«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

QUANDO A IGREJA RENUNCIA À BELEZA

Vito Mancuso
La Repubblica (Roma – Itália)
17-12-2014
Interior de uma catedral católica em estilo gótico
 
Quais são os argumentos que levam a considerar como verdadeira uma afirmação? O fato de que corresponde ao efetivo estado das coisas, é a resposta que surge na mente espontaneamente. De fato, se eu posso verificar a correspondência entre o enunciado (está chovendo) e a realidade (a chuva que cai), estou indubitavelmente na presença de um enunciado verdadeiro.

É a clássica definição de verdade como adequação entre realidade e mente, adaequatio rei et intellectus, que de Aristóteles passa para Tomás de Aquino e para toda a tradição ocidental. O cristianismo fez grande uso dela no passado, para se apresentar como verdade definitiva.

O cristianismo é a verdade, defendia-se, porque a Bíblia e o Magistério da Igreja dizem como as coisas são realmente sobre a origem do mundo, a existência de Deus, o aparecimento do homem, a natureza da alma e todas as outras questões capitais da vida; nem se deixava de salientar que os eventos narrados ou preditos na Bíblia, da arca de Noé até o iminente fim do mundo, tiveram ou terão logo uma pontual confirmação na realidade atual das coisas.

O progresso do conhecimento humano esvaziou tal abordagem, porque fez emergir, de modo irrefutável, a não correspondência entre muitas afirmações bíblicas e a realidade; pense-se, por exemplo, na origem do mundo.

Se somarmos a isso a evolução da consciência moral e a superação do princípio de autoridade (segundo o qual um enunciado é verdadeiro pela autoridade de quem o sustenta), compreende-se como as tradicionais apologias cristãs tornaram-se armas sem ponta, e o cristianismo, necessitado de refundação.

É o que já intuía o nobre contrarrevolucionário François-René de Chateaubriand (1768-1848), que se refugiou em Londres a fim de evitar a guilhotina durante os anos do Terror e um fervoroso católico. Uma vez de volta à França, depois da restauração, a intuição o levou a publicar, em 1802, Gênio do cristianismo, obra hoje reproposta na coleção Millenni Einaudi, com uma edição organizada por Mario Richter.

A novidade do livro está toda no título completo: Gênio do cristianismo ou a beleza da religião cristã. Enquanto, por séculos, a fim de mostrar a fundamentação da fé cristã, a apologética insistira na verdade do cristianismo, com Chateaubriand, pela primeira vez, ela se baseia na beleza, sustentando que o cristianismo vem diretamente de Deus e, portanto, é a verdade, pela sua capacidade de produzir beleza.

Trata-se de uma tese fundada? Na sua abordagem de fundo, sim, mesmo a epistemologia contemporânea afirma que, entre os critérios de veracidade de uma teoria científica, além da simplicidade, capacidade de prever e poder unificante, há justamente elegância ou beleza.

E, por muitos séculos, o cristianismo soube produzir beleza e teve poder unificante sobre as vidas dos homens. Pense-se nas obras-primas da arquitetura que são as igrejas românicas e as catedrais góticas; pense-se nos ícones bizantinos, em Cimabue, Giotto, Fra Angelico, Simone Martini, Piero della Francesca, Michelangelo e Caravaggio que, sem o cristianismo, seriam impensáveis; pense-se na mais alta criação poética da literatura italiana, a Comédia de Dante; pense-se no esplendor do canto gregoriano.

Pense-se nas muitas outras criações das quais testemunham as nossas cidades e os nossos pequenos vilarejos, e aproximem-se das formas de vida concreta que o cristianismo do passado sabia produzir por ser dotado de um forte poder unificante sobre o caos da existência: eremitas do deserto, beneditinos, cluniacenses, cistercienses, camaldulenses, cassinenses, valombrosanos, olivetanos, cartuxos, trapistas, franciscanos, dominicanos, trinitários, mercedários, servitas, agostinianos e muitos outros, sem falar da galáxia ainda mais extensa da vida religiosa feminina.

Mesmo a partir disso parecia que o cristianismo era verdadeiro, pela sua capacidade de geração de múltiplas formas de vida.

Mas hoje de que saúde goza a intuição de Chateaubriand de ligar a verdade do cristianismo à beleza? Em nível teórico, são dois os principais teólogos que se encarregaram de aprofundá-la, o suíço Hans Urs von Balthasar (1905-1991), com a obra em sete volumes Glória. Uma estética teológica, e o alemão Christoph Theobald, nascido em 1946, com a obra em dois volumes O cristianismo como estilo.

Mas quando está em jogo a verdade, na sua capacidade estética, bem antes de conceitos que falam à mente, fala-se de formas que encantam os sentidos, de cores, sons, arquiteturas, e fala-se de vidas concretas tão fascinadas pela mensagem cristã a ponto de deixar todas as outras coisas.

E, a partir desse ponto de vista, acredito que se deva destacar uma preocupante insuficiência do cristianismo contemporâneo. A entrada em qualquer uma das nossas igrejas raramente gera na alma uma experiência de beleza, ainda mais durante as funções litúrgicas, quando as músicas e as vozes são muitas vezes aproximativas e amadoras, enquanto a nova arquitetura sacra, muitas vezes, propõe edifícios frios e intelectualísticos, e a pintura se refugia em uma servil repetição dos ícones. As diversas formas de vida religiosa, por sua vez, definham por falta de vocações, que quase preanuncia a sua extinção.

Tudo isso leva o cristianismo contemporâneo a viver entre dois extremos:

·        de um lado, um tradicionalismo sombrio e inseguro, que só sabe reproduzir gostos e palavras de um mundo que não existe mais;

·        de outro, uma frenética corrida atrás das tendências de hoje, que quase não sabe mais distinguir entre a canção entre amigos da cantada sagrada à glória de Deus, um edifício sacro de um comum, uma vida consagrada com o seu hábito distintivo de uma existência totalmente laica.

No fundo é a própria ideia de apologética que mostra toda a sua fragilidade e, com isso, se repropõe com urgência a pergunta sobre o quanto ela induz a mente a considerar como verdadeiro o cristianismo, ou qualquer outra religião: quais são os argumentos que levam a considerar como verdadeiro um sistema de enunciados que pretende abraçar nada menos do que o sentido do mundo e se apresentar como verdade?

Desmoronada a ideia de uma demonstração racional da verdade cristã, a capacidade de gerar beleza também nunca poderá ser enquadrada em um sistema de pensamento, ainda mais se ele for funcional ao poder político e religioso, como a obra de Chateaubriand era funcional à restauração e à aliança trono-altar.

O resultado é que não há e nunca haverá nenhuma garantia para a fé cristã de poder se demonstrar como "verdade", apesar do dogma e do consequente anátema para quem o nega, declarado pelo Vaticano I.

Resta somente a vida das testemunhas sinceras, alheias a toda lógica de poder, para constituir o ponto de apoio: são elas o verdadeiro "gênio do cristianismo", só delas poderá brotar aquela humilde beleza, nada genial, mas, eu diria, austera na sua simplicidade, já na origem das bem-aventuranças evangélicas e do Cântico das Criaturas de Francisco de Assis.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 18 de dezembro de 2014 – Internet: clique aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.