«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Francisco anuncia a urgência de “uma sã descentralização” da Igreja e uma “conversão do Papado”

Jesús Bastante
Religión Digital
17-10-2015

 “A única autoridade, também a do Bispo de Roma, é a do serviço:
o único poder é o poder da cruz...
O caminho da sinodalidade é o que Deus espera para a
Igreja no terceiro milênio.”
afirmou papa Francisco
PAPA FRANCISCO
Pronuncia um discurso histórico no qual define que deseja uma "Igreja sinodal",
isto é, uma Igreja em que todos sejam ouvidos e escutem,
uma Igreja em que as decisões sejam compartilhadas e o poder seja serviço.

Aula Paulo VI (Vaticano), sábado, 17 de outubro de 2015

E, de imediato, soprou o Espírito na metade da Aula Paulo VI. Com todos os Padres Sinodais, e durante a celebração do 50º aniversário do Sínodo dos Bispos, o Papa Francisco anunciou a urgência de “uma sadia descentralização” da Igreja que leve a “uma conversão do Papado” e da autoridade na Igreja, onde se escute, primeiro e acima de tudo, o povo de Deus, “que participa da função profética de Cristo”.

Francisco entrou na aula enquanto o coro entoava “Heal the World” [Cure o Mundo], o hino que Michael Jackson compôs para lutar por um mundo mais unido contra as injustiças. Era raro escutar o “rei do pop” na Aula Paulo VI, mas logo surgiu uma anedota quando, após uma espécie de intermináveis intervenções (desde Baldisseri e Schönborn, passando por representantes das igrejas dos cinco continentes), Bergoglio tomou a palavra para assinalar que “a única autoridade, também a do Bispo de Roma, é a do serviço: o único poder é o poder da cruz”.

“Desde o início do meu ministério como Bispo de Roma eu quis valorizar o Sínodo, uma das heranças mais bonitas do Concílio Vaticano II”, iniciou o Papa, destacando a beleza da “colegial responsabilidade pastoral”. “O mundo no qual vivemos e onde somos chamados a servir, mesmo com suas contradições, exige da Igreja potenciar as sinergias, em todos os âmbitos de sua missão”, sublinhou, indicando que “o caminho da sinodalidade é o que Deus espera para a Igreja no terceiro milênio”.

Um caminho cujo significado “está contido na palavra ‘Sínodo’. Caminhar juntos: leigos, pastores, bispo de Roma. É um conceito fácil de expressar as palavras, mas difícil de levar à prática”, constatou Bergoglio, o qual deixou claro, face aos profetas de desventuras e os peritos em descartes, que “o Povo de Deus está constituído por todos os batizados, chamados a um sacerdócio santo”.

Trata-se da “infalibilidade dos que creem”, do povo santo, ao qual já se referira Bergoglio na Evangelii Gaudium. “O povo de Deus é santo em razão desta unção que o torna infalível. Qualquer batizado, seja qual for sua função na Igreja, ou seu grau de instrução, é um sujeito ativo de evangelização. É inadequado um esquema de evangelização com ‘atores qualificados’; no qual o restante do povo de Deus seja mero receptor de suas ações”, criticou o Papa, que recordou que o “sensus fidei” impede “separar rigidamente os mestres e os discípulos”. É por isso que “quis consultar o Povo de Deus” nos questionários que precederam o Sínodo da Família.

“Uma consulta de nenhum modo poderia bastar para escutar o ‘sensus fidei’. Mas, não é possível falar de família sem interpelar as famílias, ver suas dores, esperanças e angústias”, justificou Francisco, o qual acrescentou que através das respostas aos dois questionários “tivemos a possibilidade de escutar pelo menos algumas dessas questões que a tocam acerca da qual e sobre a qual têm tanto a dizer”.

"Uma Igreja sinodal é uma Igreja que escuta. Escutar e sentir. É uma escuta recíproca: povo fiel, colégio episcopal, bispo de Roma. Uns escutando os outros e todos à escuta do Espírito Santo, o Espírito de verdade, para saber o que diz Ele à Igreja”.

Neste ponto, “o Sínodo de Bispos é o ponto de convergência deste dinamismo”. “O caminho sinodal se inicia escutando o povo, que pode participar na função profética de Cristo, seguindo o princípio da Igreja do primeiro milênio. O caminho continua escutando os pastores através dos Padres Sinodais, autênticos responsáveis e intérpretes da fé de toda a Igreja, que devemos saber distinguir da espessura da opinião pública”.

