quando era só Jorge Bergoglio nas áreas miseráveis de Buenos
Aires, estará à vista a partir de hoje no Equador, primeira parada de sua
visita de 166 horas à América Latina. Aos 78 anos, o primeiro papa jesuíta
escolheu ainda visitar Bolívia e Paraguai em uma viagem de oito dias, sete voos
e 22 discursos.
Especialistas
ligados a Francisco identificam um roteiro em sintonia com os movimentos
concretos e simbólicos que ele fez até agora. Desde o começo de seu papado, em
março de 2013, arrastou milhares de turistas, bem como o olhar de
telespectadores, ouvintes e leitores, para regiões associadas à miséria, seja
ela material ou espiritual. Esta é sua
nona viagem internacional – a primeira, ao Brasil, em 2013, fazia parte da
agenda de Bento 16.
“Francisco
faz uma clara opção pela periferia. Não esqueçamos que ele foi à Albânia,
Bósnia, Lampedusa e Filipinas”, disse ao Estado,
de Roma, Sergio Rubin, coautor da
biografia El Jesuita, antes de
embarcar com Francisco no voo de 13 horas para o Equador, onde chegaria na
manhã de hoje. Os dois primeiros países citados por Rubin passaram por guerra
na divisão da Iugoslávia. A Ilha de Lampedusa, ao sul da Itália, é destino dos
imigrantes que escapam de conflitos no Norte da África. Atingidos pelo Tufão
Hayan em dezembro de 2013, os filipinos contaram 5 mil mortos.
“O
papa aposta em uma geopolítica da
periferia emergente. Equador, Bolívia e Paraguai são países com passado de
guerra com vizinhos, estigmatizados como perdedores de território. São lugares
com instituições voláteis no passado, mas com crescimento recente e certa
estabilidade”, avalia Andrés Beltramo,
jornalista argentino autor de La Reforma
en Marcha que convivia com o cardeal Bergoglio.
Quito, capital do Equador, prepara-se para receber hoje o papa |
Embora
vá cumprir compromissos de chefe de Estado em gabinetes, Francisco impôs áreas marginais no roteiro, o que de alguma maneira
surpreendeu os próprios anfitriões. Equatorianos ainda ontem faziam mutirão
para limpar ruas e aparar a grama das calçadas por onde passará o pontífice.
Na Bolívia, ele irá a Palmasola, uma das prisões mais violentas do continente, reformada
em parte com dinheiro dos próprios detentos. Em Santa Cruz, onde fica a prisão, haverá lei seca. No trajeto de La
Paz a El Alto, onde está o aeroporto, operários tiraram esta semana oferendas
rituais do caminho de um papa criticado pela ala conservadora do catolicismo
argentino por estimular o convívio com outras crenças. No Paraguai, Francisco irá ao Bañado
Norte, uma das áreas mais miseráveis de Assunção, onde o pavimento das ruas
recebe reforço.
Fonte: O Estado de S. Paulo –
Internacional
– Domingo, 5 de julho de 2015 – Pg. A10 – Internet: clique aqui.
Renovação da fé se contrapõe a culto local
Luciana Nunes
Leal
Na Bolívia, é cada vez maior a devoção à mãe-terra;
papa visitará violento presídio
Boliviano aimará joga uma bebida no fogo, em homenagem à Pachamama |
Renovação
da fé cristã e a denúncia de injustiças contra a população pobre são os dois
recados mais esperados pela Igreja boliviana na passagem do papa Francisco por La Paz e Santa Cruz de la Sierra, entre quarta e sexta-feira.
O
pontífice chega ao país em um momento em que é crescente a adesão de
comunidades indígenas e camponesas ao culto da Pachamama, ou mãe-terra, entidade ligada à produtividade e
agricultura.
“Nos
últimos anos, a Bolívia passou a valorizar os cultos à Pachamama. Sobretudo o
mundo camponês voltou a render homenagens e cultuar a mãe-terra, o que é
preocupante, pois reduz a fé e a devoção popular (católicas). A mensagem do
papa é a de permanecer na fé cristã do povo”, disse ao Estado o monsenhor Jesús
Pérez Rodríguez, arcebispo emérito de Sucre, coordenador de Comunicação e
Logística da visita papal.
Além
da missa no Cristo Redentor de Santa Cruz, localizado no centro da cidade, na
quarta-feira, outro compromisso do papa em Santa
Cruz de la Sierra destacado pelo arcebispo é a visita ao presídio de Palmasola, dois dias depois. A penitenciária
é a mais violenta da Bolívia e símbolo de um sistema prisional caótico, com
detentos que cumprem pena irregularmente, domínio de grupos criminosos e
rebeliões.
Em
2013, Palmasola foi palco de um motim que resultou na morte de 35 pessoas,
entre presos e parentes, entre os quais uma criança de 18 meses. “A visita a Palmasola é um gesto de atenção
aos mais pobres e um clamor por justiça mais eficiente, mais transparente”,
disse o monsenhor.
O
arcebispo disse não acreditar que Francisco mencione em seus pronunciamentos a
questão da droga, já que, na Bolívia, a plantação da folha de coca,
matéria-prima da cocaína, emprega muitas famílias e mascar a folha é costume
tradicional.
“O
papa João Paulo II, em 1988, quando esteve na Bolívia, não tocou no tema da
folha de coca e da cocaína, pela complexidade do problema. Não acredito que o
papa Francisco mencionará. Na Europa, quando se fala em coca, se pensa em
cocaína. Não há que se confundir isso com uma tradição da plantação da folha,
uma tradição na Bolívia. Mascar a folha de coca não significa que uma pessoa se
drogue”, afirmou o religioso.
O
Vaticano deu indicações de que o pontífice também não pretende tomar partido
diretamente no conflito marítimo entre Bolívia e Chile. Os bolivianos perderam
o acesso ao mar depois da Guerra do Pacífico (1879-1883). O litígio chegou à
Corte Internacional de Justiça, em Haia, em 2013.
Em
mensagem divulgada no mês passado à população de Equador, Bolívia e Paraguai,
países que serão visitados pelo papa nesta segunda viagem à América do Sul – a
primeira foi ao Brasil, para a Jornada Mundial da Juventude, em 2013 –, o papa disse que pretende “compartilhar as
preocupações e manifestar afeto”, sobretudo aos “mais necessitados, aos
anciãos, aos doentes, aos encarcerados, aos pobres e às vítimas da cultura do
descarte”. Francisco pediu aos fiéis que “sejam perseverantes na fé, tenham
o fogo do amor, da caridade e se mantenham perseverantes na esperança”.
Outro
compromisso do papa em Santa Cruz será a presença no último dia do Encontro Mundial dos Movimentos Populares,
na quinta-feira. Francisco fará uma rápida passagem por La Paz, na
quarta-feira, entre as 16 horas e as 20 horas. Na passagem pela capital, visitará
o presidente Evo Morales. A chegada do pontífice no Aeroporto de Viru Viru, em Santa Cruz de la Sierra,
está prevista para 21h15.
Em Santa Cruz, o papa deve
percorrer ao menos dois trajetos em carro aberto. O primeiro, entre a
residência oficial do Arcebispado e o Cristo Redentor, onde será rezada a missa
campal. O segundo será na despedida, na sexta-feira, no caminho para o
aeroporto.
A
agenda do papa inclui ainda encontro com religiosos e seminaristas, na
quinta-feira, e uma reunião com bispos bolivianos, na véspera. Da Bolívia, o
papa seguirá para o Paraguai, última etapa da visita à região.
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