UM SÍNODO [sobre a Família] QUE VALE POR UM CONCÍLIO!
Missão do Sínodo:
Narrar a Boa Notícia aos homens e mulheres de hoje
Enzo Bianchi
Monge, teólogo e biblista italiano
Jornal IL
SOLE 24 ORE
04-10-2015
Escutar a voz do Espírito que ressoa ainda hoje é,
então,
a principal razão dessa cúpula
![]() |
PAPA FRANCISCO Realiza a abertura dos trabalhos da 14ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos que abordará o tema da família. Vaticano, 5 de outubro de 2015 |
Nesse
domingo, abriu-se um Sínodo que – da forma como foi pensado e desejado pelo
Papa Francisco – se assemelha muito a um Concílio:
- duas sessões-assembleias à distância de um ano, dedicadas ao mesmo tema da família,
- amplo envolvimento das Igrejas locais,
- discussão aberta em nível de teólogos e de pastores,
- parrésia [franqueza] no debate desejada e favorecida pelas modalidades de trabalho...
Assim,
o Sínodo se apresenta, apesar de todas as inevitáveis pressões midiáticas,
essencialmente como evento eclesial, posto
sob o primado do Evangelho e guiado pelo Espírito Santo, invocado na
liturgia que abre não só os trabalhos da assembleia, mas, antes ainda, os
corações e as mentes dos Padres sinodais.
É ao Espírito que a Igreja
inteira é chamada a se tornar dócil, e é para tentar "escutar o que o
Espírito diz à Igreja" que os bispos se reuniram em torno do bispo de Roma, o servidor da comunhão, o
sucessor de Pedro, "servo dos servos de Deus". Escutar a voz do Espírito que ressoa ainda hoje é, então, a principal
razão dessa cúpula celebrada em uma temporada marcada por uma mudança
antropológica rápida e complexa, inesperada até por aquela Igreja que, há 50
anos, terminava o longo, cansativo, mas fervoroso e fecundo trabalho do Concílio Vaticano II, um trabalho de
"atualização" e de reforma de si mesma, da sua vida no mundo e do seu
ensinamento doutrinal e moral.
Certamente,
a infeliz "saída do armário" de um presbítero que declara viver
relações homossexuais e compartilhar a própria vida com um companheiro pode ser
uma provocação a um debate sereno nos trabalhos sinodais: dificilmente tal
operação midiática programada ajudará o debate, nem acho que beneficiará as
pessoas que vivem a difícil situação de crentes com relações afetivas de tipo
homofílico.
Para
além dos inegáveis preconceitos de um certo mundo eclesiástico em relação às
pessoas com orientação homossexual, de fato, há irresponsabilidade por parte de quem, como presbítero, é obrigado ao
celibato e reivindica, depois, o direito de viver uma união com outra pessoa,
de qualquer sexo que seja: é uma escolha em clara contradição com o compromisso
assumido livremente diante do Senhor e da comunidade cristã.
No
entanto, este Sínodo "conciliar" – o grego, aliás, conhece apenas o
termo synodos – mantém intacta a sua
característica peculiar, ligada não tanto ao tema em discussão, mas ao método
adotado por insistência do Papa Francisco: liberdade
de intervenções, discussão franca, confronto fraterno, escuta recíproca.
Os
Padres sinodais deveriam fazer com que conflua no Sínodo o seu pensamento de
bispos e de pastores, mas, justamente para isso, também ser o eco dos trabalhos e da fermentação suscitados nas Igrejas locais,
no povo de Deus, através da palavra dada aos fiéis leigos, a homens e mulheres
que cotidianamente tecem a trama do seguimento de Jesus nas estradas do mundo.
Na
Itália, esse trabalho preparatório pareceu ser menos convicto e generalizado do
que o realizado em outras áreas geográficas e culturais até mesmo não muito
distantes do nosso país – pense-se na França, na Alemanha, na Bélgica... –, mas
o apelo premente do papa visava justamente a fazer com que os bispos que
participariam do Sínodo fossem capazes de tornar eloquentes diante do Evangelho
as diversas situações vividas concreta e cotidianamente por pessoas que
conhecem as alegrias, as promessas, mas também os fracassos e os sofrimentos da
família.
