LIÇÕES DA VOTAÇÃO DO IMPEACHMENT
Telmo José Amaral de Figueiredo
O domingo passado, no qual a Câmara dos Deputados
analisou e decidiu sobre o prosseguimento do processo para a cassação do
mandato da Presidente Dilma Rousseff, deixa para todos nós várias lições. Eis
algumas delas:
MESA DIRETORA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Durante o início da sessão de votação da admissibilidade do impeachment de Dilma Rousseff Domingo, 17 de abril de 2016 |
1. Sobre o processo em si
Evidentemente, ao contrário do mantra, do
refrão constantemente e cansativamente repetido pelos que são contrários ao
processo de impeachment, ele não é
golpe, não é ilegal, nem imoral. Se um procedimento, como é o caso do impeachment, é previsto pela Carta Maior
de um país, ou seja, a Constituição, e é regulamentado e acompanhado pela
Suprema Corte desse país, não há como afirmar que seja «golpe» ou algo «ilegal».
Aliás, é bom lembrar, a bem da coerência e da
verdade, que o próprio PT e outros grupos de esquerda, usaram e abusaram da
solicitação de impeachment durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1999, por exemplo. Ora, ele também
havia sido eleito democraticamente e também tinha um mandato a cumprir. «Ah,
mas ele tinha cometido crimes», poderão afirmar. E Dilma Rousseff não cometeu?
Será, mesmo, que não?! Há toda uma vasta gama de respeitados e renomados
juristas neste país que afirma «sim»!
Precisamos, de uma vez por todas, acabar com
essa visão e interpretação maniqueísta, dualista que enxerga só um lado bom e
só um lado mal! Só um grupo decente, coerente e legítimo representante do povo,
dos pobres e trabalhadores e o outro grupo a favor do grande capital, vendido
aos grandes e poderosos! O mundo, a sociedade e a política são muito mais
complexos que o preto e o branco, há o «cinza», há outras nuanças, há outros
aspectos que escapam a essa dicotomia do «nós» versus «eles».
Esse simplismo não ajuda, só atrapalha, pois,
em uma democracia, jamais um único grupo tem o poder suficiente para impor-se a
todos os demais. Do contrário, não seria democracia,
mas ditadura, autoritarismo puro e simples! Por isso, se faz necessário não só o
confronto, o conflito, mas, principalmente, a negociação, o diálogo, o pacto, o
acordo. Democracia é isto, o resto é regime autoritário, monocrático. Resta saber se a nossa dita «esquerda»
brasileira flerta com o autoritarismo ou a democracia. É na prática/ações que isso se confirma não
nas palavras ou intenções.
2. Sobre os votantes — Deputados Federais
Reescrevo aqui as palavras de Raquel Seco, jornalista do El País (17/04/2016 — clique aqui),
um dos mais influentes jornais espanhóis que cobre o Brasil, as quais fornecem um
pequeno, mas simbólico retrato do que foi essa votação:
«O discurso
contra a corrupção foi repetido quase como mantra pelos que defendem o fim
do Governo Dilma. Frases como "fora roubalheira" foram gritadas no
plenário, o que não deixa de soar um pouco irônico, já que sobre as costas de boa parte dos parlamentares recaem acusações de,
justamente, delitos de corrupção.
Ao microfone, parlamentares — sobretudo os
que votaram a favor do impeachment — dedicaram seus votos aos seus Estados
(cobertos com bandeiras como se assistissem a um jogo de futebol), às suas
famílias, aos evangélicos, aos cristãos... até os corretores de seguro
mereceram menção de um parlamentar. "À minha filha que está para nascer",
disse um. "À minha esposa que está lutando agora pela vida",
discursou outro. "Viva, Santa Catarina!", gritou um terceiro. Deus parece ter sido mais citado que a
democracia, esta sim, que estava em jogo na noite deste domingo. "Que Deus abençoe o Brasil",
repetiram vários parlamentares, numa sequência de vozes que, às vezes, pareciam
dizer as mesmas frases.
