«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

É preciso clarear as ideias, os conceitos e as posições para o Sínodo ser eficaz!

O cardeal Müller e “aquela feia confusão...”

Andrea Grillo*
Teólogo italiano

As repercussões do vazamento da carta com várias críticas, que cardeais
escreveram ao Papa sobre o Sínodo dos Bispos, são comentadas
por um daqueles que supostamente a assinaram
e analisadas por este renomado teólogo italiano
GERHARD LUDWIG MÜLLER
Cardeal-Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé
concede entrevista e comenta sobre o Sínodo e a carta que "vazou" escrita por alguns cardeais ao Papa

Uma declaração do cardeal Müller (no jornal Il Corriere della Sera de 13 de outubro de 2015, sob o título «Há quem deseja semear discórdia») merece uma reflexão. Aparece como um julgamento articulado sobre o «caso» de ontem [12/10/2015] e exprime uma opinião alarmada sobre a gravidade do incidente e sobre as dinâmicas negativas que pretendia desencadear na Assembleia sinodal.

Todavia, quando o cardeal prefeito [da Congregação para a Doutrina da Fé] passa, brevemente, a considerações sobre a «matéria» em discussão, deixa escapar duas afirmações sobre as quais é preciso refletir, para uma necessária avaliação crítica. Vejamos, antes de tudo, a declaração do cardeal, com os devidos destaques evidenciados em negrito [e as palavras de Müller estão entre aspas]:

«Uma carta privada que pertence ao Papa! Como é possível que tenha sido publicada?». O cardeal Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, está em pé diante do portão de ferro pontiagudo do Santo Ofício, um metro e noventa abundantes de indignação, mais ainda que irritação. Em São Pedro há o crepúsculo, os Padres Sinodais desfilam na penumbra.

Corriere della Sera: Eminência, o senhor também assinou a carta?
«Veja, eu não digo se assinei ou não. O escândalo é que se torne pública uma missiva privada do Pontífice. Isto é um novo Vatileaks: os atos privados do Papa são propriedade privada do Papa e de ninguém mais. Ninguém pode publicá-la, não sei como pode acontecer. E quem o fez tem o dever de justificar».

Corriere: Por que ela saiu?
«A intenção de quem quis esta publicação é semear discórdias, criar tensões. Parece-me claro».

Corriere: Francisco, na sala [do Sínodo], havia solicitado aos Padres de “não ceder” a uma “hermenêutica conspiratória”.
«Eu penso que ele falasse de quem sustenta que, na Cúria Romana, haja uma oposição contra o papa. Aqueles que dizem e escrevem que existem os lobos, que Francisco está cercado de lobos. É uma expressão ofensiva e criminosa. Eu não sou um lobo contra o papa. Conheço quem é o papa e aquilo que significa o primado mil vezes mais de quem diz estas coisas. Como prefeito da Congregação, sou o primeiro colaborador do Santo Padre, não somente eu, mas todos que pertencem a ela. E não permito que se ponha em dúvida a minha obediência e o meu serviço ao Papa e à Igreja».

Corriere: Mas qual seria, neste caso, a conspiração?
«Dizer: nós somos amigos do Papa e aqueles lá são os inimigos! Esta é a hermenêutica conspiratória. Não conheço ninguém, aqui [na Cúria Romana], que seja contra o Papa».

Corriere: Não é um segredo que no Sínodo houvesse objeções à metodologia, o temor que o êxito fosse prefixado...
«Há muito, o Sínodo discute sobre como melhorar os procedimentos, todos têm liberdade de dizer a sua opinião sobre isto: o regulamento é humano, não uma lei divina!».

Corriere: Os “círculos menores” [grupos de trabalho] ajudam no aprofundamento?
«Direi que sim. Cada um tem liberdade de exprimir-se mais difusamente. Em sala [plenário] haviam somente três minutos para cada intervenção e uma síntese de todos os aspectos não se pode fazer».

Corriere: Tensões?
«Havia tensão entre a doutrina e a abordagem pastoral, mas é tarefa do Sínodo ver estes aspectos juntos. Todo bispo católico, na sua pessoa, é mestre da fé e também pastor do rebanho».

Corriere: Mas como se conciliam doutrina e misericórdia?
«A ortodoxia deve realizar-se na pastoral, mas não há uma pastoral saudável sem doutrina: que é o ensinamento de Jesus, não uma doutrina acadêmica de teólogos. Não é possível que tudo seja representado como sendo um confronto entre aqueles que dizem “somos mais liberais” e encontram o aplauso das pessoas, e aqueles que, ao invés, devem defender a doutrina revelada por Jesus e são os maus, os “conservadores”!»

Corriere: E, então?
«Acreditamos em um só Deus, não pode haver contradição. Não é que haja alguém do Decálogo e outro da misericórdia. E o Evangelho exige também a conversão da nossa vida. A porta é estreita».

