«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

UM SÍNODO QUE ABRE CAMINHO À MISERICÓRDIA

O fim do começo

Christopher Lamb
The Tablet
22-10-2015

Após três semanas, o Sínodo sobre a família chega ao seu fim em Roma. Opiniões diferentes sobre os relacionamentos pessoais vieram à tona, mas também um movimento em direção a uma Igreja mais aberta a escutar.
PAPA FRANCISCO
Concluindo o Sínodo dos Bispos sobre a Família
Sala do Sínodo
Sábado, 24 de outubro de 2015

Estar do lado de dentro do salão sinodal e presenciar os debates aí travados foi, de acordo com o arcebispo de Brisbane, Mark Coleridge, algo como assistir pipoca sendo feita na panela: “As ideias e opiniões saltavam em todas as direções”, disse.

O mesmo vem ocorrendo com analistas deste Sínodo dos Bispos sobre a família, que hoje (22 de outubro) estará votando o seu documento final. Cobriram-se todos os tipos de tópicos: do divórcio, gays e poligamia até a preparação para o matrimônio, pobreza e migração.

Alguns temas parecem ter surgido, tais como a necessidade de a Igreja encontrar uma nova linguagem – não “indissolubilidade”, mas “fidelidade” do matrimônio –, para dar uma maior autonomia aos bispos locais em questões pastorais e para ajudar – em vez de julgar – as uniões que fracassam em viver segundo os ideais do ensino católico.

Resta saber se algumas destas mudanças em direção à abertura e descentralização irão se fazer presentes no documento final do Sínodo e se tornar realidade na Igreja. É bem possível que o resultado do encontro de três semanas venha a desapontar tanto conservadores como progressistas em questões concernentes ao matrimônio.

Na verdade, este encontro mundial dos bispos tem lidado com tantas coisas sobre si próprio quanto o fez sobre a família. Desde que deu início a este processo sinodal, pouco tempo depois de sua eleição em 2013, o Papa Francisco tem sido claro que deseja que o Sínodo dos Bispos se torne parte da Igreja.

Na edição do ano passado, ele encorajou os participantes e se manifestarem com franqueza e abertura, e desta vez ele enfrentou uma forte resistência por parte dos que – incluindo cardeais – sugeriram que, de alguma forma, o processo estaria sendo manipulado numa direção progressista visando não só uma reforma como também uma mudança substancial [na doutrina].

O Papa Francisco precisou dar duro para garantir que o Sínodo fosse, em suas palavras, um “espaço protegido” para o discernimento e um lugar que permita a ação do Espírito Santo. Em parte ele assim o fez garantindo, aos Padres Sinodais, que o ensino da Igreja sobre o matrimônio não estaria sendo alterado. Esta oposição agora parece ter se dissipado.

Talvez, o mais importante para o Sínodo, e para o seu futuro, foi a fala de Francisco proferida no sábado passado, a qual muitos estão descrevendo como um marco histórico. Marcando o 50º aniversário do Sínodo dos Bispos, o pontífice deixou claro que a Igreja não deveria apenas realizar sínodos, mas se tornar sinodal.

Leia este importantíssimo e histórico pronunciamento de Papa Francisco,
clicando aqui.

Um sínodo fortalecido, explicou ele, “constitui uma das heranças mais preciosas do Concílio Vaticano II” e é capaz de “manter vivo” o espírito do Concílio e o seu método.

Isso irá incluir uma “descentralização saudável” e uma escuta ao sensus fidei – o sentido da fé entre o povo –, que o papa disse ter um “instinto para discernir os novos caminhos que o Senhor está revelando à Igreja”.

Independentemente do que o documento final do Sínodo venha a produzir, o processo não vai findar neste fim de semana. O papa quer uma Igreja que esteja continuamente escutando o Povo de Deus. No entanto, nas próximas horas o Sínodo irá precisar se decidir sobre a questão da Comunhão aos fiéis divorciados e recasados. E durante o encontro, ouvimos mensagens conflitantes sobre o assunto.
DOM BLASE CUPICH
Arcebispo de Chicago - Estados Unidos

Disseram aos jornalistas que a questão foi levantada inúmeras vezes com muitos dos prelados aprovando a noção de um caminho penitencial, que permita aos recasados serem readmitidos aos sacramentos. O arcebispo de Chicago, Blase Cupich, enfatizou aos jornalistas a importância de a Igreja respeitar a consciência dos divorciados e recasados, dizendo: “A consciência é inviolável. E nós temos de respeitar isso quando estas pessoas tomam suas decisões, e eu sempre fiz isso”.

Além disso, informou-se que os Padres Sinodais aplaudiram intensamente após ter ouvido uma história comovente contada por um bispo de um garoto que tomou sua hóstia, a repartiu e deu a seus pais, os quais não podiam receber a Comunhão.

Ao mesmo tempo, Dom Mark Coleridge disse não ter ouvido uma intervenção explicitamente pedindo que a Comunhão fosse dada aos divorciados e recasados. Ele também previu que o Sínodo conta com 65% dos votos contra qualquer forma de desenvolvimento da doutrina.

