«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

O que significa afirmar que o matrimônio é indissolúvel?

Gramática do divórcio:
não desatável não significa irrompível

Juan Masiá Clavel*
JUAN MASIÁ CLAVEL
Teólogo moralista jesuíta espanhol

Os padres sinodais se reúnem este mês em Roma para falar da família. Conviria repassar a gramática dos particípios ou adjetivos verbais para evitar mal-entendidos sobre indissolubilidade e indissolúvel, entre «não se deve romper», «irrompível» e «rompido».

A indissolubilidade do matrimônio (non dissolvendum, que não deveria romper-se) não significa que seja «irrompível». Não é incompatível a defesa da indissolubilidade com o reconhecimento das rupturas e a acolhida eclesial misericordiosa das pessoas divorciadas e casadas de novo.

Outro dia, um bispo contrário à reforma dizia que «nem sequer o Papa pode anular um matrimônio indissolúvel». Com o devido respeito, permita-me corrigir o uso da linguagem sobre «indissolubilidade» ou «anulação». Não se trata de questionar a indissolubilidade como meta ideal, vocação, promessa e dever de cumpri-la (isso é o que disse a maioria dos padres sinodais em 2014). Tampouco, trata-se de anular ou não anular, mas de reconhecer como rompido o que se rompeu e, se a ruptura é irreparável e não se pode recompor, fazer todo bem que se possa para recompor a vida de cada uma das pessoas, curar as feridas que tenham ficado abertas ou, se for o caso, absolver a quem lamenta a ruptura do que «não se devia dissolver», mas se rompeu irreparavelmente.

Explicar-se-ia na aula de ética elementar para o jardim de infância através da história-parábola do pequeno relógio oferecido como um presente de casamento, que assim diz:

«Os pais da noiva presentearam os cônjuges com dois relógios distintos: de marca suíça, valiosíssimos, um relógio para toda a vida, à prova até de inundações e terremotos, e com o nome dos esposos e data de casamento. Mas, quando saem em viagem de lua-de-mel, conduzindo seu próprio automóvel, sofrem um acidente do qual escapam ilesos, porém os dois relógios ficam parados irreversivelmente. Não ficaram estilhaçados... no entanto, levando-os ao relojeiro, se confirma que não têm conserto. Os relógios eram para toda a vida, tinham garantia, preparados e prometidos para sê-lo, porém... não eram absolutamente inquebráveis. Que pensaríamos se fosse negado a este casal levar outro relógio e se sentissem obrigados a conviver, por toda sua vida, com aqueles relógios que não marcam mais as horas nem têm conserto?».

Até aqui, a parábola. Por favor, não me levem a mal, como se comparássemos pessoas com objetos, nem muito menos, os esposos com relógios; o ponto de comparação é somente a diferença entre «o que não se deve romper» e o que «se pode romper», entre o «chamado a não romper-se» e «o não irrompível».

Em latim, seria mais claro distinguir com o uso do gerúndio  «–ndum» e o adjetivo verbal em «–bilis». Por exemplo, meu inimigo, a quem se supõe que devo amar evangelicamente, é amandus, isto é, deve ser amado, porém lamentavelmente não é amabilis, não é amável e não é possível querê-lo e me custa amá-lo, o mais que consigo é rezar por ele (como recomenda Mateus 5,44 e Lucas 6,28).

Outro exemplo, non corrumpendum é o que «não se deve ou não se há de corromper», e corruptibilis, o que «se pode corromper». Reconhecer que os alimentos congelados do supermercado se corromperam ao serem conservados fora da geladeira e, consequentemente, que se há de substituí-los, é compatível com seguir sustentando que não se deve deixá-los que se corrompam e que devemos ter mais cuidado da próxima vez.

Seguir defendendo a indissolubilidade [do matrimônio] é compatível com a acolhida eclesial das pessoas que sofreram a ruptura e estão recompondo sua vida.

Ao invés de dizer que o matrimônio é indissolúvel, deveríamos dizer que é non solvendum, isto é, que não se deve dissolverNão separem os humanos a união dos cônjuges que Deus deseja», disse Jesus em Mateus 19,6, ou seja, a união que irão construir os cônjuges ao longo da vida). Os cônjuges convertem sua união em inseparável quando, ao envelhecerem juntos, finalmente alcançam a indissolubilidade, que não é uma propriedade do matrimônio gravada como moeda no dia do casamento, mas uma meta a alcançar mediante o cumprimento da promessa.

No entanto, dizer que o matrimônio é non solvendum, que não se deve ou não se há de dissolver, não quer dizer que seja inquebrável, como nem sequer é um relógio water-proof ou bomb-proof (à prova de inundações ou à prova de bombas).

Portanto, a afirmação e defesa da indissolubilidade como «meta, dom e tarefa» (sobre a qual falavam os padres sinodais no ano passado) é compatível com o reconhecimento de que, «lamentavelmente, não é inquebrável» (como diziam, no ano 2000, os bispos japoneses e vem propondo desde o Sínodo de 1980 o arcebispo de Tóquio, Dom Shirayanagi Seiichi, entre outros).

É compatível seguir propondo e animando a construir a indissolubilidade ao longo da vida dos esposos e, ao mesmo tempo, reconhecer a realidade das rupturas, curar (ou, no caso, perdoar) as feridas que necessitem de cura (ou as culpas, no caso de que elas existam e necessitem perdão), acompanhar pastoralmente às pessoas no caminho de recompor sua vida e acolhê-las sacramentalmente com o estilo misericordioso de Jesus.
Cardeal Walter Kasper - teólogo alemão e, ao lado, o seu livro
"O Evangelho da família" - Edições Paulinas - Portugal

Como dizia, ontem, o arcebispo Osoro [de Madri, Espanha] para desfazer os mal-entendidos sobre a proposta pastoral do Papa Francisco, «deve-se ver tudo aquilo que ele disse sobre a família sendo arcebispo de Buenos Aires. Se os que dizem coisas diferentes o lessem, assinariam claramente o que propõe Francisco».

E, como expressava já há algum tempo, o cardeal Walter Kasper em O Evangelho da família [publicado em 2014 por Edições Paulinas, Portugal]: «Se excluímos dos sacramentos os cristãos divorciados que voltaram a se casar e estão dispostos a aproximar-se deles, não colocamos em risco a fundamental estrutura sacramental da Igreja? Para que servem, então, os sacramentos?».

* JUAN MASIÁ CLAVEL é padre jesuíta, Professor de Ética na Universidade Sophia de Tóquio (Japão) desde 1970, ex-Diretor da Cátedra de Bioética da Universidade Pontifícia de Comillas, assessor da Associação de Médicos Católicos do Japão, conselheiro da Associação de Bioética do Japão, pesquisador do Centro de Estudos sobre a Paz da seção japonesa da Conferência Mundial de Religiões pela Paz (WCRP), colaborador do Centro Social “Pedro Claver” da Companhia de Jesus (jesuítas), em Tóquio.

Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: Religión Digital – Blog de Juan Masiá Clavel – 02/10/2015 – 15h54 – Internet: clique aqui.

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