O
ponto decisivo é este: narrar a imutável
Boa Notícia da mensagem cristã com palavras, gestos, atitudes, isto é, com uma
"linguagem" capaz de falar ao coração e à mente dos homens e das
mulheres de hoje, de reaquecer esses corações e de esclarecer essas mentes.
"Tradição, de fato, é a salvaguarda do fogo,
não a adoração das cinzas": esse aforismo de Gustav Mahler nos indica como
é estéril o recurso a enunciados abstratos, a uma doutrina pensada como
imutável nas suas formulações, a um encurvamento sobre "sempre se fez
assim", onde o "sempre" indica às vezes apenas algumas
gerações de crentes e nunca vai ao encontro da Igreja indivisa dos primeiros
séculos, nem à diversidade colorida das comunidades eclesiais que surgiram do
cadinho do Mediterrâneo e que se espalharam aos confins da terra, muito menos o
falar e o agir de Jesus de Nazaré...
Ao
contrário, é preciso olhar para as
pessoas com o olhar que Jesus tinha, ele que se interessava primeiro pelo seu
sofrimento e, depois, chamando o pecado pelo nome, anunciava ao pecador o
perdão e a misericórdia de Deus, daquele "Pai seu" que não quer a
condenação do pecador, mas que este se converta e viva em plenitude.
Nesse
olhar, conforme ao olhar do Filho de Deus, está a capacidade da Igreja de ser
"perita em humanidade": ela não está isenta da história nem do pecado
cometido pelos seus membros, mas, justamente por ser partícipe das vicissitudes
e da condição humana, pode, à luz do Evangelho, fazer-se próxima e iluminar
situações que parecem ser marcadas apenas pelo mal.
Haverá
tempo nestas três semanas de trabalhos sinodais para entrar novamente no mérito
das questões tratadas. Hoje, parece-me
bastante decisivo insistir no método:
- o Sínodo não é um parlamento,
- nem um congresso científico,
- nem uma assembleia de partido [político].
Em
vez disso, é um evento eclesial,
onde os bispos, cum Petro et sub Petro
[trad.: com Pedro, isto é, com o Papa, e
sob Pedro, orientados pelo Papa],
exercem colegialmente o seu ministério a serviço da comunhão eclesial, onde
explicitam o cuidado das pessoas que lhes foram confiadas e assumem a
"corrida da Palavra", do anúncio do Evangelho a toda criatura.
![]() |
ENZO BIANCHI Monge fundador da Comunidade de Bosé Itália |
Para
reiterar o que já foi fixado no Código
de Direito Canônico, não há a necessidade de um Sínodo: o Sínodo serve para que nos conscientizemos
juntos – bispos e povo de Deus – de que, como dizia o Papa João XXIII falando
do Concílio, "não é o Evangelho que
muda, somos nós que o entendemos melhor".
Portanto,
trata-se não de contradizer a palavra de Deus sobre o matrimônio e sobre a
radicalidade exigida a cada discípulo seu, mas de afirmar a misericórdia e o
perdão de Deus que quer reinar quando a lei foi rompida, lá onde quem pecou
está consciente da responsabilidade, do amor autêntico, da reciprocidade do
dom, das exigências do seguimento cristão.
Como
não desejar que, em certos casos, dos quais os juízes são a Igreja e a
consciência das pessoas envolvidas, encontrem-se
modalidades para garantir uma vida eclesial plena, na qual os sacramentos seja
autêntico bálsamo para as feridas, viático rumo ao reino de Deus, penhor de
um novo céu e de uma nova terra?
Traduzido do italiano por Moisés Sbardelotto. Acesse a versão
original deste artigo, clicando aqui.
Fonte: Instituto Humanitas
Unisinos – Notícias – Terça-feira, 6 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.
Uma proposta pastoral para o Sínodo
José María
Castillo
Teólogo
católico espanhol
Blog “Teología
Sin Censura”
02-10-2015
“Aqueles que afirmam que a Igreja não pode em nenhum
caso admitir o divórcio, demonstram uma ignorância incompreensível, já que, ao
dizer isso, desconhecem que a Igreja, durante séculos, admitiu o divórcio em
determinados casos.”