O grupo de trabalho em língua alemã, no entanto, está impaciente para ver algo acontecer. Está sustentando que é possível autorizar os sacramentos aos recasados sem se alterar o ensinamento sobre a indissolubilidade [do matrimônio]. E ele parece estar tendo algum sucesso em convencer os seus oponentes tradicionalistas a um tal movimento, como o cardeal Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que era um dos participantes do grupo alemão juntamente com o cardeal de Munique Reinhard Marx, o qual tem se mostrado mais a favor da reforma.

Nesta semana, Müller disse à revista semanal alemã Focus que não se pode excluir por completo esta possibilidade, pelo menos “não em casos individuais extremos”. Embora ressaltando que uma admissão geral dos divorciados não pode ser algo permitido, “em certos casos (...) é possível conceder a permissão”.

Ainda que os bispos estejam divididos neste assunto, Francisco tem destacado que ele ainda possui todas as cartas quanto ao que será o resultado final do processo sinodal. Dom Charles Drennan, da Nova Zelândia, disse ao The Tablet que o papa não está limitado pela necessidade tradicional de uma maioria com dois terços dos votos, o que acontece entre os bispos. Francisco pode perceber que uma maioria simples é o suficiente para se aprovar uma proposta.

É improvável, todavia, que o Sínodo vá propor uma regra geral neste tocante. O mais provável é que a questão seja devolvida aos bispos locais com o papa emitindo um motu proprio [trad.: por sua própria iniciativa = é um decreto de iniciativa do Papa] sobre o assunto, da mesma forma como as mudanças no processo de anulação matrimonial foram implementadas. Mas toda e qualquer descentralização nesta área irá contar com forte oposição. Um dos opositores à mudança, o cardeal australiano George Pell, disse esta semana: “Católico significa ‘universal’, não ‘continental’”.

De qualquer forma, o movimento geral no Sínodo de se focar nas realidades pastorais pode significar que o seu documento final vai procurar dar algumas recomendações práticas. Uma dessas pode ser a de fortalecer os cursos preparatórios para o matrimônio, exigindo que os casais participem de um curso sério antes de se casar. Uma proposta semelhante foi apresentada em 1980 na sequência de um Sínodo.

A coabitação está também surgindo como uma problemática rara, em que tanto o Ocidente e a África podem concordar que uma abordagem que conte com “acompanhamento” não recriminador se faz necessária na Igreja. O cardeal Wilfrid Napier, de Durban, salientou que a coabitação na África é comum, onde um casal convive enquanto o homem trabalha até que possa passar o seu dote. O cardeal destacou que esta prática se dá como um momento preparatório ao matrimônio – ele disse ser um momento “pró-matrimônio” – e que os bispos africanos deveriam estudar para encontrar uma maneira de incorporá-la ao Sacramento do Matrimônio.

Embora a coabitação seja um fenômeno diferente no Ocidente, a maioria das paróquias na Europa e na América do Norte recebe casais desejosos de se unirem em matrimônio, pessoas que partilham um mesmo endereço. A dúvida, portanto, é como a Igreja acolhe e incentiva estas pessoas.
SHARRON COLE
Católica-leiga da Nova Zelândia que deu um forte testemunho
durante o Sínodo dos Bispos

Mas há o perigo da lacuna crescente entre os católicos comuns e o ensino católico oficial. Não há exemplo mais claro do que a proibição do uso de métodos anticoncepcionais artificiais. No todo, este assunto foi ignorado durante o Sínodo.

Entretanto, o tema foi abordado por Sharron Cole, neozelandesa e ex-membro diretor de um grupo que fomenta o planejamento familiar natural, que instou os Padres Sinodais a repensarem não apenas a Humanae Vitae como também todo o ensino católico sobre o matrimônio e a sexualidade.

Disse ela: “Muitos casais católicos tomaram suas decisões em consciência sobre a forma como exercer a paternidade responsável, o que pode significar o uso de métodos anticoncepcionais artificiais. Para alguns, isso tem significado abandonar a Igreja. Outros permanecem, mas frequentemente com uma sensação de mal-estar. Na qualidade de antiga membro do grupo coordenador de atividades que promovem o planejamento familiar natural, sei que este método anticoncepcional, permitido pela Humanae Vitae, é um método eficaz para casais motivados. No entanto, para muitos outros ele é simplesmente impraticável”.

Cole acrescentou: “Não irá se precisar de mais catequese, e sim de escuta com uma profunda empatia a restaurar a credibilidade da Igreja em matéria de ética sexual. É chegada a hora de este Sínodo propor que a Igreja reexamine o seu ensino sobre o matrimônio e a sexualidade, bem como a sua compreensão sobre a paternidade responsável, em diálogo com os leigos e bispos”.

Pedir às pessoas que falem livremente e a se ouvir os leigos, como tem feito o Papa Francisco, provavelmente irá fazer se sentir desconfortáveis alguns na hierarquia. Independentemente do que aconteça hoje, e na conclusão do Sínodo, Francisco criou um processo por meio do qual a Igreja pode, com honestidade, enfrentar de cabeça erguida os seus problemas.

