«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 3 de outubro de 2015

UMA ARMADILHA PARA PAPA FRANCISCO: KIM DAVIS

Massimo Faggioli
Professor de História do Cristianismo na University of St. Thomas (EUA)
HUFFINGTON POST
01-10-2015

Estudioso comenta o incidente midiático causado pelo encontro entre o Papa Francisco e Kim Davis que, segundo ele, “risca obscurecer o sucesso da visita do Papa nos EUA”.
KIM DAVIS 
Tabeliã do condado de Rowan, Estado norte-americano de Kentucky,
que se recusou a emitir licenças de casamento para casais homossexuais por motivos religiosos.
Ela foi detida no dia 3 de setembro deste ano e, posteriormente, liberada.

O incidente midiático causado pelo encontro entre o Papa Francisco e Kim Davis risca obscurecer o sucesso da visita do Papa nos Estados Unidos da América (EUA).

É um incidente que diz muito do clima criado nos EUA em torno da visita do Papa e da incapacidade de algumas pessoas da Igreja receberem Papa Francisco. Não diz nada da posição do Papa nem sobre o caso concreto de Kim Davis nem sobre a questão homossexual em geral nem sobre os matrimônios na sociedade civil. Para compreender os contornos do incidente é preciso que se tenha presente algumas coisas.

Primeiro ponto. Os papas encontram muitas e variadas pessoas durante as audiências gerais e tanto mais durante as suas viagens. Os modo de organizar estes encontros varia muito, especialmente quando o Papa viaja. Um incidente pior coube a Bento XVI – ele não teve nenhuma culpa – quando encontrou no Vaticano, num dos encontros com milhares de peregrinos, Rebecca Kadaga, personagem político de Uganda que se projetou por ocasião do debate legislativo sobre a criminalização da homossexualidade.

Segundo ponto. É claro que o encontro reservado e não público entre o Papa e a funcionária pública de Kentucky [Kim Davis], presa por ter se negado a encaminhar o documento de matrimônio homossexual, foi arquitetado por alguém que forçou a mão do Papa e do seu “entourage” [equipe] mais próximo, de modo a fazê-lo dizer algo que o Papa sempre evitou de dizer durante toda a sua viagem nos EUA (como também precedentemente).

Os advogados de Kim Davis fizeram o resto, escolhendo o “timing” [momento] perfeito para a revelação: ou seja, quando o Papa já tinha deixado o país e numa hora em que era impossível para o Vaticano reagir. Mas o “never complain, never explain” [jamais reclamar, jamais explicar] da rainha Vitória não funciona mais, nem para o Papa, na era do “news cycle” [ciclo noticioso] 24 por 24 horas.

Terceiro ponto. Que o caso foi muito bem montado se revela não somente pela embaraçada relutância do Vaticano em comentar o encontro (depois de tê-lo confirmado), mas pelo clima precedente da visita do papa nos EUA.

No seu discurso aos bispos americanos o papa alertou-os para a tentação de se usar a cruz como símbolo para as lutas políticas.

A visita de Francisco foi uma desilusão para os ideólogos das “guerras culturais” político-religiosas nos EUA. Ou seja, ele desiludiu aqueles (também católicos) que tentaram fazer de Kim Davis uma mártir do contratestemunho da Igreja contra o matrimônio homossexual.

Talvez na Itália (ou quem organizou o encontro por parte do Vaticano) ignorou-se ou não se sabia das ligações de Kim Davis com vários candidatos republicanos à presidência dos EUA. Francisco nos seus discursos públicos evitou acuradamente se apresentar com um “cultural war” [guerra cultural]. Mas alguns planejaram de colocar na mesma sala e na frente do papa a testemunha de um estilo cristão exatamente contrário ao de Francisco.

Quarto ponto. Por mais que o Papa seja informado sobre o mundo, é muito improvável que estivesse a par de quem era a personagem [Kim Davis] e da controvérsia gerada pela sua recusa em obedecer à lei do Estado. Seria interessante conhecer quantos sabiam, na Itália, dois dias antes, quem era a personagem. Mas, certamente, quem organizou o encontro com o Papa Francisco sabia.

Quinto ponto. Não sabemos o que o Papa disse para Kim Davis – a não ser que acreditemos (sem evidências concretas) no que os advogados dela disseram. O presente de um rosário e o apelo a “stay Strong” [fique firme] é algo que o Papa daria e diria a todos.

Papa João XIII, em 1963, também presenteou um rosário para a filha de Kruschev [Primeiro-Secretário do Partdido Comunista da União Soviética] recebida em audiência, no Vaticano, juntamente com o marido. Rada Kruschev guardou aquele rosário para sempre.

Concluindo, que mensagens o encontro transmite? (Que teve uma repercussão muito maior nos EUA que no exterior)
PAPA FRANCISCO
Encontra-se, privadamente, com seu amigo Yayo Grassi (à esquerda), um homem abertamente gay,
o qual trouxe o seu parceiro, Iwan Bagus (no centro da foto), bem vários outros amigos
até a Embaixada do Vaticano em Washington, em 23 de setembro de 2015

DUAS COISAS

Em primeiro lugar, não diz nada do que o Papa pensa dos homossexuais nem do que pensa sobre o matrimônio homossexual. Também as suas afirmações sobre o direito de objeção de consciência, referida na entrevista concedida no voo de volta para Roma, nunca fizeram referência ao caso de Kim Davis. Para compreender Francisco e a questão da homossexualidade na Igreja e na sociedade há os discursos, recentes como Papa e menos recentes como bispo e cardeal. O Sínodo dos bispos que se abre no domingo [04/10/2015] em Roma falará sobre isto.

Em segundo lugar, o encontro entre o Papa e Kim Davis confirma os riscos correlatos à visita de Francisco num país onde os liberais progressistas fazem um esforço para compreender o Papa e onde os conservadores tradicionalistas o entendem bem e tentam calar a mensagem e emitir sinais de confusão, que paradoxalmente são acolhidos mais pelos liberais progressistas que pelos tradicionalistas (que sabem muito sobre o poder na Igreja). A luta interna na Igreja acerca da novidade do pontificado é um elemento essencial para compreender o Papa em geral, e hoje Francisco.

A coisa alarmante – para quem vive a Igreja e conhece o seu tecido institucional – é a tentativa cínica e despudorada de usar a pessoa do papa para marcar um gol ideológico a favor dos opositores do Papa.

Não é estranho que o façam Kim Davis e os seus advogados, mas o estranho é que isto é feito por membros da Igreja – em alguns casos também nas instâncias do poder eclesiástico. O desafio de Francisco é reorientar a Igreja, à luz das questões atuais, sem usar o método de expurgos [dos adversários] e sem nomear os "entusiastas de Bergoglio" para os postos-chave no governo da Igreja. A misericórdia do Papa Francisco se estende também aos opositores.

O incidente de Kim Davis faz parte de um cenário mais amplo da luta entre o pontificado da reforma com misericórdia e um leninismo clerical agonizante.

Traduzido do italiano pelo IHU On-Line. Para acessar a versão original deste artigo, clique aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 2 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.

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