Francisco, o discernidor
Alegria do Evangelho e alegria do amor
Juan Masiá
Clavel*
Durante
estes anos de discernimento eclesial sobre a família nos Sínodos dos Bispos,
comentei neste blog sobre as quatro
classes de posturas entre os Padres Sinodais:
1ª)
a tradicional intransigente;
2ª)
a revolucionária;
3ª)
a diplomática conciliadora e
4ª)
a reformadora mediante o discernimento.
Por
esta quarta via vemos caminhar,
coerentemente, o bispo de Roma [papa].
Não
à primeira via, imobilista; não à
segunda, demolidora. O imobilismo
das condenações inquisitoriais da Igreja e o radicalismo de manifestos
progressistas são duas caras da mesma
moeda dogmatizante (semelhante na política, extrema direita e extrema
esquerda, que nem dialoga nem discerne).
Francisco
diz não à terceira via. A quarta via não
é um acordo compactuado, mas um consenso transformador e aberto. Não é um
consenso diplomático (entre a direita eclesial mais conservadora e a esquerda
mais radical). É antes, um consenso
regenerador e refundacional, que possibilita o centro-direita e o
centro-esquerda caminharem juntos pela quarta via de uma transformação mútua,
para a meta mais distante no tempo de uma reforma
criativa.
No
documento pós-sinodal A Alegria do Amor [Amoris Laetitia], Francisco respeita as propostas do Sínodo, cujas citações literais
ocupam mais de três quartos da presente exortação. Estas propostas sinodais se
situam, frequentemente, naquilo que chamamos a terceira via [diplomática
conciliadora], com fracas insinuações que convidam Francisco a explicitar sua
quarta via.
Porém,
tampouco, deixa de mencionar, como parte dos dados para o discernimento,
inclusive algumas propostas que pareceriam provir das que chamamos primeira e
segunda via. Sobre esta pluralidade de pareceres no Sínodo, diz Francisco,
certamente com bom humor, que lhe sugere «um belo poliedro, composto de muitas
preocupações legítimas e perguntas honestas e sinceras». Porém, não se limita a
constatá-lo e citá-lo, mas diz que quer «acrescentar outras considerações que
possam orientar a reflexão, o diálogo e a práxis pastoral».
Essas
considerações que o papa acrescenta não as ouvimos pela primeira vez. Ele já as
havia dito em sua exortação A Alegria do Evangelho (Evangelii gaudium), da qual cita muito
especialmente nas notas de rodapé as passagens referentes à:
a)
necessidade de descentralização na administração eclesiástica e no magistério
eclesial ( n. 16 e 32);
b) necessidade
de discernir as situações na hora de julgar e decidir em questões de ética,
moral e pastoral (n. 35, 44-49);
c)
necessidade de discernir os conflitos por meio do caminho do diálogo de
transformação mútua (tanto em termos de política da cidadania na sociedade,
como na pastoral do pluralismo na Igreja (n. 69, 117, 270ss; cf. 222ss: o tempo
superior ao espaço).
Para
a hermenêutica [interpretação] de Amoris
Laetitia me parece importantíssimo constatar as citações que Francisco
faz de sua anterior exortação Evangelii
gaudium [A alegria do Evangelho].
Nestas citações se vê claramente qual é seu próprio parecer sobre estes temas:
* o discernimento ético,
* o discernimento social e
* o discernimento eclesial.
Sobre
este último – discernimento da Igreja – chama
a atenção seu extremo cuidado em não impor sua opinião, mas abrir o caminho
para que amadureça o juízo comunitário através da descentralização.
O contrário seria dogmatizar a partir da esquerda como antes se dogmatizava a
partir da direita, tal como vemos que fazem, frequentemente, alguns políticos.
Limito-me,
hoje, a constatar este estilo de Francisco, coerentemente discernidor, e
desenvolverei nas publicações seguintes sua aplicação aos diversos temas
tratados em Amoris laetitia.
Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.
* JUAN MASIÁ CLAVEL, nasceu em 1941, em Murcia, Espanha. É padre,
teólogo e escritor jesuíta. A sua especialidade é moral sexual e bioética. Foi
diretor do Departamento de Bioética no Instituto de Ciências da Vida da Universidade de Sofia, no Japão, e professor
de Bioética e Antropologia da Faculdade de Teologia na mesma universidade. Ele
foi professor convidado de Antropologia Filosófica 1988-1998 na Pontifícia Universidade de Comillas e
dirigiu o Departamento de Bioética da mesma universidade de 2004 a 2006. Hoje é
coadjutor na paróquia de Rokko, dos jesuítas, em Kobe (Japão) e professor de
Bioética da Universidade Católica Santo
Tomás, da diocese de Osaka. É também um colaborador em Tóquio da Comissão Católica de Justiça e Paz e da
seção japonesa da Conferência Mundial das
Religiões para a Paz.
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