Se isto irá levar a uma mudança concreta não está claro, mas muitos cardeais, como o Donald Wuerl – veterano em sínodos presente na equipe de elaboração do documento final –, creem que, no final, o “abraço carinhoso da Igreja às pessoas que estão tendo dificuldades em viver a plenitude do Evangelho irá vencer”.

Mesmo assim, provavelmente vai haver mais turbulência ao longo do caminho.

Traduzido do inglês por Isaque Gomes Correa.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sábado, 24 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.

O Sínodo aprova o texto sobre o
“discernimento” para divorciados recasados

Andrea Tornielli
Vatican Insider
24-10-2015

O texto final do Sínodo, aprovado pelos bispos participantes, não faz mudanças na doutrina e nos valores da família e do ensinamento do Evangelho, mas também dá um passo rumo a uma maior compreensão dos divorciados recasados. 

Dois parágrafos, em particular, tocam o tema (uma questão calorosamente debatida e polêmica) da atitude que é preciso ter com os divorciados recasados e também a questão da possibilidade de que, em certos casos e sob certas ocasiões, possam ter acesso aos sacramentos.

O Relatório Final do Sínodo – Relatio Synodi – foi publicado, até o momento,
apenas em língua italiana.
Para ter acesso a este importante documento, clique aqui.

No número 85 cita-se como “critério compreensivo” este parágrafo da encíclica Familiaris Consortio de João Paulo II: “Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações. Há, na realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se esforçaram para salvar o primeiro matrimônio e foram abandonados de maneira injusta, e aqueles que por grave culpa destruíram um matrimônio canonicamente válido. Há ainda aqueles que contraíram uma segunda união com vistas à educação dos filhos, e, às vezes, estão subjetivamente certos em consciência de que o primeiro matrimônio, irreparavelmente destruído, nunca tinha sido válido”.

Com base nestes critérios, o documento aprovado pelo Sínodo afirma: “É, pois, tarefa dos presbíteros acompanhar as pessoas interessadas no caminho do discernimento segundo o ensinamento da Igreja e as orientações do bispo. Neste processo, será útil fazer um exame de consciência, mediante momentos de reflexão e de arrependimento. Os divorciados recasados deveriam perguntar-se como se comportaram com seus filhos quando a comunhão matrimonial sofreu a crise. Tentou-se a reconciliação? Qual é a situação da pessoa abandonada? Quais são os efeitos da nova relação sobre a família mais ampliada e sobre a comunidade dos fiéis? Qual é o exemplo oferecido aos mais jovens que devem decidir pelo matrimônio?”

O texto passa a apresentar alguns critérios para “discernir” as diferentes situações, em relação com a união matrimonial anterior, com os filhos e com a comunidade cristã. Um maior aprofundamento tem a ver com a relação com o confessor: “Uma reflexão sincera pode reforçar a confiança na misericórdia de Deus, que não deve ser negada a ninguém. Além disso, não se pode negar que em algumas circunstâncias ‘a imputabilidade e a responsabilidade de uma ação podem ficar diminuídas ou suprimidas’ devido a diferentes condicionamentos”, citando o n. 1735 do Catecismo da Igreja Católica.

“Em consequência – continua o texto –, o juízo sobre uma situação objetiva não deve levar a um juízo sobre a imputabilidade subjetiva” (Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração de 24 de junho de 2000, 2a). Em determinadas circunstâncias, as pessoas encontram grandes dificuldades para agir de maneira diferente. Por isso, mesmo defendendo uma norma geral a ser seguida, é necessário reconhecer que a responsabilidade com respeito a determinadas ações ou decisões não é a mesma em todos os casos. O discernimento pastoral, mesmo tendo em conta a consciência retamente formada das pessoas, deve encarregar-se destas situações. Também as consequências dos atos realizados não são necessariamente as mesmas em todos os casos”. Com base na doutrina tradicional, os padres sinodais recordam que, além da situação objetiva na qual vivem os divorciados recasados, deve-se levar em consideração também as situações subjetivas, que podem reduzir sensivelmente o nível de responsabilidade.

Desta forma, explica-se no parágrafo 86 do texto final, “o percurso de acompanhamento e discernimento orienta estes fiéis para a tomada de consciência de sua situação diante de Deus. O colóquio com o padre, em foro interno, ajuda na formação de um juízo correto sobre o que obstaculiza a possibilidade de uma participação mais plena na vida da Igreja e sobre as etapas que podem ser tomadas para avançar nesta direção e ajudar a crescer”. Este discernimento, precisa-se, “não poderia prescindir nunca das exigências da verdade e da caridade do Evangelho propostas pela Igreja. Para que isto aconteça, é preciso garantir as necessárias condições de humildade, discrição, amor à Igreja e ao seu ensinamento, na busca sincera da vontade de Deus e a disposição para responder a isto de uma maneira melhor”.