O deputado Wladimir Costa (do partido Solidariedade)
foi a estrela por alguns minutos, quando comparou os políticos do PT envolvidos
em casos de corrupção com os chefes do crime organizado. E em seguida, soltou
uma frase de efeito: “O Governo dá um tiro nos corações dos brasileiros. Um
tiro no coração”, gritou, e, de repente, disparou uma pistola de confetes
coloridos (foto abaixo). Curiosamente, o parlamentar
foi o que mais faltou em 2015: das 125 sessões do ano passado, ele compareceu a
apenas 20, segundo o jornal Extra.
Em outro momento, foi Silvio Costa
(PTdoB) quem ganhou protagonismo: “Quem quer tomar o poder é o PCC, Partido da Corja do Cunha. Esse canalha,
bandido, ladrão já devia estar preso”, discursou aos gritos, ao defender o
Governo Dilma.»
DEPUTADO WLADIMIR COSTA (SOLIDARIEDADE) DISPARA UMA PISTOLA DE CONFETES durante seu voto na Câmara dos Deputados |
3. Sobre o Sistema político
É praticamente consenso nacional, que estes
sistemas partidário, eleitoral e político em ato no Brasil estejam mais que ultrapassados
e corrompidos! Não é somente o denominado «presidencialismo de coalizão» — no
qual o Presidente da República para conseguir governar deve distribuir
ministérios, cargos em repartições públicas e empresas estatais a políticos dos
partidos que se dispuseram a apoiá-lo com votos no Congresso Nacional —, que
encontra-se falido!
Faço minhas as palavras do jornalista Vinicius Torres Freire, na Folha de S. Paulo (18/04/2016 — clique aqui):
«Observe-se logo que aqueles deputados foram
eleitos pelos mesmos cidadãos que escolheram Dilma Rousseff, Aécio Neves ou
Marina Silva, para mencionar os mais cotados na eleição de 2014. Quanto à
legitimidade dos votos, de eleitores e deputados, em si não há o que objetar.
Sejam os votos bons ou legítimos, tal
avaliação não diz quase nada sobre o sistema
que seleciona os representantes, sobre como
eles se organizam em partidos e sobre o processo político que acaba por orientar o comportamento dos
parlamentares.
Muito se fala da economia em frangalhos, mas menos tempo e reflexão pública se
dedica a um sistema político que,
parece, seleciona mal as lideranças,
entre elas também os parlamentares federais. Tal escolha depende em boa
parte da ação de partidos.
O sistema
partidário apodreceu de vez, vide as compras de votos nessa eleição
indireta perversa que se transformou a votação do impeachment. Mas faz tempo
que a maioria e parte relevante dos partidos se transformaram em tropas de
barganha ou bandos de salteadores do Estado. [...]
O sistema
partidário podre ficou ainda pior porque entrou em descompasso progressivo com
uma sociedade que se transformou muito em 20 anos. Além do mais, a formatação
do Estado, seu gigantismo fragmentado e o sistema de favores a empresas ou a
grupos de interesse minoritários facilita a ação de salteadores nos partidos e
de quem os financia.»
Por tudo isso é que se faz necessária a
convocação de uma Assembleia Nacional
Constituinte Exclusiva, ou seja, com a única finalidade de reformar
profundamente e verdadeiramente esse «podre» sistema político, para utilizar
uma expressão de Vinicius Torres Freire. Do contrário, não é preciso ser
vidente para prever que «tudo continuará como antes no quartel de Abrantes»!
4. Sobre o resultado da votação — prosseguimento do
processo
Como diz Vinicius
Torres Freire no artigo já mencionado, «Não vem ao caso discutir nesta hora
deprimente o problema constitucional da lei do impedimento, assunto porém
grave. Note-se apenas que todas as sutilezas jurídicas e econômico-fiscais
foram consideradas firulas pelos deputados. Na marra. Goste-se ou não, para os
representantes do povo o julgamento do "impeachment" é político».
