A raiva sadia da sociedade civil brasileira
Juan Arias
Melhor uma sociedade com raiva, inclusive dividida em
suas opiniões, que uma apática ou sem vontade de lutar, o melhor cheque em
branco para os governantes
B R A S Í L I A Praça dos Três Poderes - vista dos céus sobre a cidade |
O mundo está olhando para o Brasil. A
imprensa internacional se pergunta se é verdade que o colosso da América Latina
está quebrado.
Olhava para o país antes, quando era visto
como a nova Meca, e o analisa hoje, quando parece que os deuses o abandonaram.
Durante o milagre, até meus amigos espanhóis
queriam correr para trabalhar e viver aqui. O Brasil era um sonho.
Hoje o país vive uma de suas maiores crises,
não só econômica, mas até de identidade, de ética e estética, como escreve Eliane Brum em sua magnífica coluna Tupi or not to be [clique aqui para ler].
Talvez o Brasil então nem tivesse chegado ao
ápice, nem hoje se precipitou irremediavelmente no inferno de uma crise sem
esperança.
Talvez nos
anos dourados de Lula, sob a magia da caravana de milhões de pobres resgatados
da miséria, faltaram as grandes reformas
estruturais que impedissem a crise no futuro.
E hoje, talvez, aqueles que acreditam que o
Brasil está rodando para o abismo não consigam ver que a crise poderia marcar o tempo das reformas (começando pela do
Estado) que ninguém até agora foi capaz de enfrentar e que agora se tornaram
indispensáveis e urgentes para resgatar o país da crise.
O grande protagonista do possível resgate do
Brasil é hoje, sem dúvida, a sociedade
civil com seu despertar (até mesmo agressivo), sua rejeição unânime aos corruptos e sua falta de piedade com a classe política, que com maior ou menor
responsabilidade paralisou e apequenou o país.
Há quem acuse a sociedade de ter permanecido
adormecida enquanto a classe política mergulhava na corrupção. E talvez essa letargia, que retardou o nascimento dos indignados, também
teve sua parcela de responsabilidade. [Letargia
= estado de profunda e prolongada
inconsciência, semelhante ao sono profundo].
Hoje, no
entanto, essa sociedade ainda conservadora, mas indignada, com raiva, dividida
entre as possíveis saídas para a crise, a favor ou contra a destituição presidencial (impeachment), é o que existe de mais vivo neste país.
Uma sociedade
que descobriu que os representantes que elegeu para o Congresso se assemelham
mais a um circo do que a um Parlamento, com uma boa maioria de congressistas envolvida na
corrupção, alheia às reformas que o país necessita.
O que está
acontecendo no Brasil é uma epifania [manifestação/revelação] da sociedade, que hoje está convencida de que o país representado
por aqueles que elegeu não é o que hoje escolheria, e grita: “Fora todos eles!”
É um
pleonasmo, mas retrata que o tecido social não é hoje, como foi no passado, o
espelho da mediocridade dos políticos.
O assombro
que hoje produz nos brasileiros a corrupção, os privilégios de seus
governantes, o luxo dos gastos públicas e a dor daqueles que começam a sentir
na carne os frutos amargos de crise econômica é a primeira luz em meio a tantas
sombras.
Melhor uma sociedade com raiva, inclusive
asperamente dividida em suas opiniões, que uma apática, passiva ou sem vontade
de lutar, perigosamente embalada no popular: “Fazer o quê?”, que era o melhor
cheque em branco para os governantes.
Hoje a
sociedade está acordada, discute, se irrita. É uma sociedade que talvez ainda não saiba
bem o que quer, mas que está começando a
saber o que já não quer.
Você acha pouco?
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