Ou seja, os padres sinodais entregam ao Papa um texto que contém um caminho de prudente abertura para permitir avaliar as situações caso a caso, deixando-lhe, para um eventual documento futuro, as decisões pertinentes.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Domingo, 25 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.

Discurso do Santo Padre no encerramento da
XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos

Vaticano – Sala do Sínodo
Sábado, 24 de outubro de 2015
PAPA FRANCISCO
Conclui os trabalhos da Assembleia do Sínodo dos Bispos sobre a Família
com um  memorável e profundo Discurso

Amadas Beatitudes, Eminências, Excelências,
Queridos irmãos e irmãs!

Quero, antes de mais, agradecer ao Senhor por ter guiado o nosso caminho sinodal nestes anos através do Espírito Santo, que nunca deixa faltar à Igreja o seu apoio.

Agradeço de todo o coração ao Cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário-Geral do Sínodo, a D. Fabio Fabene, Subsecretário e, juntamente com eles, agradeço ao Relator, o Cardeal Peter Erdö, e ao Secretário Especial, D. Bruno Forte, aos presidentes delegados, aos secretários, consultores, tradutores e todos aqueles que trabalharam de forma incansável e com total dedicação à Igreja: um cordial obrigado! E quero agradecer também à Comissão que fez a Relação; alguns passaram a noite em branco.

Agradeço a todos vós, amados padres sinodais, delegados fraternos, auditores, auditoras e conselheiros, párocos e famílias pela vossa ativa e frutuosa participação.

Agradeço ainda a todas as pessoas que se empenharam, de forma anônima e em silêncio, prestando a sua generosa contribuição para os trabalhos deste Sínodo.

Estai certos de que a todos recordo na minha oração ao Senhor para que vos recompense com a abundância dos seus dons e graças!

Enquanto acompanhava os trabalhos do Sínodo, pus-me esta pergunta: Que há de significar, para a Igreja, encerrar este Sínodo dedicado à família?

Certamente não significa que esgotamos todos os temas inerentes à família, mas que procuramos iluminá-los com a luz do Evangelho, da tradição e da história bimilenária da Igreja, infundindo neles a alegria da esperança, sem cair na fácil repetição do que é indiscutível ou já se disse.

Seguramente não significa que encontramos soluções exaustivas para todas as dificuldades e dúvidas que desafiam e ameaçam a família, mas que colocamos tais dificuldades e dúvidas sob a luz da Fé, examinamo-las cuidadosamente, abordamo-las sem medo e sem esconder a cabeça na areia.

Significa que solicitamos todos a compreender a importância da instituição da família e do Matrimônio entre homem e mulher, fundado sobre a unidade e a indissolubilidade e a apreciá-la como base fundamental da sociedade e da vida humana.

Significa que escutamos e fizemos escutar as vozes das famílias e dos pastores da Igreja que vieram a Roma carregando sobre os ombros os fardos e as esperanças, as riquezas e os desafios das famílias do mundo inteiro.

Significa que demos provas da vitalidade da Igreja Católica, que não tem medo de abalar as consciências anestesiadas ou sujar as mãos discutindo, animada e francamente, sobre a família.

Significa que procuramos olhar e ler a realidade, melhor dito as realidades, de hoje com os olhos de Deus, para acender e iluminar, com a chama da fé, os corações dos homens, num período histórico de desânimo e de crise social, econômica, moral e de prevalecente negatividade.

Significa que testemunhamos a todos que o Evangelho continua a ser, para a Igreja, a fonte viva de novidade eterna, contra aqueles que querem «endoutriná-lo» como pedras mortas para jogá-las contra os outros.

Significa também que espoliamos os corações fechados que, frequentemente, se escondem mesmo por detrás dos ensinamentos da Igreja ou das boas intenções para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas.

Significa que afirmamos que a Igreja é Igreja dos pobres em espírito e dos pecadores à procura do perdão e não apenas dos justos e dos santos, ou melhor, dos justos e dos santos quando se sentem pobres e pecadores.

Significa que procuramos abrir os horizontes para superar toda a hermenêutica conspiradora ou perspectiva fechada, para defender e difundir a liberdade dos filhos de Deus, para transmitir a beleza da Novidade cristã, por vezes coberta pela ferrugem duma linguagem arcaica ou simplesmente incompreensível.

No caminho deste Sínodo, as diferentes opiniões que se expressaram livremente – e às vezes, infelizmente, com métodos não inteiramente benévolos – enriqueceram e animaram certamente o diálogo, proporcionando a imagem viva duma Igreja que não usa «impressos prontos», mas que, da fonte inexaurível da sua fé, tira água viva para saciar os corações ressequidos. [1]