Aliás, a bem da verdade, o impeachment não deixa de ser um processo — também ou, sobretudo, — político em qualquer democracia do
mundo. No mundo da política há certos «mandamentos» ao Presidente da República que
é bom dar atenção! O experimentado jornalista político José Roberto de Toledo (Estadão, 17/04/2016) indica cinco
mandamentos essenciais:
1º - Não amarás um vice com apetite;
2º - Não te deitarás com partido maior que o teu;
3º - Não cobiçarás menos do que 172 deputados;
4º - Honrarás teu ministro da Fazenda e
5º - Não roubarás (clique aqui para lê-los na íntegra).
Finalizando este item, todos os analistas
políticos do país são concordes em admitir que a crise econômica na qual Dilma Rousseff jogou o país — com sua mania
de não dar ouvidos a ninguém a não ser a ela mesma e aos que falam aquilo que
ela gosta de ouvir, com sua arrogância, com sua teimosia e incompetência — foi
o fator determinante para que a maioria da população e dos políticos
brasileiros se colocasse contra o seu governo e a favor de seu impeachment! Quando os «ventos», isto é,
a economia, são favoráveis não há político que se atreva a ir contra o governo.
Haja visto o período presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.
CONGRESSO DE FUNDAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT): Colégio Sion - São Paulo, 10 de fevereiro de 1980 |
5. Sobre o PT
Em seu editorial de hoje (18/04/2014 — clique
aqui),
o jornal O Estado de S. Paulo
descreve à perfeição o que era o Partido dos Trabalhadores (PT) em seus inícios
e quando chegou ao poder Federal: «O Partido dos Trabalhadores (PT) nasceu no
início dos anos 80 pretendendo ser o abrigo do pensamento dito progressista, o
santuário da ética na política, o modelo de participação democrática de todos
os setores da sociedade na política e na administração pública. Era essa a sua
promessa, traduzida pela liderança carismática do ex-metalúrgico e líder
sindical Luiz Inácio Lula da Silva. Três décadas depois, o partido portador da grande
nova revela por inteiro sua verdadeira natureza — autoritária e venal —,
tornando-se um dos maiores obstáculos para o pleno funcionamento da democracia».
Este mesmo editorial continua apontando os
principais sintomas da dificuldade que o PT possui em assumir e jogar dentro
das regras da democracia:
1º) «Recusou-se a dialogar com todos os governos
[sempre foi oposição ferrenha, da qual,
inclusive, se gloria!], sabotou todos os esforços para estabilizar a
economia [foi contrário a todos os planos
econômicos, inclusive, o Plano Real] e dificultou ao máximo a aprovação das
necessárias reformas constitucionais para modernizar o Estado [votou contra a Constituição de 1988, a mesma
que, agora, faz juras de amor!], tudo com o objetivo de criar uma atmosfera
de confronto — sob a qual, calculou, teria mais chances eleitorais.»
2º) «Uma vez no governo, o partido da ética,
herói da democracia, não se constrangeu em incentivar a promiscuidade e a
corrupção para facilitar seu trabalho de controlar o Congresso [está aí o Mensalão como prova]. Afinal,
o PT nunca demonstrou legítima
disposição para dividir o poder e fazer concessões em relação a propostas
de governo, algo que está na base de qualquer democracia saudável».
3º) «Certo de ser o portador da verdade
histórica, que, por definição, inviabiliza qualquer negociação, o PT tratou a democracia como um obstáculo, a
ser superado na base do simples toma lá dá cá, encabrestando as
instituições. O partido de Lula, José Dirceu et caterva [e sua turma] jamais teve aliados; sempre teve
cúmplices.»