“Na véspera do Sínodo do ano passado – recordou o Papa -, afirmava que pelo Espírito Santo, tenhamos o dom da escuta. Escuta de Deus, para ouvir o grito do povo. Escuta do povo, para respirar a vontade à qual Deus nos chama”.
PAPA FRANCISCO
Discursando durante cerimônia de comemoração do
50º Aniversário de Instituição do Sínodo dos Bispos
Vaticano, 17 de outubro de 2015

Finalmente, o caminho sinodal “culmina na escuta do Bispo de Roma, chamado a pronunciar-se como pastor de todos os cristãos, não a partir de sua pessoal convicção, mas sim como supremo garante da obediência e conformidade da Igreja à vontade de Deus, ao Evangelho de Cristo e à tradição da Igreja”, explicou o Papa.

“O  fato de que o Sínodo atue sempre cum Petro et sub Petro – não só cum Petro, também sub Petro – não é uma limitação da liberdade, senão uma garantia da unidade”, a Igreja ”é necessária para entender o ministério hierárquico. “Se sustentamos que Igreja e Sínodo são sinônimos, nenhum pode ser elevado por cima do outro. Na Igreja é necessário que qualquer um se abaixe para estar a serviço dos irmãos durante o caminho”. Do Papa até os fiéis.

“Jesus constituiu a Igreja pondo em seu vértice o colégio apostólico, no qual Pedro é a rocha que deve confirmar seus irmãos na fé. Porém nesta Igreja, como numa pirâmide dada a volta, o vértice se coloca no lugar da base, por isso os que exercem a autoridade se chamam “ministros”, porque são os mais pequenos de todos. Servindo ao povo de Deus”, recordou o Papa aos bispos. E colocou a si mesmo como exemplo, como vigário de Cristo, “vigário do mesmo Jesus que na Última Ceia se rebaixou a lavar os pés dos apóstolos”.

“Os sucessores de Pedro não são senão os servos dos servos de Deus”, recordou o Papa. E foi além: “a única autoridade é a autoridade do serviço, o único poder é o poder da cruz”. As palavras de Jesus, ‘Quem quiser ser o primeiro, seja o servidor”, resultam fundamentais.

“Aqui radica o ministério da Igreja”, sublinhou. “Numa Igreja sinodal o Sínodo de Bispos é somente a manifestação mais evidente de um dinamismo de comunhão que inspira todas as decisões eclesiais (...). Assim, o Sínodo, que representa o episcopado católico, se converte em expressão da colegialidade episcopal, dentro de uma Igreja toda sinodal”, reclamou Francisco, que pôs como exemplo as igrejas particulares, as províncias e regiões episcopais, as conferências episcopais... e o Papado.

“Numa Igreja sinodal não é oportuno que o Papa substitua o episcopado local no discernimento de cada problemática. Neste sentido, vejo a necessidade de se proceder a uma saudável descentralização”, proclamou Francisco, arrancando a única ovação que interrompeu o seu discurso.

Por isso, o Papa mostrou seu empenho em “edificar uma Igreja sinodal em missão, à qual todos sejamos chamados, segundo a função que o Senhor nos diga”. Leigos, bispos, Papa de Roma. Com implicações ecumênicas, que implicam o próprio “exercício do primado petrino”.

“Estou convencido de que, numa Igreja sinodal, também o exercício do primado petrino receberá maior luz. O Papa não está por si mesmo, por cima da Igreja, e sim dentro dela como batizado entre batizados; dentro do colégio episcopal como bispo de bispos, e chamado, por sua vez, como sucessor de Pedro, a guiar a Igreja de Roma, a qual preside no amor a toda a Igreja”.

Por isso, ele reclamou “a necessidade, a urgência de pensar numa conversão do Papado”, para chegar “a uma igreja sinodal num mundo que invoca a participação, a solidariedade e a transparência”.

“Como Igreja que caminha junto aos homens, participe dos trabalhos da História, custodiamos o sonho da dignidade inviolável do povo e do serviço da autoridade, poderão ajudar-nos a que a sociedade civil se edifique na justiça e na fraternidade, gerando um mundo mais belo para as gerações posteriores”, concluiu, num discurso histórico.


Traduzido do espanhol por Benno Dischinger. Para acessar a versão original deste artigo, clique aqui.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Segunda-feira, 19 de outubro de 2015 – Internet: clique aqui.