E vimos também – sem entrar nas questões dogmáticas, bem definidas pelo Magistério da Igreja – que aquilo que parece normal para um bispo de um continente, pode resultar estranho, quase um escândalo – quase! –, para o bispo doutro continente; aquilo que se considera violação de um direito numa sociedade, pode ser preceito óbvio e intocável noutra; aquilo que para alguns é liberdade de consciência, para outros pode ser só confusão. Na realidade, as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral – como disse, as questões dogmáticas bem definidas pelo Magistério da Igreja – cada princípio geral, se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado. [2] O Sínodo de 1985, que comemorava o vigésimo aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II, falou da inculturação como da «íntima transformação dos autênticos valores culturais mediante a integração no cristianismo e a encarnação do cristianismo nas várias culturas humanas». [3] A inculturação não debilita os valores verdadeiros, mas demonstra a sua verdadeira força e a sua autenticidade, já que eles adaptam-se sem se alterar, antes transformam pacífica e gradualmente as várias culturas. [4]

Vimos, inclusive através da riqueza da nossa diversidade, que o desafio que temos pela frente é sempre o mesmo: anunciar o Evangelho ao homem de hoje, defendendo a família de todos os ataques ideológicos e individualistas.

E, sem nunca cair no perigo do relativismo ou de demonizar os outros, procuramos abraçar plena e corajosamente a bondade e a misericórdia de Deus, que ultrapassa os nossos cálculos humanos e nada mais quer senão que «todos os homens sejam salvos» (1Tm 2,4), para integrar e viver este Sínodo no contexto do Ano Extraordinário da Misericórdia que a Igreja está chamada a viver.

Amados irmãos!

A experiência do Sínodo fez-nos compreender melhor também que os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade do amor de Deus e do seu perdão. Isto não significa de forma alguma diminuir a importância das fórmulas – são necessárias –, a importância das leis e dos mandamentos divinos, mas exaltar a grandeza do verdadeiro Deus, que não nos trata segundo os nossos méritos nem segundo as nossas obras, mas unicamente segundo a generosidade sem limites da sua Misericórdia (cf. Rm 3,21-30; Sal 129/130; Lc 11,47-54). Significa vencer as tentações constantes do irmão mais velho (cf. Lc 15,25-32) e dos trabalhadores invejosos (cf. Mt 20,1-16). Antes, significa valorizar ainda mais as leis e os mandamentos, criados para o homem e não vice-versa (cf. Mc 2,27).

Neste sentido, o necessário arrependimento, as obras e os esforços humanos ganham um sentido mais profundo, não como preço da Salvação – que não se pode adquirir – realizada por Cristo gratuitamente na Cruz, mas como resposta Àquele que nos amou primeiro e salvou com o preço do seu sangue inocente, quando ainda éramos pecadores (cf. Rm 5,6).

O primeiro dever da Igreja não é aplicar condenações ou anátemas, mas proclamar a misericórdia de Deus, chamar à conversão e conduzir todos os homens à salvação do Senhor (cf. Jo 12,44-50).

Do Beato Paulo VI temos estas palavras estupendas: «Por conseguinte podemos pensar que cada um dos nossos pecados ou fugas de Deus acende n’Ele uma chama de amor mais intenso, um desejo de nos reaver e inserir de novo no seu plano de salvação (...). Deus, em Cristo, revela-Se infinitamente bom (...). Deus é bom. E não apenas em Si mesmo; Deus – dizemo-lo chorando – é bom para nós. Ele nos ama, procura, pensa, conhece, inspira e espera… Ele – se tal se pode dizer – será feliz no dia em que regressarmos e Lhe dissermos: Senhor, na vossa bondade, perdoai-me. Vemos, assim, o nosso arrependimento tornar-se a alegria de Deus». [5]

Por sua vez São João Paulo II afirmava que «a Igreja vive uma vida autêntica, quando professa e proclama a misericórdia, (...) e quando aproxima os homens das fontes da misericórdia do Salvador das quais ela é depositária e dispensadora». [6]

Também o Papa Bento XVI disse: «Na realidade, a misericórdia é o núcleo da mensagem evangélica, é o próprio nome de Deus (...). Tudo o que a Igreja diz e realiza, manifesta a misericórdia que Deus sente pelo homem, portanto, por nós. Quando a Igreja deve reafirmar uma verdade menosprezada, ou um bem traído, fá-lo sempre estimulada pelo amor misericordioso, para que os homens tenham vida e a tenham em abundância (cf. Jo 10,10)». [7]

Sob esta luz e graça, neste tempo de graça que a Igreja viveu dialogando e discutindo sobre a família, sentimo-nos enriquecidos mutuamente; e muitos de nós experimentaram a ação do Espírito Santo, que é o verdadeiro protagonista e artífice do Sínodo. Para todos nós, a palavra «família» já não soa como antes do Sínodo, a ponto de encontrarmos nela o resumo da sua vocação e o significado de todo o caminho sinodal. [8]

Na verdade, para a Igreja, encerrar o Sínodo significa voltar realmente a «caminhar juntos» para levar a toda a parte do mundo, a cada diocese, a cada comunidade e a cada situação a luz do Evangelho, o abraço da Igreja e o apoio da misericórdia Deus!

Obrigado!

N O T A S

[1] Cf. PAPA FRANCISCO, Carta ao Magno Chanceler da "Pontificia Universidad Católica Argentina", no centenário da Faculdade de Teologia, 3 de Março de 2015.

