«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

UM SÍNODO [sobre a Família] QUE VALE POR UM CONCÍLIO!

Missão do Sínodo:
Narrar a Boa Notícia aos homens e mulheres de hoje

Enzo Bianchi
Monge, teólogo e biblista italiano
Jornal IL SOLE 24 ORE
04-10-2015

Escutar a voz do Espírito que ressoa ainda hoje é, então,
a principal razão dessa cúpula 
PAPA FRANCISCO
Realiza a abertura dos trabalhos da 14ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos
que abordará o tema da família.
Vaticano, 5 de outubro de 2015
 

Nesse domingo, abriu-se um Sínodo que – da forma como foi pensado e desejado pelo Papa Francisco – se assemelha muito a um Concílio:
  • duas sessões-assembleias à distância de um ano, dedicadas ao mesmo tema da família,
  • amplo envolvimento das Igrejas locais,
  • discussão aberta em nível de teólogos e de pastores,
  • parrésia [franqueza] no debate desejada e favorecida pelas modalidades de trabalho...

Assim, o Sínodo se apresenta, apesar de todas as inevitáveis pressões midiáticas, essencialmente como evento eclesial, posto sob o primado do Evangelho e guiado pelo Espírito Santo, invocado na liturgia que abre não só os trabalhos da assembleia, mas, antes ainda, os corações e as mentes dos Padres sinodais.

É ao Espírito que a Igreja inteira é chamada a se tornar dócil, e é para tentar "escutar o que o Espírito diz à Igreja" que os bispos se reuniram em torno do bispo de Roma, o servidor da comunhão, o sucessor de Pedro, "servo dos servos de Deus". Escutar a voz do Espírito que ressoa ainda hoje é, então, a principal razão dessa cúpula celebrada em uma temporada marcada por uma mudança antropológica rápida e complexa, inesperada até por aquela Igreja que, há 50 anos, terminava o longo, cansativo, mas fervoroso e fecundo trabalho do Concílio Vaticano II, um trabalho de "atualização" e de reforma de si mesma, da sua vida no mundo e do seu ensinamento doutrinal e moral.

Certamente, a infeliz "saída do armário" de um presbítero que declara viver relações homossexuais e compartilhar a própria vida com um companheiro pode ser uma provocação a um debate sereno nos trabalhos sinodais: dificilmente tal operação midiática programada ajudará o debate, nem acho que beneficiará as pessoas que vivem a difícil situação de crentes com relações afetivas de tipo homofílico.

Para além dos inegáveis preconceitos de um certo mundo eclesiástico em relação às pessoas com orientação homossexual, de fato, há irresponsabilidade por parte de quem, como presbítero, é obrigado ao celibato e reivindica, depois, o direito de viver uma união com outra pessoa, de qualquer sexo que seja: é uma escolha em clara contradição com o compromisso assumido livremente diante do Senhor e da comunidade cristã.

No entanto, este Sínodo "conciliar" – o grego, aliás, conhece apenas o termo synodos – mantém intacta a sua característica peculiar, ligada não tanto ao tema em discussão, mas ao método adotado por insistência do Papa Francisco: liberdade de intervenções, discussão franca, confronto fraterno, escuta recíproca.

Os Padres sinodais deveriam fazer com que conflua no Sínodo o seu pensamento de bispos e de pastores, mas, justamente para isso, também ser o eco dos trabalhos e da fermentação suscitados nas Igrejas locais, no povo de Deus, através da palavra dada aos fiéis leigos, a homens e mulheres que cotidianamente tecem a trama do seguimento de Jesus nas estradas do mundo.

Na Itália, esse trabalho preparatório pareceu ser menos convicto e generalizado do que o realizado em outras áreas geográficas e culturais até mesmo não muito distantes do nosso país – pense-se na França, na Alemanha, na Bélgica... –, mas o apelo premente do papa visava justamente a fazer com que os bispos que participariam do Sínodo fossem capazes de tornar eloquentes diante do Evangelho as diversas situações vividas concreta e cotidianamente por pessoas que conhecem as alegrias, as promessas, mas também os fracassos e os sofrimentos da família.

