O que acontece com nossa governante?
Desconstruindo Dilma
Entrevista
com Tales Ab'Sáber
Psicanalista,
escritor e professor da Universidade Federal de S. Paulo (Unifesp)
André de
Oliveira
No calor do momento, escritor propõe reflexão
psicanalítica para se pensar
a trajetória política da presidente e os rumos do
governo
Na
semana em que as contas do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff foram
rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União, a temperatura política do País
aumentou significativamente. Pela primeira vez desde o início do segundo
mandato, o impeachment apareceu no
horizonte como uma possibilidade real. O calor do momento, contudo, representa
para o psicanalista Tales Ab’Sáber o
instante mais necessário e ideal para se discutir o Brasil e seus rumos.
Com
o livro Dilma Rousseff e o Ódio Político,
editado pela Hedra e disponível para
venda em formato digital e pré-venda em papel, Ab’Sáber busca traçar um perfil
psicológico da presidente - coisa que já tinha feito com Lula em Lulismo, Carisma Pop e Cultura Anticrítica,
no fechamento dos oito anos de governo do ex-presidente. A ideia é explicar como as características de Dilma, somadas às
conjunturas do País, a conduziram ao estado de isolamento político em que se
encontra.
Para
o psicanalista, o livro faz uso de um aspecto pouco explorado pela sociologia
política - a personalidade dos
governantes -, que pode ajudar a ampliar a discussão, oferecendo diferentes
perspectivas. A seguir os principais trechos da entrevista.
Quais
traços da personalidade da presidente são identificáveis no modo de ela
governar?
Tales Ab’Sáber: A presidente tem uma
posição singular na esquerda brasileira. Ela não participou da dinâmica de
formação do PT, veio do PDT de Leonel Brizola, e sempre teve o perfil de uma pessoa técnica agregada à política.
Isso significa que, de algum modo, desde
a origem, a presidente sofre de certo isolamento político. O problema é
estrutural e anterior à crise que o governo está vivendo agora. O jeito dela
governar é tomando decisões a partir do gabinete. Ela manda mais do que negocia. É uma tecnocrata de esquerda com um traço extremamente controlador, que
fica claro na sua dificuldade de liderar
negociações. Dentro e fora do governo. Aliás, nesse ponto ela é semelhante
ao José Serra, seu adversário original em 2010. Os dois descendem de uma longa
tradição originária do discurso positivo, técnico, científico. Fazem parte de
uma “região” simbólica, subjetiva e sociológica bem brasileira. São tecnocratas, descendentes de um positivismo
que acalentava a fantasia da existência de um sentido racional capaz de botar
ordem no País. E que, por isso, é também muito autoritária. No caso da presidente, sua formação é completamente de
oposição aos militares, mas, curiosamente, ela carrega esse traço de tecnocrata
que eles também tinham.
O
Lula, então, é o oposto dela nesse sentido?
Tales Ab’Sáber: Sim. O Lula, como o grande
negociador que é, era muito mais flexível e carregava menos certezas. Ele
deixava as forças sociais agirem através dele, organizava os poderes reais, mas
não impunha uma forma a eles. A Dilma,
por sua vez, não tem a experiência da negociação. Esses elementos não eram
uma garantia do seu isolamento, mas são traços que poderiam levá-la até ele. No
começo do primeiro mandato até existiu uma fantasia marqueteira em que ela
aparecia como uma espécie de rainha, uma matriarca que conseguiria organizar a
política de forma dura. Mas uma faxina no segundo mês de governo nunca é uma
coisa saudável. É uma catástrofe política. Mesmo porque faz-se a faxina, mas se
mantêm os mesmos partidos, o mesmo modo de operar.
A
aprovação de Dilma era alta. Houve a reeleição e, depois, uma queda abrupta. O
que explica essa queda?
Tales Ab’Sáber: São duas coisas. Em 2012, quando o governo trabalhou
fortemente para diminuir os juros, aconteceu um racha com parte da riqueza
nacional. A partir daí, setores até contraditórios, como financistas e industriais, se uniram em
torno de um discurso geral contra o governo. Foi a quebra de um pacto
estabelecido pelo lulismo. Depois teve
junho de 2013, o grande mistério da política brasileira. Num primeiro momento, foi a batalha de
jovens da esquerda independente por um ponto específico: transporte público
gratuito. Num segundo momento, depois
de uma repressão violentíssima, principalmente da polícia paulista, em que a
vida cidadã foi reprimida, virou um movimento pela democracia. Por fim, num intervalo de poucos dias, a
crítica à esquerda caiu no colo da direita. Em junho de 2013, já com o discurso
do grande capital contrário à política econômica do governo, que começara a ser
forjado em 2012, a direita descobriu a
rua.