![]() |
PAPA FRANCISCO Saúda bispos na Procissão de Entrada da Missa de Abertura do Sínodo dos BisposBasílica de São Pedro - Vaticano Domingo, 4 de outubro de 2015 |
Quando
faltam apenas algumas horas para o início do Sínodo da Família, crescem e sobem de tom, na Igreja, as vozes de alarme
que falam de “cisma branco”, “cisma vermelho” (Jorge Costadoat). Ou
daqueles que, como é o caso do cardeal
Kasper, chegam a insinuar que estamos entrando em um “cisma prático”, ou seja (se me cientifiquei bem), um cisma que
ninguém formula em teoria, mas que na prática diária da vida funciona dividindo
os católicos e fraturando a Igreja.
Por
isso, agora mais do que nunca, é o momento de se perguntar: o que pode fazer o Papa neste assunto, da
forma como as coisas estão?
Como
é lógico, será necessário esperar para ver como se desenvolve o Sínodo e,
sobretudo, teremos que saber o que, após o Sínodo, dirá e decidirá o Papa. Mas,
é justamente para isso, para indicar o que, segundo minha modesta opinião,
considero que é o mais acertado que o Papa poderia – e talvez teria que – fazer
na situação em que estamos vivendo na Igreja, neste exato momento. Por isso,
atrevo-me a apresentar a proposta seguinte.
Primeiramente,
considero que é fundamental ter muito claro que, no assunto família, não estamos diante de uma questão de Fé. Pela
simples razão que, se pensamos e falamos da família a partir da Fé dogmática,
que a Igreja professa, não existe
definição dogmática alguma no Magistério da Igreja sobre este assunto. E se
alguém encontrar um documento do magistério definitivo sobre o modelo de
família, ou inclusive sobre a indissolubilidade do matrimônio, que se
manifeste. Mais ainda, os textos bíblicos de Mateus 19,1-9 e Marcos 10,1-12,
amplamente estudados e discutidos pela exegese melhor documentada, demonstraram
fartamente que não se referem à
problemática atual sobre se o matrimônio é ou não indissolúvel. Nesses textos, Jesus se opõe ao direito
unilateral que, segundo Deuteronômio 24,1, o homem possuía para repudiar a
mulher, sobretudo se “por qualquer causa” (Mt 19, 3). O que indica claramente que Jesus não se refere à indissolubilidade do matrimônio, mas, sim, ao
direito unilateral do homem frente à mulher que, segundo a lei de Moisés,
carecia desse direito. Uma desproteção da mulher, que se agravava por causa dos
ensinamentos da escola de Hillel, que chegava a permitir o repúdio da esposa
“por qualquer motivo” (Mt 19,3).
Por
outro lado, o fato de que, durante séculos, entre os cristãos, tenham sido
mantidas algumas determinadas práticas e costumes sobre esta questão, não é (nem
pode ser) um argumento determinante para obrigar o Papa a manter, de forma
irrevogável, alguns determinados usos e práticas, por mais inamovíveis que se
considerem estas práticas e esses costumes. E por mais respeitáveis que sejam
as pessoas que pretendam manter um determinado modelo de família. Aqueles que
afirmam que a Igreja não pode em nenhum caso admitir o divórcio, demonstram uma
ignorância incompreensível, já que, ao dizer isso, desconhecem que a Igreja,
durante séculos, admitiu o divórcio em determinados casos. Por exemplo, na
resposta que o papa Gregório II, no ano 726, enviou ao bispo São Bonifácio
(PL 89, 525). Doutrina que foi reunida no Decreto
de Graciano, no século XI (R.
Metz – J. Schlik, “Matrimonio y divorcio”,
Salamanca 1974, 102-103; M. Sotomayor, “Tradición de la Iglesia com respecto al
divorcio. Notas históricas”: Proyección
28 (1981) 55).