4º) Justamente em um momento tão tenso, tão
aguerrido e tão polarizado como este em que estamos vivendo no Brasil,
esperar-se-ia de um partido político que se diz «a favor da democracia» uma
postura e atitude de serenidade, pacificação e diálogo autêntico. Contudo, o
que se ouve é «a ameaça petista de incendiar o País — e de transformar o
Palácio da Alvorada em uma cidadela para defender Dilma de um “golpe”, que nada
mais é do que a decisão soberana de um Congresso legitimamente eleito — é
expressão clara do espírito golpista de seus líderes.»
5º) «Além disso, a expectativa é de que haja
muitos problemas no Congresso, que já conhece bem o modo petista de fazer oposição. Votações cruciais para arrancar o
País da grave crise em que os desastrosos governos petistas o meteram deverão
ser a oportunidade que o PT espera para tentar desforrar a derrota no impeachment. Para o lulopetismo, quanto
pior, melhor.»
6. Sobre as esquerdas brasileiras
Em decorrência do afirmado no item anterior
sobre o PT, a esquerda brasileira deverá reconhecer que ainda está muito ligada
ao tradicional aparelhamento de
sindicatos (CUT, Bancários, Metalúrgicos etc.), entidades de representação
estudantil (ex.: UNE, União dos Estudantes Secundaristas etc.) e movimentos
sociais (MST, MSTS etc.) com os quais há uma relação nem sempre democrática,
mas de domínio persistente e eterno.
Falta um verdadeiro trabalho de base, de formação
de militantes que não sejam, simplesmente, doutrinados, mas aprendam a pensar por si mesmos e ser críticos. Isso porque não há mais
espaço para modelos que ficaram anacrônicos e ultrapassados pela história. Há
necessidade de criatividade, inovação e uma grande capacidade de «perscrutar os sinais dos tempos», algo
possível somente aos que têm sua mente aberta e não obtusamente doutrinada e
fanática.
Acima de tudo, à esquerda pede-se que aprenda e tenha competência para o jogo
democrático como ele é e não como gostaria que fosse! De nada serve a
idealização de modelos político e social que jamais se tornarão realidade
dentro de um sistema que tem por norma fundamental o respeito a todos, mesmo ao
divergente! Revoluções podem
acontecer somente por meio da força, do conflito, do embate armado, mas é
necessário perguntar-se se, ainda, há lugar para isso, especialmente em um país
como o nosso! No passado, alguns grupos mais radicais tentaram essa via e não
colheram bons frutos! Reformas, sim,
podem e devem ocorrer por meio da atuação político-parlamentar, através de
movimentos sociais, sindicais e outros.
7. Sobre nós cidadãos eleitores
Há em todo o mundo e não somente no Brasil,
para sermos realistas, certo «cansaço» com a democracia! Uma parcela
significativa da população mundial e também brasileira acha que a classe
política não tem jeito! Ela será sempre corrupta, fisiológica e nepotista! Por
isso, o melhor que se tem a fazer é omitir-se, não mais votar, não
interessar-se por mais nada que diga respeito a esse mundo.
Contudo, o maior filósofo de todos os tempos,
Platão (428/427 a 348/347 AEC) já
afirmava em seu tempo uma verdade cristalina: «Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente
serão governados por aqueles que gostam».
Quer gostemos ou não, é a política que
comanda, que orienta e determina como é e será a vida em sociedade:
* Se vamos ter uma boa rede
de transportes urbanos e intermunicipais;
* se teremos boas e apropriadas
escolas e universidades;
* se a população mais carente
e pobre terá moradias dignas e a preços acessíveis;
* se contaremos com ruas,
avenidas e rodovias bem pavimentadas, bem sinalizadas e seguras;
* se teremos estabilidade dos
preços dos gêneros alimentícios, dos gêneros de primeira necessidade;
* se teremos desenvolvimento
ou recessão, oferta de empregos ou desocupação;
* uma Justiça e polícia que
funcionam e sejam justas e por aí vai...
É urgente e necessário que a população brasileira
aproveite esse momento em que estamos tendo um choque de realidade por meio das revelações promovidas pela
Operação Lava Jato, para sermos mais atentos, criteriosos e interessados no
mundo da política. Omitir-se não mudará, em nada, a nossa triste e confusa
realidade!
