«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 2 de outubro de 2016

Vivemos uma transição na qual o passado não nos inspira mais!

De quando é bom ter uma pinguela segura

Luiz Werneck Vianna
Sociólogo e pesquisador da PUC-RJ

Agora não resta solução senão a de atravessar, pé ante pé, essa estreita
que se tem à frente...

Para um observador desavisado, inexperiente de como aqui se vivem as coisas da política, diante do cenário que aí está, nada de estapafúrdio que se lhe dê na telha a ideia de estarmos na iminência de uma revolução.

Nas salas de aula das universidades os estudantes exibem adesivos estampando um “fora Temer”, professores das escolas de ensino médio cumprimentam seus alunos com o mesmo bordão, artistas e cantores populares não começam seus espetáculos sem ele, também presente nas salas de cinema e nos teatros. Uma ex-presidente da República que teve seu mandato cassado, num trâmite que passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, que decretou o seu impeachment, em julgamento presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, participa de comícios eleitorais de candidatos às eleições municipais, quando se declara vítima de um golpe, todos são sinais que levam nosso observador a ruminar suas impressões.

Contudo se ele resolver testá-las, levantando a vista para a sociedade inteira, logo reconhecerá o despropósito da sua fabulação. No Congresso, em suas duas Casas, o governo detém folgada maioria, couraça sem a qual não há Executivo que se mantenha, fato ilustrado pela nossa experiência, contundentemente confirmada por recentes episódios. Nas chamadas classes fundamentais, fora a agitação de sempre que lhes é própria, não se percebem outras movimentações que não sejam as da defesa de seus interesses e direitos. No mundo agrário, tradicional calcanhar de Aquiles da política brasileira, sopram os mesmos ventos.

Faltaria, ainda, consultar o que se passa nas eleições municipais, termômetro confiável para o registro dos sentimentos da população, e nos quartéis, cuja importância na tradição republicana brasileira dispensa comentários. Nestes últimos reina, há tempos, a reverência ao culto constitucional e ao exercício dos seus papéis profissionais; nas eleições, que transcorrem em clima morno, se valem as pesquisas – e tudo indica que valem –, as candidaturas que se deixaram embair pelo bordão “fora Temer”, principalmente nas grandes capitais, estão longe de obter votações que as levem à vitória. E, como sempre entre nós, não há melhor detergente em horas de crise política do que um processo eleitoral.

Feito esse balanço, nosso observador admite que se equivocou no diagnóstico. Mas se não é de revolução, do que se trata, que bicho é esse que nos aturde com sua presença? A frase é velha, mas nem por isso perde validade: o passado não mais ilumina o futuro, que ainda não começou a nascer. A hora é de transição, de lusco-fusco, não é mais noite e o dia tarda a aparecer, mas a sociedade se inquieta e começa despertar sem saber o que a espera em meio às ruínas que sobraram dos partidos e, em geral, das nossas instituições políticas.

Ela mudou em meio às poderosas transformações demográficas, sociais e ocupacionais que desfiguraram a paisagem reinante em meados do século passado. Encontramo-nos em terra nova, como se estrangeiros a ela, agarrados a um passado que nos foi familiar, com as relações entre gerações, entre gêneros, sobretudo entre as classes sociais e sistema de crenças girando em gonzos fora do nosso controle e da nossa imediata percepção. A sociedade modernizou-se por cima, sujeita a experimentos saídos das pranchetas de uma tecnocracia ilustrada, impostos a ferro e fogo – exemplo mais recente, o da colonização da Amazônia.

Entre nós, a obra dessa modernização persistiu por décadas, ora por vias duramente repressivas, como no Estado Novo de Vargas e no regime militar, ora de forma doce, como nos governos de Juscelino – que criou no centro geográfico do Brasil, nos ermos do Cerrado, uma nova capital para o País – e nos de Lula e Dilma.

Fora de dúvidas que tais esforços em favor da aceleração da modernização foram bem-sucedidos, em que pesem os altos custos políticos e sociais envolvidos:
1) não só pelo aprofundamento das desigualdades já existentes,
2) como pela condenação da sociedade a um estatuto de minoridade sobre a qual deveria incidir a ação modernizadora do Estado.