![]() |
JOSÉ MARÍA CASTILLO Teólogo espanhol - autor deste artigo |
Sendo
assim as coisas, o mais razoável que se pode sugerir, neste momento, é que o Papa deve se sentir livre para tomar uma
decisão pastoral, que ajude a Igreja inteira e em seu conjunto a ir
amadurecendo a doutrina teológica a seguir. E, sobretudo, a prática
pastoral que se deve adotar, ao menos enquanto as coisas não sejam vistas com
maior clareza e precisão.
Com
esta consideração, e dado o enfrentamento que de fato existe na Igreja sobre
este problema, parece mais razoável sugerir ao Papa que – ao menos, de momento
– o melhor seria deixar aos pastores e
aos fiéis na Igreja a liberdade de proceder segundo a própria consciência.
De forma que ninguém se sinta, nem se possa sentir, com o direito e o dever de
impor seu próprio ponto de vista, em um
assunto sobre o qual não existe nem um ensinamento bíblico, nem uma doutrina do
magistério que possa impor algo a partir da Fé. Assim como também não existe na história da Igreja um
ensinamento ou uma prática uniforme, clara e firme no que diz respeito à defesa
da indissolubilidade do matrimônio, como agora pretendem impor alguns
bispos e outras dignidades eclesiásticas. Estamos, pois, diante de um assunto sobre
o qual sabemos que existe um notável pluralismo entre os crentes em Jesus
Cristo, de forma que, existindo tal pluralismo, nem o Papa poderia tomar a
decisão de pronunciar uma definição dogmática sobre um tema em que a “Fé da
Igreja” não é uniforme, nem possui as condições necessárias para o
pronunciamento de uma definição dogmática, como ficou dito na definição da
infalibilidade pontifícia do Concílio
Vaticano I (Denzinger / Hünermann 3074) e na precisão que, sobre este ponto
capital, fez o Vaticano II (Lumen Gentium
n. 25).
Traduzido do espanhol pelo Cepat. Para acessar a versão original
deste artigo, clique aqui.
Fonte: Instituto Humanitas
Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 5 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.
Homilia do Papa na missa de abertura do
Sínodo da Família
Redação
“Para Deus, o matrimônio não é utopia da adolescência,
mas um sonho sem o qual a sua criatura estará condenada à solidão. De fato, o
medo de aderir a este projeto paralisa o coração humano.”
![]() |
PAPA FRANCISCO Profere sua homilia durante a Missa de Abertura do Sínodo dos Bispos Basílica São Pedro - Vaticano Domingo, 4 de outubro de 2015 |
Papa
Francisco inaugurou neste domingo (4 de outubro), a 14ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo, cujo tema é a família,
com uma missa solene na Basílica de São Pedro. A partir desta segunda-feira (5
de outubro), os padres sinodais [nome que
se dá a todos os participantes do Sínodo] vão debater “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”.
Apresentamos
a seguir a íntegra da homilia
pronunciada pelo Papa Francisco.
«Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós
e o seu amor chegou à perfeição em nós.»
(1Jo 4,12)
As Leituras bíblicas deste Domingo parecem
escolhidas de propósito para o evento de graça que a Igreja está a viver, ou
seja, a Assembleia Ordinária do Sínodo
dos Bispos que tem por tema a família e é inaugurada com esta celebração
eucarística.
Aquelas estão centradas em três argumentos:
o drama da solidão, o amor entre homem-mulher e a família.
A
SOLIDÃO
Como lemos na primeira Leitura, Adão vivia
no Paraíso, impunha os nomes às outras criaturas, exercendo um domínio que
demonstra a sua indiscutível e incomparável superioridade e, contudo, sentia-se
só, porque «não encontrou auxiliar semelhante a ele» (Gn 2,20) e sentia a
solidão.
A solidão, o drama que ainda hoje aflige
muitos homens e mulheres. Penso nos idosos abandonados até pelos seus entes
queridos e pelos próprios filhos; nos viúvos e nas viúvas; em tantos homens e
mulheres, deixados pela sua esposa e pelo seu marido; em muitas pessoas que se
sentem realmente sozinhas, não compreendidas nem escutadas; nos migrantes e
prófugos que escapam de guerras e perseguições; e em tantos jovens vítimas da
cultura do consumismo, do «usa e joga fora» e da cultura do descarte.