COMEMORAÇÃO DO CINQUENTENÁRIO DA INSTITUIÇÃO DO
SÍNODO DOS BISPOS
DISCURSO DO SANTO PADRE FRANCISCO

Sala Paulo VI – Vaticano
Sábado, 17 de Outubro de 2015 

Beatitudes, Eminências, Excelências, Irmãos e Irmãs!

A comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, em pleno andamento da Assembleia Geral Ordinária, é para todos nós motivo de alegria, louvor e agradecimento ao Senhor. Desde o Concílio Vaticano II até à atual Assembleia, temos vindo a experimentar de forma cada vez mais intensa a necessidade e a beleza de «caminhar juntos».

Nesta feliz circunstância, desejo saudar cordialmente o Senhor Cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário-Geral, juntamente com o Subsecretário D. Fabio Fabene, os oficiais, os consultores e restantes colaboradores da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, pessoas que, nos bastidores, trabalham todos os dias pela noite adentro. Juntamente com eles, saúdo e agradeço pela sua presença os padres sinodais, os outros participantes na Assembleia em curso e ainda quantos estão presentes nesta Sala.

Neste momento, queremos recordar também aqueles que, ao longo de cinquenta anos, trabalharam ao serviço do Sínodo, começando pelos sucessivos Secretários-Gerais: os Cardeais Władysław Rubin, Jozef Tomko, Jan Pieter Schotte e o Arcebispo Nikola Eterović. Aproveito esta ocasião para expressar do fundo do coração a minha gratidão a quantos, vivos ou mortos, contribuíram com generoso e competente empenho para o desenrolar da atividade sinodal.

Desde o início do meu ministério como Bispo de Roma, pretendi valorizar o Sínodo, que constitui um dos legados mais preciosos da última sessão conciliar. [1] Segundo o Beato Paulo VI, o Sínodo dos Bispos devia repropor a imagem do Concílio Ecumênico e refletir o seu espírito e o seu método. [2] O mesmo Pontífice previa que o organismo sinodal, «com o passar do tempo, poderia ser aperfeiçoado». [3] Fazia-lhe eco, vinte anos depois, São João Paulo II ao afirmar que «talvez este instrumento possa tornar-se ainda melhor. Talvez a responsabilidade colegial possa expressar-se no Sínodo de uma forma ainda mais plena». [4] Por fim, em 2006, Bento XVI aprovava algumas variações no Ordo Synodi Episcoporum, à luz também das disposições do Código de Direito Canônico e do Código dos Cânones das Igrejas Orientais, nesse ínterim promulgados. [5]

Devemos continuar por esta estrada. O mundo, em que vivemos e que somos chamados a amar e servir mesmo nas suas contradições, exige da Igreja o reforço das sinergias em todas as áreas da sua missão. O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milênio.

* * *

Aquilo que o Senhor nos pede, de certo modo está já tudo contido na palavra «Sínodo». Caminhar juntos – leigos, pastores, Bispo de Roma – é um conceito fácil de exprimir em palavras, mas não é assim fácil pô-lo em prática.

Depois de ter reafirmado que o Povo de Deus é constituído por todos os batizados chamados a «serem casa espiritual, sacerdócio santo», [6] o Concílio Vaticano II proclama que «a totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cf. 1Jo 2,20.27), não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do Povo todo, quando este, desde os bispos até ao último dos leigos fiéis, manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes». [7] Aquele famoso infalível «in credendo»: não pode enganar-se na fé.

Na exortação apostólica Evangelii gaudium, sublinhei como «o povo de Deus é santo em virtude desta unção, que o torna infalível “in credendo”», [8] acrescentando que «cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas ações». [9] O sensus fidei impede uma rígida separação entre Ecclesia docens e Ecclesia discens [trad.: Igreja docente / que ensina = hierarquia e Igreja discente / que aprende = os leigos], já que também o Rebanho possui a sua «intuição» para discernir as novas estradas que o Senhor revela à Igreja. [10]

Foi esta convicção que me guiou ao querer que o Povo de Deus fosse consultado na preparação do duplo encontro sinodal sobre a família, como habitualmente se tem feito e faz com qualquer «Lineamenta». Certamente, uma consulta do gênero não poderia de modo algum ser suficiente para auscultar o sensus fidei [trad.: sentido da fé]. Mas, como teria sido possível falar da família sem interpelar as famílias, auscultando as suas alegrias e as suas esperanças, os seus sofrimentos e as suas angústias? [11] Através das respostas aos dois questionários enviados às Igrejas particulares, tivemos a possibilidade de ouvir pelo menos algumas delas a propósito de questões que lhes tocam de perto e sobre as quais têm muito a dizer.

Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, ciente de que escutar «é mais do que ouvir». [12] É uma escuta recíproca, onde cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio Episcopal, Bispo de Roma: cada um à escuta dos outros; e todos à escuta do Espírito Santo, o «Espírito da verdade» (Jo 14,17), para conhecer aquilo que Ele «diz às Igrejas» (Ap 2,7).

O Sínodo dos Bispos é o ponto de convergência deste dinamismo de escuta, efetuado a todos os níveis da vida da Igreja. O caminho sinodal começa por escutar o povo, que «participa também da função profética de Cristo», [13] de acordo com um princípio caro à Igreja do primeiro milênio: «Quod omnes tangit ab omnibus tractari debet» [trad.: Tudo deve ser tratado por todos]. O caminho do Sínodo continua escutando os pastores. Através dos padres sinodais, os bispos agem como autênticos guardiões, intérpretes e testemunhas da fé de toda a Igreja, que devem saber cuidadosamente distinguir dos fluxos frequentemente mutáveis da opinião pública. Na véspera do Sínodo do ano passado, afirmava: «Para os padres sinodais pedimos antes de mais nada, do Espírito Santo, o dom da escuta: escuta de Deus até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo, até respirar nele a vontade a que Deus nos chama». [14] Finalmente, o caminho sinodal culmina na escuta do Bispo de Roma, chamado a pronunciar-se como «Pastor e Doutor de todos os cristãos»: [15] não a partir das suas convicções pessoais, mas como suprema testemunha da fides totius Ecclesiae [trad.: fé de toda a Igreja], «garante da obediência e da conformidade da Igreja com a vontade de Deus, o Evangelho de Cristo e a Tradição da Igreja». [16]

O fato de o Sínodo agir sempre cum Petro et sub Petro [trad.: com Pedro e sob Pedro] – por conseguinte, não só cum Petro, mas também sub Petronão é uma restrição da liberdade, mas uma garantia da unidade. Com efeito, o Papa é, por vontade do Senhor, «perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos bispos, mas também da multidão dos fiéis». [17] Ligado a isto está o conceito de «ierarchica communio» [trad.: comunhão hierárquica], usado pelo Concílio Vaticano II: os bispos estão unidos ao Bispo de Roma pelo vínculo da comunhão episcopal (cum Petro) e, ao mesmo tempo, estão hierarquicamente sujeitos a ele como Cabeça do Colégio (sub Petro). [18]

* * *

A sinodalidade, como dimensão constitutiva da Igreja, oferece-nos o quadro interpretativo mais apropriado para compreender o próprio ministério hierárquico. Se compreendermos que, como diz São João Crisóstomo, «Igreja e Sínodo são sinônimos», [19] – pois a Igreja nada mais é do que este «caminhar juntos» do Rebanho de Deus pelas sendas da história ao encontro de Cristo Senhor –, entenderemos também que dentro dela ninguém pode ser «elevado» acima dos outros. Pelo contrário, na Igreja, é necessário que alguém «se abaixe» pondo-se ao serviço dos irmãos ao longo do caminho.

Jesus constituiu a Igreja, colocando no seu vértice o Colégio Apostólico, no qual o apóstolo Pedro é a «rocha» (cf. Mt 16,18), aquele que deve «confirmar» os irmãos na fé (cf. Lc 22,32). Mas nesta Igreja, como numa pirâmide invertida, o vértice encontra-se abaixo da base. Por isso, aqueles que exercem a autoridade chamam-se «ministros», porque, segundo o significado original da palavra, são os menores no meio de todos. É servindo o Povo de Deus que cada bispo se torna, para a porção do Rebanho que lhe está confiada, vicarius Christi [trad.: vigário de Cristo = aquele que faz as vezes de Cristo], [20] vigário daquele Jesus que, na Última Ceia, Se ajoelhou a lavar os pés dos Apóstolos (cf. Jo 13,1-15). E, num tal horizonte, o Sucessor de Pedro nada mais é do que servus servorum Dei [trad.: servo dos servos de Deus]. [21]

Nunca nos esqueçamos disto! Para os discípulos de Jesus, ontem, hoje e sempre, a única autoridade é a autoridade do serviço, o único poder é o poder da cruz, segundo as palavras do Mestre: «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo» (Mt 20,25-27). «Não seja assim entre vós»: nesta frase, chegamos ao próprio coração do mistério da Igreja – «não seja assim entre vós» – e recebemos a luz necessária para compreender o serviço hierárquico.