Não à toa as lutas pela democratização do País trouxeram consigo a denúncia dessa modelagem, filha de nossa longa tradição de autoritarismo político, do que foi exemplar a publicação de São Paulo 1975 – Crescimento e Pobreza, sob a iniciativa do cardeal Paulo Evaristo Arns, obra coordenada por Lucio Kovarick e Vinicius Caldeira Brant.

Essa nova agenda, nos anos 1980, encontrou no PT uma de suas mais importantes vocalizações. Com efeito, dele vieram críticas contundentes ao nacional-desenvolvimentismo e à cultura política que enlaçava a sociedade civil ao Estado e às suas agências, como no caso do sindicalismo, objeto de feroz crítica das emergentes lideranças sindicais dos metalúrgicos do ABC, Lula à frente, como seu principal porta-voz. O PT nasceu e cresceu em nome de uma representação da sociedade civil que aspirava por autonomia diante da onipotência de um Estado que fazia dela base passiva para sua manipulação.

Como se sabe, esse partido, por fas ou nefas, se converteu às práticas que combatia; e levou-as à exaustão depois de um curto período de fastígio no seu uso, culminando no episódio melancólico do impeachment do mandato presidencial de Dilma Rousseff sob a acusação de ter atentado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja inspiração oculta, ao impor limites ao decisionismo do Executivo, consistiu precisamente em interditar caminhos ao processo de modernização autoritária vigente por décadas no País.

Agora, não resta outra solução que não a de atravessar, pé ante pé, a pinguela estreita que se tem à frente, de que falou em entrevista o ex-presidente Fernando Henrique, travessia perigosa que, para ser segura, está a exigir outra bibliografia e uma imaginação bem diversa da que nos trouxe até aqui.

Diante do cinismo e hipocrisia, só nos
resta a ironia

Arnaldo Jabor

Peço ao exército do “Fora, Temer” que me explique alguns mistérios
e iluminem a minha ignorância

Eu também quero ser feliz. Fico com inveja dos manifestantes que berram “Fora, Temer”, orgulhosos, iluminados pela certeza de que lutam pelo bem do Brasil. Tenho inveja deles. Nada é mais cobiçado do que a chamada “boa consciência”, a sensação de estar do lado certo da história ou da justiça. Tenho inveja de famosos artistas e intelectuais que aderiram à causa do “Fora, Temer”, se bem que ainda não consegui entender o labirinto ideológico dentro de suas cabeças que desemboca nesses protestos.

Fico inquieto, mas logo me tranquilizo, porque eles, pessoas especiais, têm um fino saber e se tivessem tempo (ou saco) me elucidariam sobre suas profundas razões. Esforço-me, mas ainda não alcanço essa profundidade. Acho que tenho de me rever, fazer uma autocrítica. Talvez eu seja levado por minha cruel personalidade que, como eles dizem, não deseja o progresso do País. Eu sei que, ai de mim, talvez eu não passe mesmo de um fascista neoliberal, mas também sou um ser humano. Por isso, me entendam – eu quero ser salvo, doutrinado, catequizado pelo saber histórico dos manifestantes. Peço, por favor, que me ajudem a entender suas teses, para que eu saia das trevas da ignorância. Eu sou um pobre homem alienado, mas quero me atualizar. Por isso, trago algumas perguntas para me livrar dessas dúvidas pequeno-burguesas.

Por exemplo:

Me expliquem porque a palavra de ordem é “golpe, golpe”.
Como assim? – pensei, na minha treva: se a Suprema Corte [STF], o Congresso, o Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República, a Ordem dos Advogados, a Associação dos Magistrados do Brasil levaram nove meses para cumprir o ritual constitucional e legitimaram o impeachment, por que é golpe? A turma do “Fora, Temer” deve saber. Talvez, alguém da direita tenha envenenado a mente desses juízes, congressistas, advogados e procuradores. Quem, na calada da noite, se reuniu com eles e juntos planejaram um golpe contra a Dilma? Imagino a cena, tarde da noite num bar de hotel: ministros e juízes bebem e celebram, às gargalhadas, um plano para arrasar o PT. Me expliquem esse mistério, pelo amor de Deus.