Hoje, vive-se o paradoxo de um mundo globalizado onde vemos tantas habitações de
luxo e arranha-céus, mas o calor da casa
e da família é cada vez menor; muitos projetos ambiciosos, mas pouco tempo
para viver aquilo que foi realizado; muitos
meios sofisticados de diversão, mas há um vazio cada vez mais profundo no
coração; tantos prazeres, mas pouco
amor; tanta liberdade, mas pouca
autonomia... Aumenta cada vez mais o número das pessoas que se sentem
sozinhas, e também daquelas que se fecham no egoísmo, na melancolia, na
violência destrutiva e na escravidão do prazer e do deus-dinheiro.
Em certo sentido, hoje vivemos a mesma
experiência de Adão: tanto poder acompanhado por tanta solidão e
vulnerabilidade; e ícone disso mesmo é a família. Verifica-se cada vez menos seriedade em levar por diante uma relação
sólida e fecunda de amor: na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, na
boa e na má sorte. Cada vez mais o amor
duradouro, fiel, consciencioso, estável, fecundo é objeto de zombaria e olhado
como se fosse uma antiguidade. Parece que as sociedades mais avançadas
sejam precisamente aquelas que têm a taxa mais baixa de natalidade e a taxa
maior de abortos, de divórcios, de suicídios e de poluição ambiental e social.
O
AMOR ENTRE HOMEM E MULHER
Ainda na primeira Leitura, lemos que o
coração de Deus, ao ver a solidão de Adão, ficou como que entristecido e disse:
«Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a
ele» (Gn 2,18). Estas palavras demonstram que nada torna tão feliz o coração do homem como um coração que lhe seja
semelhante, lhe corresponda, o ame e tire da solidão e de sentir-se só.
Demonstram também que Deus não criou o ser humano para viver na tristeza ou
para estar sozinho, mas para a felicidade, para partilhar o seu caminho com
outra pessoa que lhe seja complementar; para viver a experiência maravilhosa do
amor, isto é, amar e ser amado; e para ver o seu amor fecundo nos filhos, como
diz o salmo que foi proclamado hoje (cf. Sl 128).
Tal
é o sonho de Deus para a sua dileta criatura: vê-la realizada na união de amor
entre homem e mulher; feliz no caminho comum, fecunda na doação recíproca.
É o mesmo desígnio que Jesus, no Evangelho de hoje, resume com estas palavras:
«Desde o princípio da criação, Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem
deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher, e serão os dois um só.
Portanto, já não são dois, mas um só» (Mc 10,6-8; cf. Gn 1,27; 2,24).
Jesus,
perante a pergunta retórica que Lhe puseram
(provavelmente como uma cilada, para fazê-Lo sem mais aparecer odioso à
multidão que O seguia e que praticava o divórcio, como uma realidade
consolidada e intangível), responde de maneira franca e inesperada: leva tudo de volta à origem, à origem da
criação, para nos ensinar que Deus abençoa o amor humano, é Ele que une os
corações de um homem e de uma mulher que se amam e liga-os na unidade e na
indissolubilidade. Isto significa que o
objetivo da vida conjugal não é apenas viver juntos para sempre, mas amar-se
para sempre. Jesus restabelece assim a ordem originária e originadora.
A
FAMÍLIA
«Pois bem. O que Deus uniu não o separe o
homem» (Mc 10,9). É uma exortação aos
crentes para superar toda a forma de individualismo e de legalismo, que se
esconde num egoísmo mesquinho e no medo de aderir ao significado autêntico do
casal e da sexualidade humana no projeto de Deus.
Com efeito, só à luz da loucura da
gratuidade do amor pascal de Jesus é que aparecerá compreensível a loucura da
gratuidade dum amor conjugal único e usque
ad mortem [trad.: até a morte].
Para
Deus, o matrimônio não é utopia da adolescência, mas um sonho sem o qual a sua
criatura estará condenada à solidão. De fato, o medo de aderir a este projeto paralisa o
coração humano.
