«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 19 de abril de 2016

LIÇÕES DA VOTAÇÃO DO IMPEACHMENT

Telmo José Amaral de Figueiredo

O domingo passado, no qual a Câmara dos Deputados analisou e decidiu sobre o prosseguimento do processo para a cassação do mandato da Presidente Dilma Rousseff, deixa para todos nós várias lições. Eis algumas delas:
MESA DIRETORA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Durante o início da sessão de votação da admissibilidade do impeachment de Dilma Rousseff
Domingo, 17 de abril de 2016

1. Sobre o processo em si

Evidentemente, ao contrário do mantra, do refrão constantemente e cansativamente repetido pelos que são contrários ao processo de impeachment, ele não é golpe, não é ilegal, nem imoral. Se um procedimento, como é o caso do impeachment, é previsto pela Carta Maior de um país, ou seja, a Constituição, e é regulamentado e acompanhado pela Suprema Corte desse país, não há como afirmar que seja «golpe» ou algo «ilegal».

Aliás, é bom lembrar, a bem da coerência e da verdade, que o próprio PT e outros grupos de esquerda, usaram e abusaram da solicitação de impeachment durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1999, por exemplo. Ora, ele também havia sido eleito democraticamente e também tinha um mandato a cumprir. «Ah, mas ele tinha cometido crimes», poderão afirmar. E Dilma Rousseff não cometeu? Será, mesmo, que não?! Há toda uma vasta gama de respeitados e renomados juristas neste país que afirma «sim»!

Precisamos, de uma vez por todas, acabar com essa visão e interpretação maniqueísta, dualista que enxerga só um lado bom e só um lado mal! Só um grupo decente, coerente e legítimo representante do povo, dos pobres e trabalhadores e o outro grupo a favor do grande capital, vendido aos grandes e poderosos! O mundo, a sociedade e a política são muito mais complexos que o preto e o branco, há o «cinza», há outras nuanças, há outros aspectos que escapam a essa dicotomia do «nós» versus «eles».

Esse simplismo não ajuda, só atrapalha, pois, em uma democracia, jamais um único grupo tem o poder suficiente para impor-se a todos os demais. Do contrário, não seria democracia, mas ditadura, autoritarismo puro e simples! Por isso, se faz necessário não só o confronto, o conflito, mas, principalmente, a negociação, o diálogo, o pacto, o acordo. Democracia é isto, o resto é regime autoritário, monocrático. Resta saber se a nossa dita «esquerda» brasileira flerta com o autoritarismo ou a democracia. É na prática/ações que isso se confirma não nas palavras ou intenções.

2. Sobre os votantes — Deputados Federais

Reescrevo aqui as palavras de Raquel Seco, jornalista do El País (17/04/2016 — clique aqui), um dos mais influentes jornais espanhóis que cobre o Brasil, as quais fornecem um pequeno, mas simbólico retrato do que foi essa votação:

«O discurso contra a corrupção foi repetido quase como mantra pelos que defendem o fim do Governo Dilma. Frases como "fora roubalheira" foram gritadas no plenário, o que não deixa de soar um pouco irônico, já que sobre as costas de boa parte dos parlamentares recaem acusações de, justamente, delitos de corrupção.

Ao microfone, parlamentares — sobretudo os que votaram a favor do impeachment — dedicaram seus votos aos seus Estados (cobertos com bandeiras como se assistissem a um jogo de futebol), às suas famílias, aos evangélicos, aos cristãos... até os corretores de seguro mereceram menção de um parlamentar. "À minha filha que está para nascer", disse um. "À minha esposa que está lutando agora pela vida", discursou outro. "Viva, Santa Catarina!", gritou um terceiro. Deus parece ter sido mais citado que a democracia, esta sim, que estava em jogo na noite deste domingo. "Que Deus abençoe o Brasil", repetiram vários parlamentares, numa sequência de vozes que, às vezes, pareciam dizer as mesmas frases.