* * *

Numa Igreja sinodal, o Sínodo dos Bispos é apenas a manifestação mais evidente dum dinamismo de comunhão que inspira todas as decisões eclesiais.

O primeiro nível de exercício da sinodalidade realiza-se nas Igrejas particulares [dioceses / arquidioceses / prelazias]. Depois de recordar a nobre instituição do Sínodo diocesano, no qual presbíteros e leigos são chamados a colaborar com o bispo para o bem de toda a comunidade eclesial, [22] o Código de Direito Canônico dedica amplo espaço aos habitualmente chamados «organismos de comunhão» da Igreja particular: o Conselho Presbiteral, o Colégio dos Consultores, o Cabido de Cônegos e o Conselho Pastoral. [23] Somente na medida em que estes organismos permanecerem ligados com «a base» e partirem do povo, dos problemas do dia-a-dia, é que pode começar a tomar forma uma Igreja sinodal: tais instrumentos, que por vezes se movem com fadiga, devem ser valorizados como ocasião de escuta e partilha.

O segundo nível é o das Províncias e das Regiões Eclesiásticas, dos Concílios Particulares e, de modo especial, das Conferências Episcopais. [24] Devemos refletir para se realizarem ainda mais, através destes organismos, as instâncias intermédias da colegialidade, talvez integrando e atualizando alguns aspectos do ordenamento eclesiástico antigo. O desejo do Concílio de que tais organismos possam contribuir para aumentar o espírito da colegialidade episcopal ainda não se realizou plenamente. Estamos a meio do caminho, com uma parte do caminho. Numa Igreja sinodal, como disse, «não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar “descentralização”». [25]

O último nível é o da Igreja universal. Aqui o Sínodo dos Bispos, representando o episcopado católico, torna-se expressão da colegialidade episcopal dentro duma Igreja toda sinodal. [26] Duas palavras diferentes: «colegialidade episcopal» e «Igreja toda sinodal». Isto manifesta a collegialitas affectiva [trad.: colegialidade afetiva], a qual pode mesmo tornar-se, nalgumas circunstâncias, «efetiva», que une os Bispos entre si e com o Papa na solicitude pelo Povo de Deus. [27]

* * *

O compromisso de edificar uma Igreja sinodal – missão a que todos somos chamados, cada qual na função que o Senhor lhe confia – está cheio de implicações ecumênicas. Por esta razão ainda recentemente, ao dirigir-me a uma delegação do patriarcado de Constantinopla, reafirmei a convicção de que «o exame atento do modo como se entrelaçam na vida da Igreja o princípio da sinodalidade e o serviço daquele que preside oferecerá uma contribuição significativa para o progresso das relações entre as nossa Igrejas». [28]

Estou convencido de que, numa Igreja sinodal, também o exercício do primado petrino poderá receber maior luz. O Papa não está, sozinho, acima da Igreja; mas, dentro dela, como batizado entre batizados e, dentro do Colégio Episcopal, como bispo entre os bispos, chamado simultaneamente – como Sucessor do apóstolo Pedro – a guiar a Igreja de Roma que preside no amor a todas as Igrejas. [29]

Ao mesmo tempo em que reitero a necessidade e a urgência de pensar «numa conversão do papado», [30] de bom grado repito as palavras do meu predecessor, o Papa João Paulo II: «Como Bispo de Roma sei bem (…) que a comunhão plena e visível de todas as Comunidades, nas quais em virtude da fidelidade de Deus habita o seu Espírito, é o desejo ardente de Cristo. Estou convicto de ter a este propósito uma responsabilidade particular, sobretudo quando constato a aspiração ecumênica da maior parte das Comunidades cristãs, e quando ouço a solicitação que me é dirigida para encontrar uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova». [31]

O nosso olhar estende-se também para a humanidade. Uma Igreja sinodal é como estandarte erguido entre as nações (cf. Is 11,12) num mundo que, apesar de invocar participação, solidariedade e transparência na administração dos assuntos públicos, frequentemente entrega o destino de populações inteiras nas mãos gananciosas de grupos restritos de poder. Como Igreja que «caminha junta» com os homens, compartilhando as dificuldades da história, cultivamos o sonho de que a redescoberta da dignidade inviolável dos povos e da função de serviço da autoridade poderá ajudar também a sociedade civil a edificar-se na justiça e na fraternidade, gerando um mundo mais belo e mais digno do homem para as gerações que hão de vir depois de nós. [32] Obrigado.