[2] Cf. PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, Fé e cultura à luz da Bíblia. Atas da Sessão Plenária de 1979 da Pontifícia Comissão Bíblica, LDC, Leumann 1981; CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Gaudium et spes, 44.

[3] Relação final (7 de Dezembro de 1985), II/D.4: L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 22/XII/1985), 652.

[4] «Em virtude da sua missão pastoral, a Igreja deve manter-se sempre atenta às mudanças históricas e à evolução das mentalidades. Certamente, não para se submeter a elas, mas para superar os obstáculos que possam opor-se à recepção das suas recomendações e das suas diretrizes» (Entrevista do Cardeal Georges Cottier, La Civiltà Cattolica, 3963-3964, 8 de Agosto de 2015, p. 272).

[5] Homilia, 23 de Junho de 1968: Insegnamenti 6, 1968, 1177-1178.

[6] Carta. encíclica Dives in misericordia, 30 de Novembro de 1980, 13. Disse também: «No mistério pascal, (…) Deus mostra-Se-nos por aquilo que é: um Pai de coração terno, que não se rende diante da ingratidão dos seus filhos, e está sempre disposto ao perdão» (JOÃO PAULO II, Alocução do «Regina Caeli», 23 de Abril de 1995: Insegnamenti 18/1, 1995, 1035). E descrevia a resistência à misericórdia com estas palavras: «A mentalidade contemporânea, talvez mais do que a do homem do passado, parece opor-se ao Deus de misericórdia e, além disso, tende a separar da vida e a tirar do coração humano a própria ideia da misericórdia. A palavra e o conceito de misericórdia parecem causar mal-estar ao homem» (Carta encíclica Dives in misericordia, 2).

[7] Alocução do «Regina Caeli», 30 de Março de 2008: Insegnamenti 4/1, 2008, 489-490. E, referindo-se ao poder da misericórdia, afirma: «É a misericórdia que põe um limite ao mal. Nela expressa-se a natureza muito peculiar de Deus - a sua santidade, o poder da verdade e do amor» (Homilia no Domingo da Divina Misericórdia, 15 de Abril de 2017: Insegnamenti 3/1, 2007, 667).

[8] Uma análise, em acróstico, da palavra «família» [mas o papa utilizou esta palavra em italiano “famiglia” para formar o acróstico] ajuda-nos a resumir a missão da Igreja na sua tarefa de: Formar as novas gerações para viverem seriamente o amor, não como pretensão individualista baseada apenas no prazer e no «usa e joga fora», mas para acreditarem novamente no amor autêntico, fecundo e perpétuo, como o único caminho para sair de si mesmo, para se abrir ao outro, para sair da solidão, para viver a vontade de Deus, para se realizar plenamente, para compreender que o matrimônio é o «espaço onde se manifesta o amor divino, para defender a sacralidade da vida, de toda a vida, para defender a unidade e a indissolubilidade do vínculo conjugal como sinal da graça de Deus e da capacidade que o homem tem de amar seriamente» (Homilia na Missa de Abertura do Sínodo, 4 de Outubro de 2015) e para valorizar os cursos pré-matrimoniais como oportunidade de aprofundar o sentido cristão do sacramento do Matrimônio; Aviar-se ao encontro dos outros, porque uma Igreja fechada em si mesma é uma Igreja morta; uma Igreja que não sai do seu aprisco para procurar, acolher e conduzir todos a Cristo é uma Igreja que atraiçoa a sua missão e vocação; Manifestar e estender a misericórdia de Deus às famílias necessitadas, às pessoas abandonadas, aos idosos negligenciados, aos filhos feridos pela separação dos pais, às famílias pobres que lutam para sobreviver, aos pecadores que batem às nossas portas e àqueles que se mantêm longe, aos deficientes e a todos aqueles que se sentem feridos na alma e no corpo e aos casais dilacerados pela dor, a doença, a morte ou a perseguição; Iluminar as consciências, frequentemente rodeadas por dinâmicas nocivas e sutis que procuram até pôr-se no lugar de Deus criador: tais dinâmicas devem ser desmascaradas e combatidas no pleno respeito pela dignidade de cada pessoa; Ganhar e reconstruir com humildade a confiança na Igreja, seriamente diminuída por causa da conduta e dos pecados dos seus próprios filhos; infelizmente, o contratestemunho e os escândalos cometidos dentro da Igreja por alguns clérigos afetaram a sua credibilidade e obscureceram o fulgor da sua mensagem salvífica; Labutar intensamente por apoiar e incentivar as famílias sãs, as famílias fiéis, as famílias numerosas que continuam, não obstante as suas fadigas diárias, a dar um grande testemunho de fidelidade aos ensinamentos da Igreja e aos mandamentos do Senhor; Idear uma pastoral familiar renovada, que esteja baseada no Evangelho e respeite as diferenças culturais; uma pastoral capaz de transmitir a Boa Nova com linguagem atraente e jubilosa e tirar do coração dos jovens o medo de assumir compromissos definitivos; uma pastoral que preste uma atenção particular aos filhos que são as verdadeiras vítimas das lacerações familiares; uma pastoral inovadora que implemente uma preparação adequada para o sacramento do Matrimônio e ponha termo a costumes vigentes que muitas vezes se preocupam mais com a aparência duma formalidade do que com a educação para um compromisso que dure a vida inteira; Amar incondicionalmente todas as famílias e, de modo particular, aquelas que atravessam um período de dificuldade: nenhuma família deve sentir-se sozinha ou excluída do amor e do abraço da Igreja; o verdadeiro escândalo é o medo de amar e de manifestar concretamente este amor.