Vejo, com assombro de inocente inútil, que ignorei a estratégia bolivariana quando Dilma declarou em campanha que, na economia, estávamos bem. Frívolo que sou, achei que a Dilma estava mentindo; mas, logo lembrei que era “mentira revolucionária” para ser eleita – hoje, entendo que Dilma fez bem em encobrir um rombo de 170 bilhões de reais com dinheiro dos bancos públicos.
Refinaria de Pasadena - Estados Unidos
Um ferro-velho comprado por US$ 1,5 bilhão

Quebrou-se a Petrobrás, mas já posso ouvir nossa “intelligentsia”: “os fins justificam os meios e, se a Petrobrás era do povo, seu dinheiro podia ser expropriado para o bem do povo”. Na mosca. Espantei-me com a visão de mundo que justificou a compra da refinaria de Pasadena por um preço 30 vezes maior; pagamos por uma lata velha um bilhão e meio de dólares. Mas eu, um idiota da objetividade, tenho a convicção de que vocês me revelarão a límpida verdade: Dilma sabia da venda, mas fez vista grossa em nome de nossa salvação. Afinal, o que são um bilhão de dólares diante do socialismo (ou brizolismo) triunfante que virá?

Às vezes, em minha hesitante mediocridade, temi que os 50 mil petistas empregados no governo estivessem trabalhando para o PT e não para a sociedade, mas já ouço a voz de grandes artistas explicando-me, com doce benevolência, que a sociedade não é confiável e que os petistas não eram infiltrados, mas vigilantes de sua missão no futuro.

Houve um momento em que achei, ingenuamente, que a nova matriz econômica de Dilma e Mantega era o rumo certo para a catástrofe. Ou para o brejo. Mas, sei que os sapientes comunistas dirão que esse será um brejo iluminista que acordará as mentes para a verdade. Assim, respiro aliviado. Entendi-os: “mesmo a ruína poderá ser didática”. Eles dirão, imagino, que um poder popular não podia se ater a normas econômicas neoliberais e tinha de estimular o consumo. Isso criou 12 milhões de desempregados? Sim, mas, nossos teóricos rebaterão que, mesmo quebrando o País e provocando inflação, esses 12 milhões sentiram o gostinho das geladeiras e TVs e que isso é a criação de um desejo para o socialismo. Na mosca.

Confesso também que fiquei desanimado com o atraso de todas as obras prometidas, que o PAC não andou, que não devíamos financiar portos e pontes em Venezuela, Angola e Cuba, mas eles me ensinarão que a solidariedade internacional bolivariana é fundamental para a vitória de seu projeto. Quero me penitenciar também por ter me entusiasmado com a Lava Jato, que considerei uma mutação histórica. Depois, lendo os jornais e as explicações de gente lúcida como a barbie-bolivariana Gleisi Hoffman e Lindenberg Farias, o homem que salvou Nova Iguaçú, voltei atrás e vejo que Moro e seus homens não passam de fascistas que querem impedir o avanço das forças do progresso. A Lava Jato, hoje o sei, é de direita.


Às vezes, reacionários criticam o governo Dilma por gastar muito em publicidade, porque desde o início do governo do PT foram gastos 16 bilhões de reais. Eu achava isso errado, mas sábias palavras me provarão que a população é uma grande “massa atrasada” e que há que lhes ensinar a verdade do capitalismo assassino.

Também achei pouco elegante a difusão pelo mundo da tese de que um golpe terrível tinha se passado no Brasil, achei que uma presidenta não podia espalhar uma difamação sobre o próprio país. Mas, artistas e intelectuais vão sorrir com superioridade e me ensinar (já os vejo...) que a adesão internacional é mais importante que velhas fronteiras nacionais.

Por isso, creio que estou pronto para minha reforma mental. Estou pronto para renegar minhas dúvidas pequeno-burguesas. E logo poderei fazer parte daqueles que invejo por seus rostos iluminados de certeza, por sua sabedoria acima da história e do obvio.

Assim, poderei participar desses protestos, me sentir um revolucionário e gritar, de punho erguido e fronte alta: “Fora, Temer!!!”.

Fontes: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Domingo, 2 de outubro de 2016 – Pág. A2 – Internet: clique aqui; e O Estado de S. Paulo – Colunistas / Caderno 2 – Terça-feira, 27 de setembro de 2016 – Pág. C8 – Internet: clique aqui.

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