Corriere: Como se faz, por exemplo, com os divorciados que se casaram novamente?
«As pessoas sofrem porque os seus matrimônios se romperam, não porque não possam receber a comunhão. Para nós, o centro da eucaristia é a consagração, todo cristão tem o dever de vir à missa, mas não de comungar. Concentrar-se somente sobre um ponto não resolve nada».

 Corriere: E as situações concretas?
«Pode-se discutir sobre as condições dos casos individuais, mas um regulamento geral não é possível. O matrimônio é um sacramento e a Igreja não tem autoridade sobre um sacramento».

Corriere: Como terminará [o Sínodo]?
«Penso que se chegará a uma boa síntese».
ANDREA GRILLO
Teólogo italiano especializado em
Teologia Litúrgica e Sacramental

A ocasião da entrevista é, evidentemente, a misteriosa carta de protesto, cujos signatários não são confirmados e cujo texto foi colocado em discussão. Mas, em meio a esta poeira, que Müller fotografa com justificada preocupação, emergem duas «teses» – respectivamente sobre a eucaristia e sobre o matrimônio – que não ajudam a chegar a uma «boa síntese». Caso não esclareçamos estas ideias – e para fazê-lo é preciso exercitar o pensamento teológico e o confronto eclesial – deixaremos espaço a quem deseja somente dividir para que nada aconteça.

A primeira «tese» diz respeito à eucaristia. É necessário dizer que a afirmação deve ser contextualizada no discurso do cardeal, que tem as suas justificativas. Ele diz, de fato:

«As pessoas sofrem porque os seus matrimônios se romperam, não porque não possam receber a comunhão. Para nós, o centro da eucaristia é a consagração, todo cristão tem o dever de vir à missa, mas não de comungar. Concentrar-se somente sobre um ponto não resolve nada».

O bom senso aconselha a não sobrepor simplesmente «falimento matrimonial» e «falta de acesso à comunhão». Mas é preciso, também, prestar atenção para não se descuidar que, numa condição de forte sofrimento, esta «proibição» não venha sobrecarregar, ainda mais, as pessoas.

Em todo caso, para resolver a questão, não é certamente útil colocar, lado a lado, uma disciplina matrimonial digna de revisão e uma concepção superada e inadequada de eucaristia. Há, pelo menos, 100 anos – desde Pio X em diante – que a «participação à missa» como preceito não corresponde mais ao «dever» do cristão católico.

E o cardeal parece oferecer como solução aquilo que, talvez, seja um problema ainda mais grave: a separação entre sacramento e sacrifício não pode ser uma solução para quem vive a separação matrimonial. Uma separação não cura a outra. Além do mais, que «para nós» [como diz Müller] o centro da eucaristia seja a consagração – contraposta à comunhão numa inesperada recuperação do espírito antiluterano – parece-me, francamente, uma solução pior que o mal. É verdade: concentrar-se somente sobre um ponto não resolve nada. Tirar fora do armário a «consagração» contra a «comunhão» para consolar os divorciados recasados é uma aposta azarada, sem perspectivas, puramente autorreferencial e privada de qualquer eficácia.

A segunda «tese» diz respeito ao matrimônio e soa assim:

«Pode-se discutir sobre as condições dos casos individuais, mas um regulamento geral não é possível. O matrimônio é um sacramento e a Igreja não tem autoridade sobre um sacramento».

Esta afirmação, tão seca, parece-me que confunda, no matrimônio, aquilo sobre o qual a Igreja não tem poder e aquilo que, ao contrário, depende exatamente da autoridade da Igreja. Justamente porque é um «sacramento», o matrimônio tem uma «substância doutrinal» que escapa do poder da Igreja. Mas, uma vez que haja uma «disciplina», tal disciplina pode e deve ser objeto de clarificação, reformulação, adaptação, restrição ou ampliação, de acordo com os tempos e as contingências. Mesmo nos sacramentos, de fato, «uma coisa é a substância da antiga doutrina do depositum fidei, e outra é a formulação do seu revestimento».

A Igreja teve e continua a ter autoridade sobre a disciplina do sacramento. Negar isso seria somente um modo de fazer coincidir a disciplina [legislação, normas práticas] com a doutrina, o que prestaria um péssimo serviço à verdade de fé e ao testemunho eclesial.

O cardeal Müller tem plenamente razão quando deseja uma «boa síntese final». Mas para chegar nela, haverá necessidade de rever cada uma das duas teses que, per transennam [trad.: de passagem], ele pretendeu avançar em sua entrevista. São «teses infundadas» como estas que corre o risco de confundir o Sínodo e de «semear discórdias», talvez ainda mais que a revelação de notícias reservadas.

Traduzido do italiano por Telmo José Amaral de Figueiredo.

* ANDREA GRILLO é professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, de Roma; do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.

Fonte: L’Indice del Sinodo – Blog di Il Regno per seguire in diretta il Sinodo 2014-2015 – Terça-feira, 13 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.

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