8. Sobre as igrejas evangélicas
Ao contrário do que previam alguns
intelectuais, o mundo não «matou Deus» nem tornou-se independente dele! Essa
era uma temática muito comum nas décadas de 1950-1960, por exemplo. O que
houve, especialmente a partir da década de 1980, foi um retorno fenomenal ao religioso. Inúmeras igrejas e denominações
religiosas surgiram, ocuparam espaço e se multiplicaram na sociedade,
especialmente a partir da década de 1960 em diante. A América Latina e o Brasil
são testemunhas privilegiadas desse fenômeno.
Entretanto, essa efervescência religiosa pode
confirmar, nas palavras do biblista e teólogo Jaldemir Vitório, «a tese
marxista da religião como “ópio do povo”. Ou, a visão psicanalista da religião como projeção do inconsciente, válvula
de escape para as carências profundas de vasta faixa da população, de modo
especial, as camadas mais pobres, em busca de afirmação social e solução de
seus dramas. Outros, numa vertente
sociológica, veem a religião como tuteladora das pessoas ao lhes impor
normas rígidas para o agir social, além de símbolos exteriores de identidade.
Uma leitura teológica mais apurada levanta muitas questões. A mais
radical consiste em se perguntar pela imagem
de Deus subjacente às múltiplas manifestações religiosas. Que Deus — ou
deuses — afinal é cultuado? Qual a qualidade do culto que lhe é prestado? As
religiões têm desdobramentos ético-sociais ou se limitam ao espaço sagrado das
igrejas e dos templos? A religião toca o
mais profundo dos indivíduos, gerando verdadeira conversão e criando nova
mentalidade, movendo-os a se empenhar na transformação social? Um ponto
incontornável é o tema da salvação, pois quem procura as religiões, em algum
momento, está preocupado em se salvar. Daí a pergunta: que salvação as religiões prometem e anunciam? Que exigências se
colocam como caminho para a salvação?».
JOSUÉ BENGTSON Deputado Federal pelo PTB - Pará |
Quem tinha dúvidas, constatou e comprovou o
quanto as igrejas pentecostais e neopentecostais estão presentes no Congresso
Nacional através de deputados federais e senadores eleitos pelos seus fiéis,
sob orientação ativa e tenaz de seus pastores. Não foram dois ou três, mas
dezenas de deputados federais que ao pronunciarem seu voto — geralmente a favor
da admissibilidade do processo de impeachment
de Dilma — principiavam seu discurso de votação com a expressão: «Em nome de Deus e da família brasileira...»,
ou então, «Deus tenha misericórdia do
Brasil», o deputado-pastor Marco
Feliciano (PSC-SP) começou seu voto dizendo «Com ajuda de Deus, pela minha família e pelo povo brasileiro, pelos
evangélicos da nação toda...». Quantos não foram os deputados que fizeram
questão de identificar, durante seu voto, a denominação religiosa a qual
pertenciam: «Por minha família e pela família
quadrangular evangélica brasileira e pelo Pará, eu voto sim. E feliz é a
nação cujo Deus é o Senhor.» (Dep. Fed.
Josué Bengtson, PTB-PA). Este deputado federal, obviamente, fazia
referência à Igreja do Evangelho Quadrangular.
É inegável que há um sério risco à separação
saudável e desejada entre religião e Estado no Brasil! A Constituição
brasileira não chega a definir, explicitamente, o Estado como laico, mas há uma
clara separação institucional entre o Estado e a religião. Políticos como esses
que vimos domingo votando na Câmara dos Deputados não estão ali representando
toda a nação e o interesse de todos os brasileiros, mas especialmente os
interesses e objetivos de suas respectivas igrejas e denominações religiosas.
Pôde-se perceber bem isso, quando alguns se posicionaram a favor do impeachment e contra o PT porque este
seria uma ameaça à família brasileira, ao querer ensinar sexo e a não distinção
sexual entre as pessoas nas escolas do país!