N O T A S

[1] Cf. FRANCISCO, Carta ao Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, Card. Lorenzo Baldisseri, por ocasião da elevação à dignidade episcopal do Subsecretário, Mons. Fabio Fabene, 1 de Abril de 2014.

[2] Cf. BEATO PAULO VI, Discurso no início dos trabalhos da I Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 30 de Setembro de 1967.

[3] BEATO PAULO VI, Motu proprio Apostolica sollicitudo, 15 de Setembro de 1965, proêmio.

[4] SÃO JOÃO PAULO II, Discurso no encerramento da VI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 29 de Outubro de 1983.

[5] Cf. AAS 98 (2006), 755-779.

[6] CONC. ECUM. VAT. II, Constituição dogmática Lumen gentium, 21 de Novembro de 1964, 10.

[7] Ibid., 12.

[8] FRANCISCO, Exortação apostólica Evangelii gaudium, 24 de Novembro de 2013, 119.

[9] Ibid., 120.

[10] Cf. FRANCISCO, Discurso no Encontro com os Bispos responsáveis do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) reunidos em Comissão de Coordenação, Rio de Janeiro, 28 de Julho de 2013, 5, 4; IDEM, Discurso no Encontro com o Clero, Pessoas de Vida Consagrada e Membros dos Conselhos Pastorais, Assis, 4 de Outubro de 2013.

[11] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Constituição pastoral Gaudium et spes, 7 de Dezembro de 1965, 1.

[12] FRANCISCO, Exortação apostólica Evangelii gaudium, 171.

[13] CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Constituição dogmática Lumen gentium, 12.

[14] FRANCISCO, Discurso na Vigília de Oração de preparação para o Sínodo sobre a Família, 4 de Outubro de 2014.

[15] CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO I, Constituição dogmática Pastor Aeternus, 18 de Julho de 1870, cap. IV: Denz. 3074. Cf. Código de Direito Canônico, cân. 749, § 1.

[16] FRANCISCO, Discurso na conclusão da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, 18 de Outubro de 2014.

[17] CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Constituição dogmática Lumen gentium, 23. Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO I, Constituição dogmática Pastor Aeternus, Prólogo: Denz. 3051.

[18] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Constituição dogmática Lumen gentium, 22; Decreto Christus Dominus, 28 de Outubro de 1965, 4.

[19] SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, Explicatio in Psalmos, 149: PG 55, 493.

[20] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Constituição dogmática Lumen gentium, 27.

[21] Cf. FRANCISCO, Discurso na conclusão da III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, 18 de Outubro de 2014.

[22] Cf. Código de Direito Canônico, câns. 460-468.

[23] Cf. ibid., câns. 495-514.

[24] Cf. ibid., câns. 431-459.

[25] FRANCISCO, Exortação apostólica Evangelii gaudium, 16. Cf. ibid., 32.

[26] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Decreto Christus Dominus, 5; Código de Direito Canônico, câns. 342-348.

[27] Cf. SÃO JOÃO PAULO II, Exortação apostólica pós-sinodal Pastores gregis, 16 de Outubro de 2003, 8.

[28] FRANCISCO, Discurso à Delegação Ecumênica do Patriarcado de Constantinopla, 27 de Junho de 2015.

[29] Cf. SANTO INÁCIO DE ANTIOQUIA, Epistula ad Romanos, Proêmio: PG 5, 686.

[30] FRANCISCO, Exortação apostólica Evangelii gaudium, 32.

[31] SÃO JOÃO PAULO II, Carta encíclica Ut unum sint, 25 de Maio de 1995, 95.

[32] Cf. FRANCISCO, Exortação apostólica Evangelii gaudium, 186-192; Carta encíclica Laudato si’, 24 de Maio de 2015, 156-162.


Fonte: Santa Sé – Francisco – Discursos – 2015 – Outubro – Internet: clique aqui.

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