Fonte: Santa Sé – Sínodo para a Família 2015 – Papa Francisco – Discursos – Internet: clique aqui.

“Uma fé que não sabe radicar-se na vida das pessoas, permanece árida e, em vez de oásis, cria outros desertos” – afirma o Papa

Redação
Missa pela Conclusão dos Trabalhos da
XIV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos

que abordou o tema da Família.
Basílica de São Pedro - Vaticano
Domingo, 25 de outubro de 2015

Na celebração eucarística, na manhã deste domingo, 25 de outubro, concluindo o Sínodo dos Bispos sobre a Família, o Papa Francisco retomou o tema das tentações. Inspirado pelas leituras da missa deste domingo, descreveu duas. A primeira que intitula como «espiritualidade da miragem»: "Podemos caminhar através dos desertos da humanidade não vendo aquilo que realmente existe, mas o que nós gostaríamos de ver; somos capazes de construir visões do mundo, mas não aceitamos aquilo que o Senhor nos coloca diante dos olhos. Uma fé que não sabe radicar-se na vida das pessoas, permanece árida e, em vez de oásis, cria outros desertos".

A segunda, segundo Francisco, é cair numa «fé de tabela». "Podemos caminhar com o povo de Deus, mas temos já a nossa tabela de marcha, onde tudo está previsto: sabemos aonde ir e quanto tempo gastar; todos devem respeitar os nossos ritmos e qualquer inconveniente perturba-nos. Corremos o risco de nos tornarmos como «muitos» do Evangelho que perdem a paciência e repreendem Bartimeu. Pouco antes repreenderam as crianças (cf. Mc 10,13), agora o mendigo cego: quem incomoda ou não está à altura há que excluí-lo".

Eis a íntegra da homilia. 
PAPA FRANCISCO
Conduz o Evangeliário durante a Santa Missa pela Conclusão do Sínodo dos Bispos
Domingo, 25 de outubro de 2015

SANTA MISSA PELA CONCLUSÃO
DA XIV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS
HOMILIA DO SANTO PADRE FRANCISCO
Basílica Vaticana
XXX Domingo do Tempo Comum – 25 de outubro de 2015

As três leituras deste domingo apresentam-nos a compaixão de Deus, a sua paternidade, que se revela definitivamente em Jesus.

O profeta Jeremias, em pleno desastre nacional, enquanto o povo é deportado pelos inimigos, anuncia que «o Senhor salvou o seu povo, o resto de Israel» (31,7). E por que o fez? Porque Ele é Pai (cf. 31,9); e, como Pai, cuida dos seus filhos, acompanha-os ao longo do caminho, sustenta «o cego e o coxo, a mulher grávida e a que deu à luz» (31,8). A sua paternidade abre-lhes um caminho desimpedido, um caminho de consolação depois de tantas lágrimas e tantas amarguras. Se o povo permanecer fiel, se perseverar na busca de Deus mesmo em terra estrangeira, Deus mudará o seu cativeiro em liberdade, a sua solidão em comunhão: e aquilo que o povo semeia hoje em lágrimas, recolhê-lo-á amanhã com alegria (cf. Sl 125,6).

Com o Salmo, também nós manifestamos a alegria que é fruto da salvação do Senhor: «A nossa boca encheu-se de sorrisos e a nossa língua de canções» (125,2). O crente é uma pessoa que experimentou na sua vida a ação salvífica de Deus. E nós, pastores, experimentamos o que significa semear com fadiga, por vezes em lágrimas, e alegrar-se pela graça duma colheita que sempre ultrapassa as nossas forças e as nossas capacidades.

O trecho da Carta aos Hebreus apresentou-nos a compaixão de Jesus. Também Ele «Se revestiu de fraqueza» (cf. 5,2), para sentir compaixão por aqueles que estão na ignorância e no erro. Jesus é o Sumo Sacerdote grande, santo, inocente, mas ao mesmo tempo é o Sumo Sacerdote que tomou parte nas nossas fraquezas e foi provado em tudo como nós, exceto no pecado (cf. 4,15). Por isso, é o mediador da nova e definitiva aliança, que nos dá a salvação.