Paradoxalmente, também o homem de hoje –
que muitas vezes ridiculariza este desígnio – continua atraído e fascinado por
todo o amor autêntico, por todo o amor sólido, por todo o amor fecundo, por
todo o amor fiel e perpétuo. Vemo-lo ir
atrás dos amores temporários, mas sonha com o amor autêntico; corre atrás dos
prazeres carnais, mas deseja a doação total.
De fato, «agora que provamos plenamente as
promessas da liberdade ilimitada, começamos de novo a compreender a expressão
“a tristeza deste mundo”. Os prazeres proibidos perderam o seu fascínio, logo
que deixaram de ser proibidos. Mesmo quando são levados ao extremo e repetidos
ao infinito, aparecem insípidos, porque são coisas finitas, e nós, ao
contrário, temos sede de infinito» (Joseph Ratzinger, Auf Christus schauen. Einübung in Glaube, Hoffnung, Liebe, Friburgo,
1989, p. 73).
Neste contexto social e matrimonial
bastante difícil, a Igreja é chamada a viver a sua missão na fidelidade, na
verdade e na caridade. A Igreja é chamada a viver a sua missão na fidelidade ao
seu Mestre como voz que grita no deserto, para defender o amor fiel e encorajar
as inúmeras famílias que vivem o seu matrimônio
como um espaço onde se manifesta o amor divino; para defender a sacralidade da vida, de toda a vida; para defender a unidade e a indissolubilidade do
vínculo conjugal como sinal da graça de Deus e da capacidade que o homem
tem de amar seriamente.
A Igreja é chamada a viver a sua missão na
verdade que não se altera segundo as modas passageiras ou as opiniões
dominantes. A verdade que protege o homem e a humanidade das tentações da autorreferencialidade
e de transformar o amor fecundo em egoísmo estéril, a união fiel em ligações
temporárias. «Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se
um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem
verdade» (Bento XVI, Encíclica Caritas
in veritate, 3).
E
a Igreja é chamada a viver a sua missão na caridade que não aponta o dedo para
julgar os outros, mas – fiel à sua natureza de mãe –
sente-se no dever de procurar e cuidar
dos casais feridos com o óleo da aceitação e da misericórdia; de ser
«hospital de campanha», com as portas abertas para acolher todo aquele que bate
pedindo ajuda e apoio; e mais, de sair do próprio redil ao encontro dos outros
com amor verdadeiro, para caminhar com a
humanidade ferida, para a integrar e conduzir à fonte de salvação.
Uma Igreja que ensina e defende os valores
fundamentais, sem esquecer que «o sábado
foi feito para o homem e não o homem para o sábado» (Mc 2,27); e sem
esquecer que Jesus disse também: «Não são
os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos. Eu não vim chamar
os justos, mas os pecadores» (Mc 2,17). Uma Igreja que educa para o amor autêntico, capaz de tirar da solidão,
sem esquecer a sua missão de bom samaritano da humanidade ferida.
Recordo São João Paulo II, quando dizia: «O
erro e o mal devem sempre ser condenados e combatidos; mas o homem que cai ou que erra deve ser compreendido e amado. (...)
Devemos amar o nosso tempo e ajudar o homem do nosso tempo» [Discurso à Ação Católica Italiana, 30 de
Dezembro de 1978: Insegnamenti (1978), 450]. E a Igreja deve procurá-lo,
acolhê-lo e acompanhá-lo, porque uma
Igreja com as portas fechadas atraiçoa-se a si mesma e à sua missão e, em vez
de ser ponte, torna-se uma barreira: «De fato, tanto o que santifica, como
os que são santificados, provêm todos de um só; razão pela qual não se envergonha
de lhes chamar irmãos» (Hb 2,11).
Com este espírito, peçamos ao Senhor que
nos acompanhe no Sínodo e guie a sua Igreja pela intercessão da Bem-Aventurada
Virgem Maria e de São José, seu castíssimo esposo.
Fonte: ZENIT.ORG – Cidade do Vatican0, 4 de
outubro de 2015 – Internet: clique aqui.
Comentários
Postar um comentário