O ponto decisivo é este: narrar a imutável Boa Notícia da mensagem cristã com palavras, gestos, atitudes, isto é, com uma "linguagem" capaz de falar ao coração e à mente dos homens e das mulheres de hoje, de reaquecer esses corações e de esclarecer essas mentes.

"Tradição, de fato, é a salvaguarda do fogo, não a adoração das cinzas": esse aforismo de Gustav Mahler nos indica como é estéril o recurso a enunciados abstratos, a uma doutrina pensada como imutável nas suas formulações, a um encurvamento sobre "sempre se fez assim", onde o "sempre" indica às vezes apenas algumas gerações de crentes e nunca vai ao encontro da Igreja indivisa dos primeiros séculos, nem à diversidade colorida das comunidades eclesiais que surgiram do cadinho do Mediterrâneo e que se espalharam aos confins da terra, muito menos o falar e o agir de Jesus de Nazaré...

Ao contrário, é preciso olhar para as pessoas com o olhar que Jesus tinha, ele que se interessava primeiro pelo seu sofrimento e, depois, chamando o pecado pelo nome, anunciava ao pecador o perdão e a misericórdia de Deus, daquele "Pai seu" que não quer a condenação do pecador, mas que este se converta e viva em plenitude.

Nesse olhar, conforme ao olhar do Filho de Deus, está a capacidade da Igreja de ser "perita em humanidade": ela não está isenta da história nem do pecado cometido pelos seus membros, mas, justamente por ser partícipe das vicissitudes e da condição humana, pode, à luz do Evangelho, fazer-se próxima e iluminar situações que parecem ser marcadas apenas pelo mal.

Haverá tempo nestas três semanas de trabalhos sinodais para entrar novamente no mérito das questões tratadas. Hoje, parece-me bastante decisivo insistir no método:
  • o Sínodo não é um parlamento,
  • nem um congresso científico,
  • nem uma assembleia de partido [político].

Em vez disso, é um evento eclesial, onde os bispos, cum Petro et sub Petro [trad.: com Pedro, isto é, com o Papa, e sob Pedro, orientados pelo Papa], exercem colegialmente o seu ministério a serviço da comunhão eclesial, onde explicitam o cuidado das pessoas que lhes foram confiadas e assumem a "corrida da Palavra", do anúncio do Evangelho a toda criatura.
ENZO BIANCHI
Monge fundador da Comunidade de Bosé
Itália

Para reiterar o que já foi fixado no Código de Direito Canônico, não há a necessidade de um Sínodo: o Sínodo serve para que nos conscientizemos juntos – bispos e povo de Deus – de que, como dizia o Papa João XXIII falando do Concílio, "não é o Evangelho que muda, somos nós que o entendemos melhor".

Portanto, trata-se não de contradizer a palavra de Deus sobre o matrimônio e sobre a radicalidade exigida a cada discípulo seu, mas de afirmar a misericórdia e o perdão de Deus que quer reinar quando a lei foi rompida, lá onde quem pecou está consciente da responsabilidade, do amor autêntico, da reciprocidade do dom, das exigências do seguimento cristão.

Como não desejar que, em certos casos, dos quais os juízes são a Igreja e a consciência das pessoas envolvidas, encontrem-se modalidades para garantir uma vida eclesial plena, na qual os sacramentos seja autêntico bálsamo para as feridas, viático rumo ao reino de Deus, penhor de um novo céu e de uma nova terra?

Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão original deste artigo, clicando aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Terça-feira, 6 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.