O deputado Wladimir Costa (do partido Solidariedade) foi a estrela por alguns minutos, quando comparou os políticos do PT envolvidos em casos de corrupção com os chefes do crime organizado. E em seguida, soltou uma frase de efeito: “O Governo dá um tiro nos corações dos brasileiros. Um tiro no coração”, gritou, e, de repente, disparou uma pistola de confetes coloridos (foto abaixo). Curiosamente, o parlamentar foi o que mais faltou em 2015: das 125 sessões do ano passado, ele compareceu a apenas 20, segundo o jornal Extra. Em outro momento, foi Silvio Costa (PTdoB) quem ganhou protagonismo: “Quem quer tomar o poder é o PCC, Partido da Corja do Cunha. Esse canalha, bandido, ladrão já devia estar preso”, discursou aos gritos, ao defender o Governo Dilma.»
DEPUTADO WLADIMIR COSTA (SOLIDARIEDADE) DISPARA UMA PISTOLA DE CONFETES
durante seu voto na Câmara dos Deputados

3. Sobre o Sistema político

É praticamente consenso nacional, que estes sistemas partidário, eleitoral e político em ato no Brasil estejam mais que ultrapassados e corrompidos! Não é somente o denominado «presidencialismo de coalizão» — no qual o Presidente da República para conseguir governar deve distribuir ministérios, cargos em repartições públicas e empresas estatais a políticos dos partidos que se dispuseram a apoiá-lo com votos no Congresso Nacional —, que encontra-se falido!

Faço minhas as palavras do jornalista Vinicius Torres Freire, na Folha de S. Paulo (18/04/2016 — clique aqui):

«Observe-se logo que aqueles deputados foram eleitos pelos mesmos cidadãos que escolheram Dilma Rousseff, Aécio Neves ou Marina Silva, para mencionar os mais cotados na eleição de 2014. Quanto à legitimidade dos votos, de eleitores e deputados, em si não há o que objetar.

Sejam os votos bons ou legítimos, tal avaliação não diz quase nada sobre o sistema que seleciona os representantes, sobre como eles se organizam em partidos e sobre o processo político que acaba por orientar o comportamento dos parlamentares.

Muito se fala da economia em frangalhos, mas menos tempo e reflexão pública se dedica a um sistema político que, parece, seleciona mal as lideranças, entre elas também os parlamentares federais. Tal escolha depende em boa parte da ação de partidos.

O sistema partidário apodreceu de vez, vide as compras de votos nessa eleição indireta perversa que se transformou a votação do impeachment. Mas faz tempo que a maioria e parte relevante dos partidos se transformaram em tropas de barganha ou bandos de salteadores do Estado. [...]

O sistema partidário podre ficou ainda pior porque entrou em descompasso progressivo com uma sociedade que se transformou muito em 20 anos. Além do mais, a formatação do Estado, seu gigantismo fragmentado e o sistema de favores a empresas ou a grupos de interesse minoritários facilita a ação de salteadores nos partidos e de quem os financia.»

Por tudo isso é que se faz necessária a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva, ou seja, com a única finalidade de reformar profundamente e verdadeiramente esse «podre» sistema político, para utilizar uma expressão de Vinicius Torres Freire. Do contrário, não é preciso ser vidente para prever que «tudo continuará como antes no quartel de Abrantes»!

4. Sobre o resultado da votação — prosseguimento do processo

Como diz Vinicius Torres Freire no artigo já mencionado, «Não vem ao caso discutir nesta hora deprimente o problema constitucional da lei do impedimento, assunto porém grave. Note-se apenas que todas as sutilezas jurídicas e econômico-fiscais foram consideradas firulas pelos deputados. Na marra. Goste-se ou não, para os representantes do povo o julgamento do "impeachment" é político».

Aliás, a bem da verdade, o impeachment não deixa de ser um processo — também ou, sobretudo, — político em qualquer democracia do mundo. No mundo da política há certos «mandamentos» ao Presidente da República que é bom dar atenção! O experimentado jornalista político José Roberto de Toledo (Estadão, 17/04/2016) indica cinco mandamentos essenciais:
1º - Não amarás um vice com apetite;
2º - Não te deitarás com partido maior que o teu;
3º - Não cobiçarás menos do que 172 deputados;
4º - Honrarás teu ministro da Fazenda e
5º - Não roubarás (clique aqui para lê-los na íntegra).

Finalizando este item, todos os analistas políticos do país são concordes em admitir que a crise econômica na qual Dilma Rousseff jogou o país — com sua mania de não dar ouvidos a ninguém a não ser a ela mesma e aos que falam aquilo que ela gosta de ouvir, com sua arrogância, com sua teimosia e incompetência — foi o fator determinante para que a maioria da população e dos políticos brasileiros se colocasse contra o seu governo e a favor de seu impeachment! Quando os «ventos», isto é, a economia, são favoráveis não há político que se atreva a ir contra o governo. Haja visto o período presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.
CONGRESSO DE FUNDAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT):
Colégio Sion - São Paulo, 10 de fevereiro de 1980

5. Sobre o PT

Em seu editorial de hoje (18/04/2014 — clique aqui), o jornal O Estado de S. Paulo descreve à perfeição o que era o Partido dos Trabalhadores (PT) em seus inícios e quando chegou ao poder Federal: «O Partido dos Trabalhadores (PT) nasceu no início dos anos 80 pretendendo ser o abrigo do pensamento dito progressista, o santuário da ética na política, o modelo de participação democrática de todos os setores da sociedade na política e na administração pública. Era essa a sua promessa, traduzida pela liderança carismática do ex-metalúrgico e líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Três décadas depois, o partido portador da grande nova revela por inteiro sua verdadeira natureza — autoritária e venal —, tornando-se um dos maiores obstáculos para o pleno funcionamento da democracia».