Por
que todas essas questões confluíram para aquele momento?
Tales Ab’Sáber: Foi quando o “keynesianismo de consumo” dos governos
Lula e Dilma estava deixando de ser viável. O governo não podia mais bancar
isso, inclusive por causa de uma crise mundial do capital. O governo não soube
manejar, não soube evoluir com as novas condições. E é justamente nesse momento de ruptura de um pacto muito bem
resolvido com o alto capital, que as críticas econômicas liberam as forças
antipetistas na vida social. É um movimento político complexo que acabou por
também liberar muitas vozes diferentes, inclusive a da arcaica tradição
antipopular e antidesenvolvimento social brasileira. O preocupante é que essas
vozes têm aparecido, muitas vezes, na forma de um anticomunismo alucinatório,
que joga bomba e folheto em funeral. E como explicar um movimento anticomunista
em pleno 2015? Entre outras coisas, isso
é fruto de um conflito não resolvido. Não
resolvemos direito nossa transição democrática, porque os nossos homens de
negócio estavam envolvidos com a ditadura e isso é constantemente esquecido,
escondido. Mas o pior é que parte da oposição tem se escorado nesse ódio
alucinatório, buscado forças nele para bater no governo e, assim, também acaba
alimentando-o. Isso é muito ruim, porque distorce as coisas. A crise econômica
é grave? É. Mas a politização torna o problema maior do que é. O Brasil já
esteve muito mais quebrado do que agora. E a política do primeiro mandato, de
segurar o mercado interno aquecido, em um momento de crise mundial, conseguiu
segurar o desemprego em 4,5% até o ano passado. No entanto, agora essas ações
foram jogadas no lixo como se elas nunca tivessem existido.
Por
que o sr. acha que, além abandonar essas ações, o governo nem sequer fala mais
delas?
Tales Ab’Sáber: Isso é um enigma. Existia
uma política orientada para um sentido e essa política, de algum modo, se
tornou derrotada e inviável. Mas foi por isso, e não por outro motivo, que a
Dilma foi reeleita. O efeito favorável
daquela política se esgotou. Mas por que ninguém sequer fala dela? A
política manteve o País animado até o ano passado! É nesse ponto que falta a força da voz esclarecedora da
governante. Ela deveria falar, mostrar para a vida pública o que e por que
está fazendo. Essa voz não veio nos momentos em que foi mais necessária.
E
qual será o desenlace dessa crise?
Tales Ab’Sáber: Com a liquidação política
da ação da presidente, o Lula entrou em cena. E, como ele é muito hábil, em 15
dias costurou um acordo com o PMDB. Só que a partir daqui tudo é imprevisível.
Existe um grupo tentando forçar um impeachment
desde o primeiro mês de governo. Quer dizer, ela tinha acabado de ser eleita
com 54 milhões de votos e já se falava em impedimento. Isso demonstra uma falta
de maturidade democrática imensa, que acabou por fornecer muito poder para quem
detinha apenas pequenos fragmentos de poder. O Tribunal de Contas da União, por
exemplo, que é um órgão de assessoria da Câmara, totalmente político,
constituído e escolhido por políticos, agora tem o poder de fazer com que um
processo de impedimento siga em frente. A minha suposição, contudo, é de que o
processo de impeachment não interessa
a ninguém sério, nem à oposição, porque entregaria o país ao incerto. Em um determinado
cenário, até o Eduardo Cunha, denunciado ao STF por corrupção e lavagem de
dinheiro, com contas secretas descobertas na Suíça, assumiria como presidente
do Brasil. A quem interessa isso? No entanto, a tática da oposição parece ser a
de manter o governo na corda o tempo inteiro, sem espaço para governar. Só que
isso, somado à fragmentação das forças políticas, pode acabar por sair do
controle e não seria nada bom para a nossa democracia se esse precedente fosse
aberto.
L
I V R O
Título:
Dilma Rousseff e o Ódio Político
Autor:
Tales Ab’Sáber
Editora:
Hedra
Páginas:
76
Preço:
R$ 24,90
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