Uma proposta pastoral para o Sínodo

José María Castillo
Teólogo católico espanhol
Blog “Teología Sin Censura”
02-10-2015

“Aqueles que afirmam que a Igreja não pode em nenhum caso admitir o divórcio, demonstram uma ignorância incompreensível, já que, ao dizer isso, desconhecem que a Igreja, durante séculos, admitiu o divórcio em determinados casos.” 
PAPA FRANCISCO
Saúda bispos na Procissão de Entrada da Missa de Abertura do Sínodo dos Bispos
Basílica de São Pedro - Vaticano
Domingo, 4 de outubro de 2015

Quando faltam apenas algumas horas para o início do Sínodo da Família, crescem e sobem de tom, na Igreja, as vozes de alarme que falam de “cisma branco”, “cisma vermelho” (Jorge Costadoat). Ou daqueles que, como é o caso do cardeal Kasper, chegam a insinuar que estamos entrando em um “cisma prático”, ou seja (se me cientifiquei bem), um cisma que ninguém formula em teoria, mas que na prática diária da vida funciona dividindo os católicos e fraturando a Igreja.

Por isso, agora mais do que nunca, é o momento de se perguntar: o que pode fazer o Papa neste assunto, da forma como as coisas estão?

Como é lógico, será necessário esperar para ver como se desenvolve o Sínodo e, sobretudo, teremos que saber o que, após o Sínodo, dirá e decidirá o Papa. Mas, é justamente para isso, para indicar o que, segundo minha modesta opinião, considero que é o mais acertado que o Papa poderia – e talvez teria que – fazer na situação em que estamos vivendo na Igreja, neste exato momento. Por isso, atrevo-me a apresentar a proposta seguinte.

Primeiramente, considero que é fundamental ter muito claro que, no assunto família, não estamos diante de uma questão de Fé. Pela simples razão que, se pensamos e falamos da família a partir da Fé dogmática, que a Igreja professa, não existe definição dogmática alguma no Magistério da Igreja sobre este assunto. E se alguém encontrar um documento do magistério definitivo sobre o modelo de família, ou inclusive sobre a indissolubilidade do matrimônio, que se manifeste. Mais ainda, os textos bíblicos de Mateus 19,1-9 e Marcos 10,1-12, amplamente estudados e discutidos pela exegese melhor documentada, demonstraram fartamente que não se referem à problemática atual sobre se o matrimônio é ou não indissolúvel. Nesses textos, Jesus se opõe ao direito unilateral que, segundo Deuteronômio 24,1, o homem possuía para repudiar a mulher, sobretudo se “por qualquer causa” (Mt 19, 3). O que indica claramente que Jesus não se refere à indissolubilidade do matrimônio, mas, sim, ao direito unilateral do homem frente à mulher que, segundo a lei de Moisés, carecia desse direito. Uma desproteção da mulher, que se agravava por causa dos ensinamentos da escola de Hillel, que chegava a permitir o repúdio da esposa “por qualquer motivo” (Mt 19,3).

Por outro lado, o fato de que, durante séculos, entre os cristãos, tenham sido mantidas algumas determinadas práticas e costumes sobre esta questão, não é (nem pode ser) um argumento determinante para obrigar o Papa a manter, de forma irrevogável, alguns determinados usos e práticas, por mais inamovíveis que se considerem estas práticas e esses costumes. E por mais respeitáveis que sejam as pessoas que pretendam manter um determinado modelo de família. Aqueles que afirmam que a Igreja não pode em nenhum caso admitir o divórcio, demonstram uma ignorância incompreensível, já que, ao dizer isso, desconhecem que a Igreja, durante séculos, admitiu o divórcio em determinados casos. Por exemplo, na resposta que o papa Gregório II, no ano 726, enviou ao bispo São Bonifácio (PL 89, 525). Doutrina que foi reunida no Decreto de Graciano, no século XI (R. Metz – J. Schlik, “Matrimonio y divorcio”, Salamanca 1974, 102-103; M. Sotomayor, “Tradición de la Iglesia com respecto al divorcio. Notas históricas”: Proyección 28 (1981) 55).
JOSÉ MARÍA CASTILLO
Teólogo espanhol - autor deste artigo

Sendo assim as coisas, o mais razoável que se pode sugerir, neste momento, é que o Papa deve se sentir livre para tomar uma decisão pastoral, que ajude a Igreja inteira e em seu conjunto a ir amadurecendo a doutrina teológica a seguir. E, sobretudo, a prática pastoral que se deve adotar, ao menos enquanto as coisas não sejam vistas com maior clareza e precisão.