Este mesmo editorial continua apontando os principais sintomas da dificuldade que o PT possui em assumir e jogar dentro das regras da democracia:

1º) «Recusou-se a dialogar com todos os governos [sempre foi oposição ferrenha, da qual, inclusive, se gloria!], sabotou todos os esforços para estabilizar a economia [foi contrário a todos os planos econômicos, inclusive, o Plano Real] e dificultou ao máximo a aprovação das necessárias reformas constitucionais para modernizar o Estado [votou contra a Constituição de 1988, a mesma que, agora, faz juras de amor!], tudo com o objetivo de criar uma atmosfera de confronto — sob a qual, calculou, teria mais chances eleitorais.»

2º) «Uma vez no governo, o partido da ética, herói da democracia, não se constrangeu em incentivar a promiscuidade e a corrupção para facilitar seu trabalho de controlar o Congresso [está aí o Mensalão como prova]. Afinal, o PT nunca demonstrou legítima disposição para dividir o poder e fazer concessões em relação a propostas de governo, algo que está na base de qualquer democracia saudável».

3º) «Certo de ser o portador da verdade histórica, que, por definição, inviabiliza qualquer negociação, o PT tratou a democracia como um obstáculo, a ser superado na base do simples toma lá dá cá, encabrestando as instituições. O partido de Lula, José Dirceu et caterva [e sua turma] jamais teve aliados; sempre teve cúmplices.»

4º) Justamente em um momento tão tenso, tão aguerrido e tão polarizado como este em que estamos vivendo no Brasil, esperar-se-ia de um partido político que se diz «a favor da democracia» uma postura e atitude de serenidade, pacificação e diálogo autêntico. Contudo, o que se ouve é «a ameaça petista de incendiar o País — e de transformar o Palácio da Alvorada em uma cidadela para defender Dilma de um “golpe”, que nada mais é do que a decisão soberana de um Congresso legitimamente eleito — é expressão clara do espírito golpista de seus líderes.»

5º) «Além disso, a expectativa é de que haja muitos problemas no Congresso, que já conhece bem o modo petista de fazer oposição. Votações cruciais para arrancar o País da grave crise em que os desastrosos governos petistas o meteram deverão ser a oportunidade que o PT espera para tentar desforrar a derrota no impeachment. Para o lulopetismo, quanto pior, melhor.»

 6. Sobre as esquerdas brasileiras

Em decorrência do afirmado no item anterior sobre o PT, a esquerda brasileira deverá reconhecer que ainda está muito ligada ao tradicional aparelhamento de sindicatos (CUT, Bancários, Metalúrgicos etc.), entidades de representação estudantil (ex.: UNE, União dos Estudantes Secundaristas etc.) e movimentos sociais (MST, MSTS etc.) com os quais há uma relação nem sempre democrática, mas de domínio persistente e eterno.

Falta um verdadeiro trabalho de base, de formação de militantes que não sejam, simplesmente, doutrinados, mas aprendam a pensar por si mesmos e ser críticos. Isso porque não há mais espaço para modelos que ficaram anacrônicos e ultrapassados pela história. Há necessidade de criatividade, inovação e uma grande capacidade de «perscrutar os sinais dos tempos», algo possível somente aos que têm sua mente aberta e não obtusamente doutrinada e fanática.

Acima de tudo, à esquerda pede-se que aprenda e tenha competência para o jogo democrático como ele é e não como gostaria que fosse! De nada serve a idealização de modelos político e social que jamais se tornarão realidade dentro de um sistema que tem por norma fundamental o respeito a todos, mesmo ao divergente! Revoluções podem acontecer somente por meio da força, do conflito, do embate armado, mas é necessário perguntar-se se, ainda, há lugar para isso, especialmente em um país como o nosso! No passado, alguns grupos mais radicais tentaram essa via e não colheram bons frutos! Reformas, sim, podem e devem ocorrer por meio da atuação político-parlamentar, através de movimentos sociais, sindicais e outros.