O Evangelho de hoje liga-se diretamente à primeira Leitura: como o povo de Israel foi libertado graças à paternidade de Deus, assim Bartimeu foi libertado graças à compaixão de Jesus. Jesus acaba de sair de Jericó. Mas Ele, apesar de ter apenas iniciado o caminho mais importante, o caminho para Jerusalém, detém-Se ainda para responder ao grito de Bartimeu. Deixa-Se comover pelo seu pedido, interessa-Se pela sua situação. Não Se contenta em dar-lhe uma esmola, mas quer encontrá-lo pessoalmente. Não lhe dá instruções nem respostas, mas faz uma pergunta: «Que queres que te faça?» (Mc 10,51). Poderia parecer uma pergunta inútil: que poderia um cego desejar senão a vista?

E, todavia, com esta pergunta feita «face a face», direta mas respeitosa, Jesus manifesta que quer escutar as nossas necessidades. Deseja um diálogo com cada um de nós, feito de vida, de situações reais, que nada exclua diante de Deus. Depois da cura, o Senhor diz àquele homem: «A tua fé te salvou» (10,52). É belo ver como Cristo admira a fé de Bartimeu, confiando nele. Ele acredita em nós, mais de quanto nós acreditamos em nós mesmos.

Há um detalhe interessante. Jesus pede aos seus discípulos que vão chamar Bartimeu. Estes dirigem-se ao cego usando duas palavras, que só Jesus utiliza no resto do Evangelho. Primeiro, dizem-lhe «coragem!», uma palavra que significa, literalmente, «tem confiança, faz-te ânimo!» É que só o encontro com Jesus dá ao homem a força para enfrentar as situações mais graves. A segunda palavra é «levanta-te!», como Jesus dissera a tantos doentes, tomando-os pela mão e curando-os.

Os seus [discípulos] limitam-se a repetir as palavras encorajadoras e libertadoras de Jesus, conduzindo diretamente a Ele sem fazer sermões. A isto são chamados os discípulos de Jesus, também hoje, especialmente hoje: pôr o homem em contacto com a Misericórdia compassiva que salva. Quando o grito da humanidade se torna, como o de Bartimeu, ainda mais forte, não há outra resposta senão adotar as palavras de Jesus e, sobretudo, imitar o seu coração. As situações de miséria e de conflitos são para Deus ocasiões de misericórdia. Hoje é tempo de misericórdia!
PAPA FRANCISCO
Durante a Missa pelo Encerramento do Sínodo dos Bispos
Basília São Pedro - Vaticano

Mas há algumas tentações para quem segue Jesus. O Evangelho põe em evidência pelo menos duas.

Nenhum dos discípulos para, como faz Jesus. Continuam a caminhar, avançam como se nada fosse. Se Bartimeu é cego, eles são surdos: o seu problema não é problema deles. Pode ser o nosso risco: face aos contínuos problemas, o melhor é continuar para diante, sem se deixar perturbar. Desta maneira, como aqueles discípulos, estamos com Jesus, mas não pensamos como Jesus. Está-se no seu grupo, mas perde-se a abertura do coração, perdem-se a admiração, a gratidão e o entusiasmo e corre-se o risco de tornar-se «consuetudinários da graça». Podemos falar d’Ele e trabalhar para Ele, mas viver longe do seu coração, que Se inclina para quem está ferido. Esta é a tentação duma «espiritualidade da miragem»: podemos caminhar através dos desertos da humanidade não vendo aquilo que realmente existe, mas o que nós gostaríamos de ver; somos capazes de construir visões do mundo, mas não aceitamos aquilo que o Senhor nos coloca diante de olhos. Uma fé que não sabe radicar-se na vida das pessoas, permanece árida e, em vez de oásis, cria outros desertos.

Há uma segunda tentação: cair numa «fé de tabela». Podemos caminhar com o povo de Deus, mas temos já a nossa tabela de marcha, onde tudo está previsto: sabemos aonde ir e quanto tempo gastar; todos devem respeitar os nossos ritmos e qualquer inconveniente perturba-nos. Corremos o risco de nos tornarmos como «muitos» do Evangelho que perdem a paciência e repreendem Bartimeu. Pouco antes repreenderam as crianças (cf. 10,13), agora o mendigo cego: quem incomoda ou não está à altura há que excluí-lo. Jesus, pelo contrário, quer incluir, sobretudo quem está relegado para a margem e grita por Ele. Estes, como Bartimeu, têm fé, porque saber-se necessitado de salvação é a melhor maneira para encontrar Cristo.

E, no fim, Bartimeu põe-se a seguir Jesus ao longo da estrada (cf. 10,52). Não só recupera a vista, mas une-se à comunidade daqueles que caminham com Jesus.

Queridos Irmãos sinodais, nós caminhamos juntos. Agradeço-vos pela estrada que compartilhamos tendo o olhar fixo no Senhor e nos irmãos, à procura das sendas que o Evangelho indica, no nosso tempo, para anunciar o mistério de amor da família. Continuemos pelo caminho que o Senhor deseja. Peçamos-Lhe um olhar são e salvo, que saiba irradiar luz, porque recorda o esplendor que o iluminou. Sem nos deixarmos jamais ofuscar pelo pessimismo e pelo pecado, procuremos e vejamos a glória de Deus que resplandece no homem vivo.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Domingo, 25 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.

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