«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O machismo sobrevive firme e forte no Brasil

Respeito de fachada

José de Souza Martins*

No Brasil, condenamos com paixão a violência contra mulheres, mas não reconhecemos nosso imaginário profundamente discriminatório, diz sociólogo
MANIFESTAÇÃO CONTRA A CULTURA DO ESTUPRO
Avenida Paulista - São Paulo - SP
Quarta-feira, 1 de junho de 2016

A comoção que provocaram em vários países o estupro e o assassinato de uma adolescente de 16 anos, na Argentina, e as reações decorrentes pedem uma reflexão sobre a complexidade social da descabida violência contra a mulher, que insiste e persiste. Mas pedem, também, uma ampliação dos marcos de referência das interpretações para essas manifestações de barbárie. Como pedem um exame crítico do modo como a questão tem sido tratada em países como o Brasil. Nossa compreensão do assunto é uma compreensão redutiva. Estamos em boa parte limitados ao âmbito do jurídico e policial.

A sociedade não tem sido indiferente a essas ocorrências. Sobretudo as mulheres de classe média têm lutado com afinco e coragem pela adoção de medidas legais de proteção à mulher e pela observância do que as leis determinam. Mas não se pode deixar de considerar, ainda que com apreensão, a reação espontânea de setores populares na repressão aos autores de violência contra a mulher. No Brasil, alguns dos linchamentos mais violentos das últimas décadas foram motivados por uma radical intolerância à agressão contra a mulher, especialmente à violência sexual.

Há, no entanto, um abismo separando as duas modalidades de reação social. Nelas, há duas e opostas concepções de mulher e dos direitos da mulher. De um lado, a mulher vista como cidadã e pessoa juridicamente igual ao homem, a mulher da concepção moderna da condição feminina. De outro lado, a mulher como sujeito da sociedade patriarcal, como potencial mãe de família, como personagem do caráter sagrado dos vínculos de sangue entre homem e mulher. Só na superfície essas duas concepções de mulher se encontram e essas duas concepções opostas de defesa da mulher convergem. No mais, porém, dizem respeito a dois mundos separados, o de um hoje tardio e o de um passado persistente.

Essa polarização reduz a eficácia das duas opostas orientações na defesa dos direitos da mulher e no combate à violência que a alcança. Porque falta, na sociedade brasileira, a ação que traduza essas reações na formação de uma cultura de respeito pela mulher e também de ação autodefensiva das próprias mulheres. Essa não é uma questão simples nem é questão que se resolva com discursos, embora os discursos também sejam necessários.

Tudo “ia bem” enquanto a mulher se mantinha nos limites de uma condição social que dela fazia vítima submissa e silenciosa de uma variante pouco considerada da escravidão, fosse ela negra, branca ou mameluca. A mulher servil persistiu mesmo depois da abolição da escravatura sem que se debatesse com honestidade o fato de que na história social brasileira a escravidão não se limitou ao negro nem foi exclusivamente escravidão fundada em raça e cor. Uma certa hipocrisia crônica, sem distinção de raça, cor, religião, idade e gênero, dissimula o fato de que mais do que racistas somos preconceituosos. O núcleo cultural da violência contra a mulher é o mesmo que anima outras modalidades de violência, como a violência contra o homem, contra o pobre, contra a criança, contra os jovens, contra os diferentes. 
Mulher morta por ex-marido que alegou ser chamado de "corno" é enterrada.
Estudante de direito foi sepultada no cemitério de Itapeva (SP).
Fernanda Pimenta Cerqueira foi morta em Guarujá
Itapeva (SP), 29 de janeiro de 2016

No Brasil, somos apaixonados nas manifestações contra racismo, contra a violência de gênero ou em relação a homossexuais, mas não temos a honestidade coletiva de reconhecer que somos radicalmente contra o direito à diferença e não colocamos sob ângulo crítico o nosso imaginário discriminante. Sem nos darmos conta de que a igualdade entre nós é adulta, masculina e branca. Isso é, desigual. É esse ser fictício e iníquo que serve de parâmetro no nosso modo de reconhecer os direitos dos diferentes. Aceitamos os diferentes apenas naquilo em que são iguais a nós.

Nosso imaginário contraria o que somos de fato. Durante séculos matamos os índios e, depois, os louvamos na música, na literatura, na toponímia. Fenômeno curioso é o de mulheres que sofreram violência doméstica e morreram e foram depois canonizadas pelas muitas pessoas que visitam seus túmulos. Ou meninas vitimadas e mortas pela violência sexual que se tornam objeto da devoção e da piedade popular.

Não obstante os mais de 100 anos de discursos sobre a igualdade jurídica das pessoas no Brasil, padres e pastores, nas cerimônias de casamento, continuam invocando versículos do capítulo 5 da Epístola de São Paulo aos Efésios, que proclamam a desigualdade de homem e mulher: o marido deve amar sua mulher; mas a mulher deve reverenciar o marido e sujeitar-se a ele, “porque o marido é a cabeça da mulher”. Com o princípio da desigualdade da mulher e sua sujeição ao homem estabelecido como dogma religioso fica difícil estranhar a violência doméstica contra a mulher e o componente de menosprezo e deboche que há nos frequentes estupros. Tudo tem dois lados. O mundo da violência não é um mundo de um lado só. Isso não dá razão a quem comete violência motivada por preconceito. Apenas propõe que o tema da violência contra a pessoa seja colocado no âmbito da complicada trama que a explica para então encontrar-se os meios eficazes de combatê-la.

* JOSÉ DE SOUZA MARTINS é sociólogo e membro da Academia Paulista de Letras e autor, entre outros livros, de Uma Arqueologia da Memória Social (Ateliê).

Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 30 de outubro de 2016 – Pág. E2 – Internet: clique aqui.

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