7. Sobre nós cidadãos eleitores

Há em todo o mundo e não somente no Brasil, para sermos realistas, certo «cansaço» com a democracia! Uma parcela significativa da população mundial e também brasileira acha que a classe política não tem jeito! Ela será sempre corrupta, fisiológica e nepotista! Por isso, o melhor que se tem a fazer é omitir-se, não mais votar, não interessar-se por mais nada que diga respeito a esse mundo.

Contudo, o maior filósofo de todos os tempos, Platão (428/427 a 348/347 AEC) já afirmava em seu tempo uma verdade cristalina: «Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam».

Quer gostemos ou não, é a política que comanda, que orienta e determina como é e será a vida em sociedade:
* Se vamos ter uma boa rede de transportes urbanos e intermunicipais;
* se teremos boas e apropriadas escolas e universidades;
* se a população mais carente e pobre terá moradias dignas e a preços acessíveis;
* se contaremos com ruas, avenidas e rodovias bem pavimentadas, bem sinalizadas e seguras;
* se teremos estabilidade dos preços dos gêneros alimentícios, dos gêneros de primeira necessidade;
* se teremos desenvolvimento ou recessão, oferta de empregos ou desocupação;
* uma Justiça e polícia que funcionam e sejam justas e por aí vai...

É urgente e necessário que a população brasileira aproveite esse momento em que estamos tendo um choque de realidade por meio das revelações promovidas pela Operação Lava Jato, para sermos mais atentos, criteriosos e interessados no mundo da política. Omitir-se não mudará, em nada, a nossa triste e confusa realidade!

8. Sobre as igrejas evangélicas

Ao contrário do que previam alguns intelectuais, o mundo não «matou Deus» nem tornou-se independente dele! Essa era uma temática muito comum nas décadas de 1950-1960, por exemplo. O que houve, especialmente a partir da década de 1980, foi um retorno fenomenal ao religioso. Inúmeras igrejas e denominações religiosas surgiram, ocuparam espaço e se multiplicaram na sociedade, especialmente a partir da década de 1960 em diante. A América Latina e o Brasil são testemunhas privilegiadas desse fenômeno.

Entretanto, essa efervescência religiosa pode confirmar, nas palavras do biblista e teólogo Jaldemir Vitório, «a tese marxista da religião como “ópio do povo”. Ou, a visão psicanalista da religião como projeção do inconsciente, válvula de escape para as carências profundas de vasta faixa da população, de modo especial, as camadas mais pobres, em busca de afirmação social e solução de seus dramas. Outros, numa vertente sociológica, veem a religião como tuteladora das pessoas ao lhes impor normas rígidas para o agir social, além de símbolos exteriores de identidade.

Uma leitura teológica mais apurada levanta muitas questões. A mais radical consiste em se perguntar pela imagem de Deus subjacente às múltiplas manifestações religiosas. Que Deus — ou deuses — afinal é cultuado? Qual a qualidade do culto que lhe é prestado? As religiões têm desdobramentos ético-sociais ou se limitam ao espaço sagrado das igrejas e dos templos? A religião toca o mais profundo dos indivíduos, gerando verdadeira conversão e criando nova mentalidade, movendo-os a se empenhar na transformação social? Um ponto incontornável é o tema da salvação, pois quem procura as religiões, em algum momento, está preocupado em se salvar. Daí a pergunta: que salvação as religiões prometem e anunciam? Que exigências se colocam como caminho para a salvação?».
JOSUÉ BENGTSON
Deputado Federal pelo PTB - Pará

Quem tinha dúvidas, constatou e comprovou o quanto as igrejas pentecostais e neopentecostais estão presentes no Congresso Nacional através de deputados federais e senadores eleitos pelos seus fiéis, sob orientação ativa e tenaz de seus pastores. Não foram dois ou três, mas dezenas de deputados federais que ao pronunciarem seu voto — geralmente a favor da admissibilidade do processo de impeachment de Dilma — principiavam seu discurso de votação com a expressão: «Em nome de Deus e da família brasileira...», ou então, «Deus tenha misericórdia do Brasil», o deputado-pastor Marco Feliciano (PSC-SP) começou seu voto dizendo «Com ajuda de Deus, pela minha família e pelo povo brasileiro, pelos evangélicos da nação toda...». Quantos não foram os deputados que fizeram questão de identificar, durante seu voto, a denominação religiosa a qual pertenciam: «Por minha família e pela família quadrangular evangélica brasileira e pelo Pará, eu voto sim. E feliz é a nação cujo Deus é o Senhor.» (Dep. Fed. Josué Bengtson, PTB-PA). Este deputado federal, obviamente, fazia referência à Igreja do Evangelho Quadrangular.