Não é preciso muito esforço de análise para
perceber-se o quanto a bancada
parlamentar integrada por membros de igrejas e denominações evangélicas é, em sua grande maioria, conservadora, contrária a avanços nos direitos
civis individuais e a favor de uma tutela sobre os costumes dos cidadãos.
9. Sobre a Igreja Católica
Não é segredo que uma parcela significativa
da Igreja Católica apoiou e ajudou efetivamente na criação do Partido dos
Trabalhadores, especialmente pelos motivos que estão no início do item 5 acima. Havia uma certa
ingenuidade e voluntarismo políticos, pois imaginava-se que um partido, por si
só, pudesse ser radicalmente diferente de tudo aquilo que lhe rodeava no
sistema político brasileiro! Como um santo que consegue manter-se «fora
do mundo», apesar de encontrar-se em meio a este.
Como já constatou o sociólogo José de Souza Martins (conferir aqui),
por ter sua origem ligada à Igreja Católica, o PT tinha uma forte tendência em
demonizar tudo o que lhe era divergente como sendo de direita, pertencente ao capitalismo
selvagem. Segundo esse mesmo sociólogo, «Isso vem do dualismo Deus e diabo, o bem e o mal. Como aprenderam a pensar a política em termos dicotômicos, os petistas têm, em grande parte, dificuldade para
lidar com a diversidade. Para eles, se o PT é de esquerda e a esquerda é o PT,
qualquer coisa que difira disso é direita.»
A forte crise que se abate sobre o PT, desde
que ocupou o poder Federal, e a presença maciça de deputados federais,
estaduais e senadores pertencentes e defensores de suas igrejas evangélicas no
parlamento federal e estaduais demonstra o quanto a Igreja Católica necessita repensar a sua pastoral política, se é
que esta ainda exista!
A presença ativa dos leigos católicos no
ambiente político, incluindo nos partidos políticos, sempre foi incentivada e
apoiada pela hierarquia católica. É suficiente consultar, para isso, os
documentos sociais da Igreja. Esse cristão-leigo deve ser um agente de mudança
social e promotor dos valores cristãos no meio político em que estiver atuando.
Porém, isso não significa que a Igreja
Católica possa abençoar e tornar sacro (ou
quase) um determinado partido político ou um determinado sistema sócio-político-econômico
seja ele comunista, socialista ou capitalista. Isso porque, nada é perfeito e
eterno neste mundo a não ser Deus! Nada pode ser absoluto ou tentar ocupar o
lugar do Absoluto por excelência que é Deus!
ALCEU AMOROSO LIMA (1893-1983): foi crítico literário, professor, pensador, escritor e líder católico brasileiro |
Em um passado não tão distante, a Igreja
Católica chegou a constituir uma Liga
Eleitoral Católica (LEC), criada em 1932 e extinta em 1937, com o objetivo
de articular-se com o mundo da política e defender os ideais cristãos na vida
política nacional. É evidente que houve vários bons frutos dessa ação e desse
período, citemos, apenas como exemplo, Alceu
Amoroso Lima (vulgo Tristão de Ataíde) que foi um dos secretários da LEC.
Contudo, o fato da Igreja apostar e investir em um candidato foi visto, com o
passar do tempo, um equívoco, pois a má fama desse político poderia envolver a
Igreja Católica e abalar a sua credibilidade diante da sociedade.
A partir da década de 1960 e 1970, a Igreja
Católica passou a investir mais na formação de agentes leigos capacitados para
atuar no mundo da política. E o PT acabou sendo um dos frutos desse período.
Contudo, esse trabalho sofreu uma solução de continuidade. Atualmente,
raríssimas são as paróquias e dioceses que investem seriamente e eficazmente na
formação de quadros para atuarem no ambiente político. O preço dessa omissão
está sendo cobrado de todos nós hoje! A má qualidade da classe política
brasileira é de ser debitada, também, em nossa conta, como cristãos que somos!
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