Com esta consideração, e dado o enfrentamento que de fato existe na Igreja sobre este problema, parece mais razoável sugerir ao Papa que – ao menos, de momento – o melhor seria deixar aos pastores e aos fiéis na Igreja a liberdade de proceder segundo a própria consciência. De forma que ninguém se sinta, nem se possa sentir, com o direito e o dever de impor seu próprio ponto de vista, em um assunto sobre o qual não existe nem um ensinamento bíblico, nem uma doutrina do magistério que possa impor algo a partir da Fé. Assim como também não existe na história da Igreja um ensinamento ou uma prática uniforme, clara e firme no que diz respeito à defesa da indissolubilidade do matrimônio, como agora pretendem impor alguns bispos e outras dignidades eclesiásticas. Estamos, pois, diante de um assunto sobre o qual sabemos que existe um notável pluralismo entre os crentes em Jesus Cristo, de forma que, existindo tal pluralismo, nem o Papa poderia tomar a decisão de pronunciar uma definição dogmática sobre um tema em que a “Fé da Igreja” não é uniforme, nem possui as condições necessárias para o pronunciamento de uma definição dogmática, como ficou dito na definição da infalibilidade pontifícia do Concílio Vaticano I (Denzinger / Hünermann 3074) e na precisão que, sobre este ponto capital, fez o Vaticano II (Lumen Gentium n. 25).

Traduzido do espanhol pelo Cepat. Para acessar a versão original deste artigo, clique aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 5 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.

Homilia do Papa na missa de abertura do
Sínodo da Família

Redação

“Para Deus, o matrimônio não é utopia da adolescência, mas um sonho sem o qual a sua criatura estará condenada à solidão. De fato, o medo de aderir a este projeto paralisa o coração humano.”
PAPA FRANCISCO
Profere sua homilia durante a Missa de Abertura do Sínodo dos Bispos
Basílica São Pedro - Vaticano
Domingo, 4 de outubro de 2015

Papa Francisco inaugurou neste domingo (4 de outubro), a 14ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo, cujo tema é a família, com uma missa solene na Basílica de São Pedro. A partir desta segunda-feira (5 de outubro), os padres sinodais [nome que se dá a todos os participantes do Sínodo] vão debater “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”.

Apresentamos a seguir a íntegra da homilia pronunciada pelo Papa Francisco.


«Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós
e o seu amor chegou à perfeição em nós.»
(1Jo 4,12)

As Leituras bíblicas deste Domingo parecem escolhidas de propósito para o evento de graça que a Igreja está a viver, ou seja, a Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos que tem por tema a família e é inaugurada com esta celebração eucarística.

Aquelas estão centradas em três argumentos: o drama da solidão, o amor entre homem-mulher e a família.

A SOLIDÃO

Como lemos na primeira Leitura, Adão vivia no Paraíso, impunha os nomes às outras criaturas, exercendo um domínio que demonstra a sua indiscutível e incomparável superioridade e, contudo, sentia-se só, porque «não encontrou auxiliar semelhante a ele» (Gn 2,20) e sentia a solidão.

A solidão, o drama que ainda hoje aflige muitos homens e mulheres. Penso nos idosos abandonados até pelos seus entes queridos e pelos próprios filhos; nos viúvos e nas viúvas; em tantos homens e mulheres, deixados pela sua esposa e pelo seu marido; em muitas pessoas que se sentem realmente sozinhas, não compreendidas nem escutadas; nos migrantes e prófugos que escapam de guerras e perseguições; e em tantos jovens vítimas da cultura do consumismo, do «usa e joga fora» e da cultura do descarte.