É inegável que há um sério risco à separação saudável e desejada entre religião e Estado no Brasil! A Constituição brasileira não chega a definir, explicitamente, o Estado como laico, mas há uma clara separação institucional entre o Estado e a religião. Políticos como esses que vimos domingo votando na Câmara dos Deputados não estão ali representando toda a nação e o interesse de todos os brasileiros, mas especialmente os interesses e objetivos de suas respectivas igrejas e denominações religiosas. Pôde-se perceber bem isso, quando alguns se posicionaram a favor do impeachment e contra o PT porque este seria uma ameaça à família brasileira, ao querer ensinar sexo e a não distinção sexual entre as pessoas nas escolas do país!

Não é preciso muito esforço de análise para perceber-se o quanto a bancada parlamentar integrada por membros de igrejas e denominações evangélicas é, em sua grande maioria, conservadora, contrária a avanços nos direitos civis individuais e a favor de uma tutela sobre os costumes dos cidadãos.

9. Sobre a Igreja Católica

Não é segredo que uma parcela significativa da Igreja Católica apoiou e ajudou efetivamente na criação do Partido dos Trabalhadores, especialmente pelos motivos que estão no início do item 5 acima. Havia uma certa ingenuidade e voluntarismo políticos, pois imaginava-se que um partido, por si só, pudesse ser radicalmente diferente de tudo aquilo que lhe rodeava no sistema político brasileiro! Como um santo que consegue manter-se «fora do mundo», apesar de encontrar-se em meio a este.

Como já constatou o sociólogo José de Souza Martins (conferir aqui), por ter sua origem ligada à Igreja Católica, o PT tinha uma forte tendência em demonizar tudo o que lhe era divergente como sendo de direita, pertencente ao capitalismo selvagem. Segundo esse mesmo sociólogo, «Isso vem do dualismo Deus e diabo, o bem e o mal. Como aprenderam a pensar a política em termos dicotômicos, os petistas têm, em grande parte, dificuldade para lidar com a diversidade. Para eles, se o PT é de esquerda e a esquerda é o PT, qualquer coisa que difira disso é direita.»

A forte crise que se abate sobre o PT, desde que ocupou o poder Federal, e a presença maciça de deputados federais, estaduais e senadores pertencentes e defensores de suas igrejas evangélicas no parlamento federal e estaduais demonstra o quanto a Igreja Católica necessita repensar a sua pastoral política, se é que esta ainda exista!

A presença ativa dos leigos católicos no ambiente político, incluindo nos partidos políticos, sempre foi incentivada e apoiada pela hierarquia católica. É suficiente consultar, para isso, os documentos sociais da Igreja. Esse cristão-leigo deve ser um agente de mudança social e promotor dos valores cristãos no meio político em que estiver atuando.

Porém, isso não significa que a Igreja Católica possa abençoar e tornar sacro (ou quase) um determinado partido político ou um determinado sistema sócio-político-econômico seja ele comunista, socialista ou capitalista. Isso porque, nada é perfeito e eterno neste mundo a não ser Deus! Nada pode ser absoluto ou tentar ocupar o lugar do Absoluto por excelência que é Deus!
ALCEU AMOROSO LIMA (1893-1983):
foi crítico literário, professor, pensador, escritor e líder católico brasileiro

Em um passado não tão distante, a Igreja Católica chegou a constituir uma Liga Eleitoral Católica (LEC), criada em 1932 e extinta em 1937, com o objetivo de articular-se com o mundo da política e defender os ideais cristãos na vida política nacional. É evidente que houve vários bons frutos dessa ação e desse período, citemos, apenas como exemplo, Alceu Amoroso Lima (vulgo Tristão de Ataíde) que foi um dos secretários da LEC. Contudo, o fato da Igreja apostar e investir em um candidato foi visto, com o passar do tempo, um equívoco, pois a má fama desse político poderia envolver a Igreja Católica e abalar a sua credibilidade diante da sociedade.


A partir da década de 1960 e 1970, a Igreja Católica passou a investir mais na formação de agentes leigos capacitados para atuar no mundo da política. E o PT acabou sendo um dos frutos desse período. Contudo, esse trabalho sofreu uma solução de continuidade. Atualmente, raríssimas são as paróquias e dioceses que investem seriamente e eficazmente na formação de quadros para atuarem no ambiente político. O preço dessa omissão está sendo cobrado de todos nós hoje! A má qualidade da classe política brasileira é de ser debitada, também, em nossa conta, como cristãos que somos!

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