Hoje, vive-se o paradoxo de um mundo globalizado onde vemos tantas habitações de luxo e arranha-céus, mas o calor da casa e da família é cada vez menor; muitos projetos ambiciosos, mas pouco tempo para viver aquilo que foi realizado; muitos meios sofisticados de diversão, mas há um vazio cada vez mais profundo no coração; tantos prazeres, mas pouco amor; tanta liberdade, mas pouca autonomia... Aumenta cada vez mais o número das pessoas que se sentem sozinhas, e também daquelas que se fecham no egoísmo, na melancolia, na violência destrutiva e na escravidão do prazer e do deus-dinheiro.

Em certo sentido, hoje vivemos a mesma experiência de Adão: tanto poder acompanhado por tanta solidão e vulnerabilidade; e ícone disso mesmo é a família. Verifica-se cada vez menos seriedade em levar por diante uma relação sólida e fecunda de amor: na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na boa e na má sorte. Cada vez mais o amor duradouro, fiel, consciencioso, estável, fecundo é objeto de zombaria e olhado como se fosse uma antiguidade. Parece que as sociedades mais avançadas sejam precisamente aquelas que têm a taxa mais baixa de natalidade e a taxa maior de abortos, de divórcios, de suicídios e de poluição ambiental e social.

O AMOR ENTRE HOMEM E MULHER

Ainda na primeira Leitura, lemos que o coração de Deus, ao ver a solidão de Adão, ficou como que entristecido e disse: «Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele» (Gn 2,18). Estas palavras demonstram que nada torna tão feliz o coração do homem como um coração que lhe seja semelhante, lhe corresponda, o ame e tire da solidão e de sentir-se só. Demonstram também que Deus não criou o ser humano para viver na tristeza ou para estar sozinho, mas para a felicidade, para partilhar o seu caminho com outra pessoa que lhe seja complementar; para viver a experiência maravilhosa do amor, isto é, amar e ser amado; e para ver o seu amor fecundo nos filhos, como diz o salmo que foi proclamado hoje (cf. Sl 128).

Tal é o sonho de Deus para a sua dileta criatura: vê-la realizada na união de amor entre homem e mulher; feliz no caminho comum, fecunda na doação recíproca. É o mesmo desígnio que Jesus, no Evangelho de hoje, resume com estas palavras: «Desde o princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher, e serão os dois um só. Portanto, já não são dois, mas um só» (Mc 10,6-8; cf. Gn 1,27; 2,24).

Jesus, perante a pergunta retórica que Lhe puseram (provavelmente como uma cilada, para fazê-Lo sem mais aparecer odioso à multidão que O seguia e que praticava o divórcio, como uma realidade consolidada e intangível), responde de maneira franca e inesperada: leva tudo de volta à origem, à origem da criação, para nos ensinar que Deus abençoa o amor humano, é Ele que une os corações de um homem e de uma mulher que se amam e liga-os na unidade e na indissolubilidade. Isto significa que o objetivo da vida conjugal não é apenas viver juntos para sempre, mas amar-se para sempre. Jesus restabelece assim a ordem originária e originadora.

A FAMÍLIA

«Pois bem. O que Deus uniu não o separe o homem» (Mc 10,9). É uma exortação aos crentes para superar toda a forma de individualismo e de legalismo, que se esconde num egoísmo mesquinho e no medo de aderir ao significado autêntico do casal e da sexualidade humana no projeto de Deus.

Com efeito, só à luz da loucura da gratuidade do amor pascal de Jesus é que aparecerá compreensível a loucura da gratuidade dum amor conjugal único e usque ad mortem [trad.: até a morte].

Para Deus, o matrimônio não é utopia da adolescência, mas um sonho sem o qual a sua criatura estará condenada à solidão. De fato, o medo de aderir a este projeto paralisa o coração humano.

Paradoxalmente, também o homem de hoje – que muitas vezes ridiculariza este desígnio – continua atraído e fascinado por todo o amor autêntico, por todo o amor sólido, por todo o amor fecundo, por todo o amor fiel e perpétuo. Vemo-lo ir atrás dos amores temporários, mas sonha com o amor autêntico; corre atrás dos prazeres carnais, mas deseja a doação total.

De fato, «agora que provamos plenamente as promessas da liberdade ilimitada, começamos de novo a compreender a expressão “a tristeza deste mundo”. Os prazeres proibidos perderam o seu fascínio, logo que deixaram de ser proibidos. Mesmo quando são levados ao extremo e repetidos ao infinito, aparecem insípidos, porque são coisas finitas, e nós, ao contrário, temos sede de infinito» (Joseph Ratzinger, Auf Christus schauen. Einübung in Glaube, Hoffnung, Liebe, Friburgo, 1989, p. 73).

Neste contexto social e matrimonial bastante difícil, a Igreja é chamada a viver a sua missão na fidelidade, na verdade e na caridade. A Igreja é chamada a viver a sua missão na fidelidade ao seu Mestre como voz que grita no deserto, para defender o amor fiel e encorajar as inúmeras famílias que vivem o seu matrimônio como um espaço onde se manifesta o amor divino; para defender a sacralidade da vida, de toda a vida; para defender a unidade e a indissolubilidade do vínculo conjugal como sinal da graça de Deus e da capacidade que o homem tem de amar seriamente.

A Igreja é chamada a viver a sua missão na verdade que não se altera segundo as modas passageiras ou as opiniões dominantes. A verdade que protege o homem e a humanidade das tentações da autorreferencialidade e de transformar o amor fecundo em egoísmo estéril, a união fiel em ligações temporárias. «Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade» (Bento XVI, Encíclica Caritas in veritate, 3).

E a Igreja é chamada a viver a sua missão na caridade que não aponta o dedo para julgar os outros, mas – fiel à sua natureza de mãe – sente-se no dever de procurar e cuidar dos casais feridos com o óleo da aceitação e da misericórdia; de ser «hospital de campanha», com as portas abertas para acolher todo aquele que bate pedindo ajuda e apoio; e mais, de sair do próprio redil ao encontro dos outros com amor verdadeiro, para caminhar com a humanidade ferida, para a integrar e conduzir à fonte de salvação.

Uma Igreja que ensina e defende os valores fundamentais, sem esquecer que «o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado» (Mc 2,27); e sem esquecer que Jesus disse também: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores» (Mc 2,17). Uma Igreja que educa para o amor autêntico, capaz de tirar da solidão, sem esquecer a sua missão de bom samaritano da humanidade ferida.

Recordo São João Paulo II, quando dizia: «O erro e o mal devem sempre ser condenados e combatidos; mas o homem que cai ou que erra deve ser compreendido e amado. (...) Devemos amar o nosso tempo e ajudar o homem do nosso tempo» [Discurso à Ação Católica Italiana, 30 de Dezembro de 1978: Insegnamenti (1978), 450]. E a Igreja deve procurá-lo, acolhê-lo e acompanhá-lo, porque uma Igreja com as portas fechadas atraiçoa-se a si mesma e à sua missão e, em vez de ser ponte, torna-se uma barreira: «De fato, tanto o que santifica, como os que são santificados, provêm todos de um só; razão pela qual não se envergonha de lhes chamar irmãos» (Hb 2,11).

Com este espírito, peçamos ao Senhor que nos acompanhe no Sínodo e guie a sua Igreja pela intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria e de São José, seu castíssimo esposo.


Fonte: ZENIT.ORG – Cidade do Vatican0, 4 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.

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